sexta-feira, 6 de setembro de 2013

 
FELICIDADE É O PROJETO DE DEUS PARA OS HOMENS

 
Quarta-feira da XXIII Semana Comum
11 de Setembro de 2013
 
Texto de Leitura: Lc 6,20-26


Naquele tempo, 20 Jesus, levantando os olhos para os seus discípulos, disse: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! 21 Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós que agora chorais, porque havereis de rir! 22 Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem! 23 Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas. 24 Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! 25 Ai de vós que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! 26 Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas.

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Ao descer da Montanha onde Jesus escolheu os Doze Apóstolos (Lc 6, 12-19) começa em Lucas o que os autores chamam o “Sermão da Planície” (Lc 6,20-49).


Neste sermão da Planície há três seções apresentadas. Primeiro, o anúncio de salvação aos “pobres” e os ais para os “ricos” (Lc 6,20-26). Somente quem escutou e acolheu a Boa Nova anunciada por Jesus, tem condições para seguir a Jesus e para entrar no Reino de Deus. Quem fica agarrado às coisas sem espírito de partilha impede de seguir a Jesus. Segundo, o amor para os inimigos (Lc 6, 27-38). O amor cristão não conhece fronteiras, pois ele é universal. Deus ama a todos (cf. Mt 5,44-45). Amar como Deus-Pai supõe amar até os inimigos. Deus não se cansa de perdoar. Somente quem fizer a experiência do amor do Pai celeste, tem força para amar aos inimigos, isto é, sempre querer o bem para todos independentemente daquilo que eles cometeram. Terceiro, apresentam-se cinco parábolas para falar do verdadeiro discípulo de Jesus (Lc 6,39-49). Os cristãos devem estar cheios de amor e existir para os outros para ser de Deus, e estar conscientes de sua responsabilidade, não sendo guia cego e ser permanentes discípulos, isto é, não para de aprender e os demais ensinamentos nesta parte que indicam como deve ser discípulos de Jesus.


O texto do evangelho de hoje, que inicia o Sermão da Planície, nos apresenta as bem-aventuranças como síntese da mensagem cristã, como projeto de felicidade. A felicidade para todos é o projeto de Jesus. A santidade é o projeto individual-pessoal.   


Exegeticamente, o gênero de bem-aventurança não é novo no Novo Testamento, nem tampouco é exclusivo dos evangelhos. O Antigo Testamento nos apresenta numerosos exemplos de bem-aventuranças. Só no livro de Salmos encontramos mais de vinte vezes (cf. Sl 40,2; 127,1 etc.). O Apocalipse de São João rima seu texto com sete bem-aventuranças (Ap 1,3; 14,13; 16,15;19,9; 20,6; 22,7; 2214).


Encontramos paralelamente as bem-aventuranças em Mateus e Lucas, mas cada evangelista tem suas particularidades. Em Mateus há oito bem-aventuranças (Mt 5,1-12), enquanto que em Lucas, quatro e mais quatro maldições. Mateus insiste na pobreza “espiritual” (os pobres no espírito), isto é, a atitude interior. Lucas, ao contrário, se dirige aos pobres reais, à classe social daqueles que são mais pobres materialmente/fisicamente do que os demais. E esta insistência particular de Lucas é ainda reforçada por: o anúncio de uma mudança total das situações e a oposição entre “bem-aventuranças” e “maldiçoes” (“os ais”).


A interpretação das bem-aventuranças “segundo Mateus” convida todos os homens, ricos e pobres para o desprendimento espiritual e para a conversão do coração. A interpretação das bem-aventuranças “segundo Lucas” convida todos os homens, ricos e pobres, a transformarem as estruturas da sociedade para que haja menos pessoas desfavorecidas e que não haja os empobrecidos. Se todos são filhos e filhas de Deus da misericórdia (Lc 6,36), então todos são irmãos. Se todos são irmãos em Cristo, então todos devem cuidar de todos. Deus, como Pai de todos, não estará contente, se um dos seus filhos não estiver feliz. E ninguém pode estar em plena tranqüilidade diante de Deus, se um irmão estiver passando fome ou por alguma necessidade básica para sua vida.


Na versão de Lucas das aventuranças, Jesus chama “felizes” ou “bem-aventurados” para quatro classes de pessoas: os pobres, os que passam fome, os que choram e os que são perseguidos por causa da fé. E ele dirige seu “ai” para outras quatro classes de pessoas: os ricos, os que estão saciados, os que riem e os que são adulados pelo mundo.


Trata-se, portanto, de quatro antíteses. Como as antíteses que Lucas põe nos lábios de Maria de Nazaré em seu Magnificat: Deus derruba de trono os poderosos e exalta os humildes; saciou de bens os indigentes e despediu os ricos de mãos vazias (cf. Lc 1,52-53). É o desenvolvimento daquilo que Jesus havia anunciado em seu discurso programático em Nazaré: Ele foi enviado para os pobres, os cativos, os cegos e os oprimidos (cf. Lc 4,14-22).


O projeto de Jesus para todos nós é a felicidade. Ele veio para trazer vida em abundância (Jo 10,10). Felizes os pobres; felizes os que agora passam fome; felizes os que choram; felizes os que são odiados por causa do Filho do Homem. Trata-se de situações reais, de circunstâncias concretas e históricas. O advérbio “agora” reforça mais ainda essa impressão.


Jesus me convida, em primeiro lugar, a olhar para minhas próprias misérias, minhas pobrezas reais, minhas fomes reais, meus prantos reais, os desprezos reais que sofro. Em que sou um miserável? Em que sou um pobre? De que eu tenho fome? Quais são desprezos que eu sofri ou tenho sofrido?


Em segundo lugar, Jesus me convida a olhar ao meu redor para esses mesmos setores de miséria, dos pobres, dos sofredores, dos famintos, dos desprezados. Sou convidado por Jesus a partilhar minha felicidade com os outros, para dividir com o necessitado daquilo que eu tenho, para levar consolação para os que vivem nos prantos, para levar o amor para aqueles que sofrem de desprezo. Se eu fizer tudo isto e mais do que isto, estarei mostrando para os outros que estou no Reino de Deus embora eu ainda esteja neste mundo. Desta maneira, para mim Jesus vai dizer: “O reino de Deus é vosso”, pois ao matar a fome do outro com o que eu tenho, eu sou saciado por Deus (cf. Mt 25,31-46). Ao ajudar os outros na sua carência do essencial, não somente aliviamos sua dor. É muito mais do que isso! Queremos mostrar que estamos no Reino de Deus onde não há fome, não há desprezo, não há pranto, pois todos se preocupam com todos; porque cada um se torna irmão para o outro; porque cada um se torna ocasião de salvação para o outro.


Hoje Jesus convida todos nós, pobres e ricos, a vivermos a verdadeira pobreza evangélica. A verdadeira pobreza evangélica é a pobreza do homem que desapega seu espírito de todas as coisas que tem, remete a Deus toda preocupação pelas coisas temporais e vive neste mundo como peregrino no caminho até a possessão eterna de Deus. A pobreza assim entendida mantém a alma aberta a Deus, em atitude de total “expectativa”, pois tudo espera de Deus; cria um clima espiritual propício à docilidade interior, à oração e à união com Deus, porque ensina o homem a viver em contínua dependência do Criador. O apego às coisas passageiras fecha o coração do homem diante de Deus e diante de seu próximo. Um coração cheio de coisas terrenas fica cego diante da transcendência. A pobreza evangélica, por sua vez, gera a justiça e a misericórdia, ensina a partilhar o que se tem com quem não tem para viver uma vida digna, alimenta a esperança, educa para a paz, para o diálogo, para o serviço do próximo, aumenta o amor e dá serenidade e alegria espiritual. Esta é a mensagem revolucionária que nosso Senhor nos trouxe. Se tudo for realizado, bem-aventurados somos todos!

P. Vitus Gustama,svd

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