FELICIDADE É O PROJETO
DE DEUS PARA OS HOMENS
Quarta-feira da XXIII
Semana Comum
11 de Setembro de 2013
Texto de Leitura: Lc 6,20-26
Naquele tempo, 20 Jesus, levantando os olhos para os
seus discípulos, disse: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino
de Deus! 21 Bem-aventurados vós que
agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós que agora
chorais, porque havereis de rir! 22 Bem-aventurados sereis, quando os
homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome,
por causa do Filho do Homem! 23 Alegrai-vos, nesse dia, e exultai,
pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os
antepassados deles tratavam os profetas. 24 Mas, ai de vós, ricos, porque já
tendes vossa consolação! 25 Ai de vós que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós
que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! 26 Ai de vós quando todos vos elogiam!
Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas.
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Ao descer da Montanha onde Jesus
escolheu os Doze Apóstolos (Lc 6, 12-19) começa em Lucas o que os autores
chamam o “Sermão da Planície” (Lc 6,20-49).
Neste sermão da Planície há três seções
apresentadas. Primeiro, o anúncio de salvação aos “pobres” e os
ais para os “ricos” (Lc 6,20-26). Somente quem escutou e acolheu a Boa Nova
anunciada por Jesus, tem condições para seguir a Jesus e para entrar no Reino
de Deus. Quem fica agarrado às coisas sem espírito de partilha impede de seguir
a Jesus. Segundo, o amor para os inimigos (Lc 6, 27-38). O amor
cristão não conhece fronteiras, pois ele é universal. Deus ama a todos (cf. Mt
5,44-45). Amar como Deus-Pai supõe amar até os inimigos. Deus não se cansa de
perdoar. Somente quem fizer a experiência do amor do Pai celeste, tem força
para amar aos inimigos, isto é, sempre querer o bem para todos
independentemente daquilo que eles cometeram. Terceiro, apresentam-se
cinco parábolas para falar do verdadeiro discípulo de Jesus (Lc 6,39-49). Os cristãos
devem estar cheios de amor e existir para os outros para ser de Deus, e estar conscientes
de sua responsabilidade, não sendo guia cego e ser permanentes discípulos, isto
é, não para de aprender e os demais ensinamentos nesta parte que indicam como
deve ser discípulos de Jesus.
O texto do evangelho de hoje, que
inicia o Sermão da Planície, nos apresenta as bem-aventuranças como síntese da
mensagem cristã, como projeto de felicidade. A felicidade para todos é o
projeto de Jesus. A santidade é o projeto individual-pessoal.
Exegeticamente, o gênero de
bem-aventurança não é novo no Novo Testamento, nem tampouco é exclusivo dos
evangelhos. O Antigo Testamento nos apresenta numerosos exemplos de
bem-aventuranças. Só no livro de Salmos encontramos mais de vinte vezes (cf. Sl
40,2; 127,1 etc.). O Apocalipse de São João rima seu texto com sete
bem-aventuranças (Ap 1,3; 14,13; 16,15;19,9; 20,6; 22,7; 2214).
Encontramos
paralelamente as bem-aventuranças em Mateus e Lucas, mas cada evangelista tem
suas particularidades. Em Mateus há oito bem-aventuranças (Mt 5,1-12), enquanto
que em Lucas, quatro e mais quatro maldições. Mateus insiste na pobreza
“espiritual” (os pobres no espírito), isto é, a atitude interior. Lucas, ao
contrário, se dirige aos pobres reais, à classe social daqueles que são mais
pobres materialmente/fisicamente do que os demais. E esta insistência
particular de Lucas é ainda reforçada por: o anúncio de uma mudança total das
situações e a oposição entre “bem-aventuranças” e “maldiçoes” (“os ais”).
A
interpretação das bem-aventuranças “segundo Mateus” convida todos os homens,
ricos e pobres para o desprendimento espiritual e para a conversão do coração.
A interpretação das bem-aventuranças “segundo Lucas” convida todos os homens,
ricos e pobres, a transformarem as estruturas da sociedade para que haja menos
pessoas desfavorecidas e que não haja os empobrecidos. Se todos são filhos e
filhas de Deus da misericórdia (Lc 6,36), então todos são irmãos. Se todos são
irmãos em Cristo, então todos devem cuidar de todos. Deus, como Pai de todos,
não estará contente, se um dos seus filhos não estiver feliz. E ninguém pode
estar em plena tranqüilidade diante de Deus, se um irmão estiver passando fome
ou por alguma necessidade básica para sua vida.
Na versão de Lucas das
aventuranças, Jesus chama “felizes” ou “bem-aventurados” para quatro classes de
pessoas: os pobres, os que passam fome, os que choram e os que são perseguidos
por causa da fé. E ele dirige seu “ai” para outras quatro classes de pessoas:
os ricos, os que estão saciados, os que riem e os que são adulados pelo mundo.
Trata-se, portanto, de quatro
antíteses. Como as antíteses que Lucas põe nos lábios de Maria de Nazaré em seu
Magnificat: Deus derruba de trono os poderosos e exalta os humildes; saciou de
bens os indigentes e despediu os ricos de mãos vazias (cf. Lc 1,52-53). É o
desenvolvimento daquilo que Jesus havia anunciado em seu discurso programático
em Nazaré: Ele foi enviado para os pobres, os cativos, os cegos e os oprimidos
(cf. Lc 4,14-22).
O projeto de Jesus para todos nós é
a felicidade. Ele veio para trazer vida em abundância (Jo 10,10). Felizes os
pobres; felizes os que agora passam fome; felizes os que choram; felizes os que
são odiados por causa do Filho do Homem. Trata-se de situações reais, de
circunstâncias concretas e históricas. O advérbio “agora” reforça mais ainda
essa impressão.
Jesus me convida, em primeiro
lugar, a olhar para minhas próprias misérias, minhas pobrezas reais, minhas
fomes reais, meus prantos reais, os desprezos reais que sofro. Em que sou um
miserável? Em que sou um pobre? De que eu tenho fome? Quais são desprezos que
eu sofri ou tenho sofrido?
Em segundo lugar, Jesus me convida
a olhar ao meu redor para esses mesmos setores de miséria, dos pobres, dos
sofredores, dos famintos, dos desprezados. Sou convidado por Jesus a partilhar
minha felicidade com os outros, para dividir com o necessitado daquilo que eu
tenho, para levar consolação para os que vivem nos prantos, para levar o amor
para aqueles que sofrem de desprezo. Se eu fizer tudo isto e mais do que isto,
estarei mostrando para os outros que estou no Reino de Deus embora eu ainda
esteja neste mundo. Desta maneira, para mim Jesus vai dizer: “O reino de Deus é
vosso”, pois ao matar a fome do outro com o que eu tenho, eu sou saciado por
Deus (cf. Mt 25,31-46). Ao ajudar os outros na sua carência do essencial, não
somente aliviamos sua dor. É muito mais do que isso! Queremos mostrar que
estamos no Reino de Deus onde não há fome, não há desprezo, não há pranto, pois
todos se preocupam com todos; porque cada um se torna irmão para o outro; porque
cada um se torna ocasião de salvação para o outro.
Hoje Jesus convida todos nós,
pobres e ricos, a vivermos a verdadeira pobreza evangélica. A verdadeira
pobreza evangélica é a pobreza do homem que desapega seu espírito de todas as
coisas que tem, remete a Deus toda preocupação pelas coisas temporais e vive
neste mundo como peregrino no caminho até a possessão eterna de Deus. A pobreza
assim entendida mantém a alma aberta a Deus, em atitude de total “expectativa”,
pois tudo espera de Deus; cria um clima espiritual propício à docilidade
interior, à oração e à união com Deus, porque ensina o homem a viver em
contínua dependência do Criador. O apego às coisas passageiras fecha o coração
do homem diante de Deus e diante de seu próximo. Um coração cheio de coisas
terrenas fica cego diante da transcendência. A pobreza evangélica, por sua vez,
gera a justiça e a misericórdia, ensina a partilhar o que se tem com quem não tem
para viver uma vida digna, alimenta a esperança, educa para a paz, para o
diálogo, para o serviço do próximo, aumenta o amor e dá serenidade e alegria
espiritual. Esta é a mensagem revolucionária que nosso Senhor nos trouxe. Se
tudo for realizado, bem-aventurados somos todos!
P. Vitus Gustama,svd
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