quinta-feira, 17 de abril de 2014

 
SEXTA-FEIRA SANTA

A CRUZ QUE ME SALVOU


1. O homem que questiona a existência de Deus por causa do sofrimento


Celebrar a Sexta-Feira Santa nos leva a pensarmos na cruz e a cruz nos leva a pensarmos na dor e no sofrimento. E falar da dor é falar das pessoas concretas, pessoas que sofrem.
 

A pergunta que o próprio sofrimento faz a todos nós é esta: Se existe um Deus justo, por que existem o mal e o sofrimento? E se existem o mal e o sofrimento, como poderá existir um Deus justo?  E se Deus é justo e misericordioso, por que um inocente ou uma criança recém-nascida sofre? Por que Deus parece ficar calado diante de uma oração para pedir a solução para um problema ou para um sofrimento insuportável?  Por que as coisas ruins acontecem a pessoas boas? Como posso acreditar num Deus que ame a dor, num Deus que acende a luz vermelha às alegrias humanas?
  

Estas perguntas servem apenas como exemplo de uma ladainha de perguntas sobre o mesmo tema.  As desgraças que atingem as pessoas boas não são um problema apenas para as próprias vítimas e para suas famílias, mas também são problemas para todos os que desejam acreditar em Deus, e num mundo mais justo, fraterno, razoável e suportável.
  

A dor é realidade e mistério, noite e dia, névoa e luz, fraqueza e força, morte e vida, desespero e esperança.


Nós sofremos simplesmente porque essa é a condição do ser humano. A vida humana terrena é por si mesma pequena, fraca e frágil. A morte e a dor são companheiras naturais de nossa própria estrutura. O sofrimento chega a todos nós. Não lhe podemos escapar. Mas embora a dor em si seja inevitável, durante esta vida, muitas dores e muitas mortes podem ser evitadas.


2. Nós também estávamos lá


O perigo que temos ao ler o relato da Paixão de Jesus é ficarmos como espectadores da cena cujo papel de cada personagem da Paixão não tem nada a ver com a nossa vida. Mas se refletirmos seriamente sobre este relato, na verdade, estávamos também lá desempenhando nosso papel para causar o sofrimento de Jesus. E ao olharmos para o nosso modo de viver atualmente confessamos que continuamos a fazer Jesus sofrer, pois “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. E todas as vezes que o deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,39.45).


Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando não soubermos acompanhar nossos irmãos que sofrem, que sentem angústia e se sentem sós, como fizeram os discípulos prediletos no Jardim de Getsêmani. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando vendermos nossa dignidade por algumas moedas como Judas que vendeu Jesus por trinta moedas de prata; quando nossa ganância nos levar a fazermos negócios sujos e quando não prestarmos a ajuda aos irmãos necessitados. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando buscarmos na violência a solução de nossos problemas como aqueles que prenderam Jesus com paus e espadas; quando não estivermos convencidos de que “quem usa espada, com/ de a espada morrerá”. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando acusarmos injustamente os irmãos como fizeram os líderes religiosos de Jerusalém e as falsas testemunhas; quando não respeitarmos os homens e os acusamos sem verdade. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando negarmos ou mentirmos por vergonha e covardia, como fez Pedro; quando não confessarmos com valentia e sinceridade nossa fé; quando não defendermos a causa da justiça por medo dos problemas e dificuldades que isto possa nos trazer. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando lavarmos as mãos como Pilato; quando não vivermos comprometidos com a causa dos que sofrem; quando encolhermos os ombros e não defendermos a verdade e a justiça por medo das conseqüências. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando condenarmos os outros sem ponderar o que há de verdade nessas condenações, como fez a multidão em Jerusalém. Hoje Cristo continua sofrendo a Paixão quando zombarmos os que sofrem, os marginalizados da sociedade, os pobres, os idosos, os embriagados, os aleijados, os débeis e assim por diante. Somos nós responsáveis deste mundo. Sou eu responsável deste mundo!


Nosso caminho de conversão se une hoje ao caminho de Jesus para aprender dele que o mais importante da vida é colocá-la ao serviço de uma causa digna. Se nos esforçamos por mudar atitudes e afinar nossos sentimentos durante o tempo da Quaresma é simplesmente para nos identificar melhor com este Jesus que hoje entra triunfante em Jerusalém, e compreender que a alegria e a felicidade formam parte de nosso ser cristão, para celebrar e viver mais autenticamente unidos a Cristo Ressuscitado a nova vida que ele nos oferece no domingo da Páscoa. Nosso caminhar ao lado de Jesus ao longo da Semana Santa é a melhor escola que podemos freqüentar para nossa vida de cada dia. Com a segurança de que nosso caminho já não o fazemos sozinhos, e sim com este Jesus da Semana Santa e com tantos irmãos na fé que têm a mesma esperança. Hoje Jesus nos ensina mais do que nunca a caminharmos juntos: Jesus, os irmãos e eu mesmo. Manifestamos isto simbolicamente na procissão que fazemos juntos com os ramos na mão, símbolo de nossa vitória antecipada.


3. Jesus Cristo crucificado que ressuscitou é a resposta de Deus para nós
 

Popularmente, a cruz, com freqüência, tem sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem usado para induzir os homens a não se rebelarem, mas a negociar com a dor; tem sido motivo para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas formas de repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de sua referência a Jesus, Salvador.
   

Sem dúvida nenhuma, Deus não aceita a sociedade na qual uns homens desprezam, injustiçam, exploram, roubam, maltratam, atropelam e matam os outros. As cruzes que os homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de Deus. É preciso lutar contra elas, pois Deus as detesta.
  

Jesus Cristo também sente na própria carne todas as dimensões do sofrimento humano. A dor nos faz mais próximos de Jesus Cristo. Mas a dor de Jesus não se encerrou jamais sobre si mesmo, ao contrário, estava totalmente aberta ao próximo. Por isso, o profeta Isaías resumiu: Jesus “tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças”(Mt 8,17). Tão profundamente sentiu a dor humana, que dedicou sua vida para servir a todos, para aliviar suas penas e para ensinar-lhes o caminho da superação e da irmandade(Lc 4,18-19). Sua existência esteve totalmente orientada no sentido de aliviar a dor alheia. Não fechava seu coração para ninguém. Ele fazia o máximo possível para que cada um pudesse ver o amor de Deus que Deus lhe tinha e seu próprio valor humano.
  

Portanto, Jesus não veio para glorificar a dor, mas sim para dar um fim a seu reinado. A cruz de Jesus é um instrumento de exaltação porque ela é o fruto de amor. A cruz é o último ato de uma vida vivida no amor, na doação e na entrega. A cruz é a expressão suprema do amor de Deus por nós. Por isso, para os cristãos a contemplação da cruz é fonte de alegria serena porque vemos na cruz a manifestação mais clara do amor de Deus por nós todos e por cada um em particular. Deus fez a alma humana de tal forma que apenas uma vida de bondade, de amor e de honestidade nos faz sentir espiritualmente saudáveis, humanos e fraternos.


Por isso, nunca podemos olhar para a cruz de Jesus sem nos lembrarmos da ressurreição. Sexta-Feira Santa não tem qualquer significado sem o Domingo da Páscoa. No Calvário a vida ganhou, porque o amor era mais forte que a morte. Somente a partir dessa perspectiva se pensa, se corrige e se assume o símbolo da cruz. A redenção é antes de tudo uma vitória. Cristo é o vencedor da morte. Cristo é o Salvador do mundo, Salvador de cada um de nós.
 

Todos nós carregamos alguma cruz na nossa vida. Há cruzes de todos os tipos. Há cruzes em todos os caminhos. Há cruzes com Cristo, mas há também cruzes sem Cristo. Cada cruz, então, tem uma história e cada história tem uma cruz. A cruz sem Cristo é a cruz-condenação. É a cruz de quem deseja ser um deus. É a cruz que não tem finalidade em si mesmo. É a cruz sem fé, sem amor, sem sentido da vida, sem renúncia por amor. É a cruz de quem deseja viver numa liberdade sem responsabilidade. Jesus Cristo, que foi crucificado, transformou a cruz de castigo em bênção.


Por isso, somos convidados a olhar para o alto, para a cruz de Jesus. Somente olhando para o alto, para Deus, o homem encontra o sentido da sua existência e tudo que se passa aqui nesta terra. Só do alto vem a luz que dá sentido à alegria e à dor, às vitórias e às derrotas, à solidão e à morte. Olhar para Jesus na cruz significa aceitar com fé a mensagem que ele dirige para todos nós, cristãos. Aqui crer significa identificar a própria vida com a de Cristo. Este é o caminho para alcançar a vida do alto, a salvação. Por isso, Madre Teresa de Calcutá dizia: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito bem do quanto Deus nos amou. Mas quando participamos da Eucaristia, da missa, sabemos muito bem do quanto Deus nos ama”, porque Jesus continua nos amando, dando-nos Seu Corpo e Sangue para nos fortalecer na nossa caminhada para alcançar a vida eterna.


“Jesus Crucificado!

Sempre Te levo comigo,

Preferindo-Te acima de qualquer coisa.

Quando caio, Tu me levantas.

Quando choro, Tu me consolas.

Quando sofro, Tu me curas.

Quando Te chamo, Tu me respondes.

Tu és a Luz que me ilumina.

O sol que me aquece.

O alimento que me nutre.

A fonte que me sacia.

A doçura que me inebria.

O bálsamo que me restaura.

A beleza que me encanta.

Jesus Crucificado!

Sejas Tu a defesa de minha vida.

Meu conforto e confiança na minha agonia.

E repousa no meu coração

Quando chegar a minha última hora.

Amém!”

(Dom Bruno Forte).

 
P. Vitus Gustama,svd

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