terça-feira, 29 de abril de 2014

 
SER DO CÉU  OU SER DA TERRA?

Quinta-Feira da II Semana da Páscoa
01 de Maio de 2014
 

Texto de Leitura: Jo 3, 31-36

31“Aquele que vem do alto está acima de todos. O que é da terra, pertence à terra e fala das coisas da terra. Aquele que vem do céu está acima de todos. 32Dá testemunho daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. 33Quem aceita o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. 34De fato, aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, porque Deus lhe dá o espírito sem medida. 35O Pai ama o Filho e entregou tudo em sua mão. 36Aquele que acredita no Filho possui a vida eterna. Aquele, porém, que rejeita o Filho não verá a vida, pois a ira de Deus permanece sobre ele”.
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Estamos na conclusão de Jo 3 que contém a conversa entre Jesus e Nicodemos. Nesta conclusão o evangelista João nos descreve a superioridade de Jesus em relação aos demais seres humanos e a todos os enviados anteriores a Ele. Para descrever isto, Jesus usa os termos relacionados ao espaço: “do alto”, “da terra”. Jesus vem do “alto” (cf. Jo 1,1-18). Um profeta pode ser maior de quaisquer outros profetas, mas ele vem da “terra”, e por isso, não pode ser superior a Jesus.


“Aquele que vem do alto está acima de todos”.


Esta expressão significa ocupar uma posição de poder e de domínio. Jesus obteve essa posição como Senhor sobre todos com sua ressurreição ou glorificação. Jesus é superior a todos os demais seres humanos, porque ele experimentou a intimidade profunda do Pai e é a própria Palavra do Pai (Jo 1,1-5). Jesus é apresentado como Revelador do Pai, por excelência: sua vinda do céu (v.31), a fonte de seu testemunho: Jesus não fala por si mesmo, mas Ele fala as palavras de Deus (o que ele viu e ouviu do céu: v. 32), e o fato de Deus ter entregue tudo em suas mãos (v.35). Por isso, Jesus é distinto e superior a todos os anteriores enviados de Deus.


Toda a vida de Jesus teve como pano de fundo o amor razão pela qual foi enviado (Jo 3,16) e o qual ele colocou como o Mandamento Novo (Jo 13,34). O amor é o eixo condutor da vida. Este amor foi tão tenso na vida e missão de Jesus que o Pai não hesitou em colocar nas mãos do Filho, inclusive o poder de julgar a vida de quem se negar a crer nele. A superioridade divina consiste no amor. Deus é onipotente, mas no amor, pois ele ama até aquele que não é digno de ser amado pelo modo de viver. Se Jesus ocupa essa posição superior a todos os demais seres humanos não devemos ter medo dos demais. Precisamos, sim, acreditar cegamente nele para que possamos também triunfar.


Hoje o evangelho nos convida a deixarmos de ser “mundanos”, a deixarmos de ser homens que somente falam de coisas mundanas, para passarmos a falar como “aquele que vem de cima” que é Jesus. Falaremos como ”aquele vem de cima”, quando vivermos conforme os valores cristãos reconhecidos como valores universais, tais como amor, compaixão, bondade, solidariedade, igualdade, honestidade, justiça e assim por diante. Estar na superioridade é aquele que mantém sua vida de acordo com os valores.


É preciso olharmos para cima, para o céu para poder ordenar nossa vida aqui em baixo, no mundo. É necessário que em todo momento e circunstância nos esforcemos a ter o pensamento de Deus, que tenhamos ambição de ter os mesmos sentimentos de Cristo. Se atuarmos como “aquele que vem de cima” descobriremos facilmente o sentido da vida, das coisas e das pessoas ao nosso redor até o sentido de nosso sofrimento e dor. Se tivermos os sentimentos como os “daquele que vem do alto”, amaremos todos os seres humanos sem exceção e nos preocuparemos em cuidar da nossa própria vida e da vida dos demais, inclusive da vida da natureza criada por Deus. São Paulo nos aconselha: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às de terra” (Cl 3,1-2).


“O que é da terra pertence à terra e fala das coisas da terra”. Ser da terra é ser limitado por um horizonte terreno incapaz de ver além da aparência. No olhar do terreno só tem coisas. É não ter o conhecimento imediato de Deus. Quem ama ao mundo fala somente coisas mundanas. Quem ama a Deus fala as coisas do alto.


Cada cristão deve saber identificar as duas classes de consciências pelas quais o ser humano pode optar: o terreno (inferno, egoísta, prepotência etc.) ou o celestial (amor, partilha, fraternidade, igualdade, etc.). Estes dois pólos de consciência expressam realmente os elementos com os quais cada um se identifica: um, busca seus próprios interesses (ser interesseiro); o outro, busca a criação de uma sociedade igualitária, mais fraterna, mais justa, mais honesta e assim por diante.


O celestial e o terreno influenciam nossa maneira de viver de cada dia. Mas no fim, o celestial triunfará e o terreno fracassará apesar da aparência vitoriosa. Fica apenas na aparência. Quem fica na aparência, vive apenas na superficialidade. Santo Agostino dizia: “Amando a Deus nos tornamos divinos; amando o mundo nos tornamos mundanos (Serm. 121,1)... O amor ao mundo corrompe a alma; o amor ao Criador do mundo a purifica (Serm. 142,3,3).Queres saber que tipo de pessoa és? Põe à prova teu amor. Se amas as coisas terrenas, és terra. Se amas a Deus, não tenhas medo de dizer: és Deus” (Santo Agostinho: In epist. Joan. 2,214).


A verdade está em Deus e por isso, a verdade é eterna e imutável; os meios não são imutáveis nem eternos. A busca da verdade será sempre um exercício de modéstia, pois trata-se de indagar e não de possuir a verdade. O nosso conhecimento nunca é absoluto nem total, mas sempre parcial, pois vemos as coisas apenas do nosso ângulo, mas ainda tem outros ângulos. A verdade é uma só e universal e nunca parcial. Ou é a verdade ou não é verdade.


Deveríamos nos perguntar hoje: em quem cremos; em quem confiamos, quais são as fontes onde buscamos a verdade? Lamentavelmente temos experiência do que é a mentira. Muitas vezes fabricamos fatos inexistentes só para nos aparentar bons. Mentira é aquela distorção do real que gera desconfiança, medo, distancia e confusão. Diante da mentira se situa a Verdade, mencionada na página do evangelho de hoje. A verdade é o próprio Deus (Jo 14,6) e por isso, gera a vida. A verdade é o conhecimento do sentido da vida. A mentira gera a morte. “O que é da terra pertence à terra e fala das coisas da terra”. Mas “Aquele que vem do alto está acima de todos”. Quem é da terra (mundano) pensa a partir do pó, do caduco, do efêmero, a partir dos próprios interesses. Quem é do alto, do céu pensa e fala como filho (filha) de Deus com pensamentos de Deus. A que você pertence: às coisas do alto ou à terra? Mas lembremo-nos aquilo que dizia Santo Agostinho que serve de alerta para nós: “Quando lhe convém, o homem esquece que é cristão” (In ps. 21, 2,5).

P. Vitus Gustama,svd

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