SER DO CÉU OU SER DA TERRA?
Quinta-Feira da II Semana da Páscoa
01 de Maio de 2014
Texto de Leitura: Jo 3,
31-36
31“Aquele que vem do alto
está acima de todos. O que é da terra, pertence à terra e fala das coisas da
terra. Aquele que vem do céu está acima de todos. 32Dá testemunho
daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. 33Quem
aceita o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. 34De fato,
aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, porque Deus lhe dá o espírito
sem medida. 35O Pai ama o Filho e entregou tudo em sua mão. 36Aquele
que acredita no Filho possui a vida eterna. Aquele, porém, que rejeita o Filho
não verá a vida, pois a ira de Deus permanece sobre ele”.
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Estamos na conclusão de Jo 3 que
contém a conversa entre Jesus e Nicodemos. Nesta conclusão o evangelista João
nos descreve a superioridade de Jesus em relação aos demais seres humanos e a
todos os enviados anteriores a Ele. Para descrever isto, Jesus usa os termos
relacionados ao espaço: “do alto”, “da terra”. Jesus vem do “alto” (cf. Jo
1,1-18). Um profeta pode ser maior de quaisquer outros profetas, mas ele vem da
“terra”, e por isso, não pode ser superior a Jesus.
“Aquele que vem do alto está acima
de todos”.
Esta expressão significa ocupar uma
posição de poder e de domínio. Jesus obteve essa posição como Senhor sobre
todos com sua ressurreição ou glorificação. Jesus é superior a todos os demais
seres humanos, porque ele experimentou a intimidade profunda do Pai e é a
própria Palavra do Pai (Jo 1,1-5). Jesus é apresentado como Revelador do Pai,
por excelência: sua vinda do céu (v.31), a fonte de seu testemunho: Jesus não
fala por si mesmo, mas Ele fala as palavras de Deus (o que ele viu e ouviu do
céu: v. 32), e o fato de Deus ter entregue tudo em suas mãos (v.35). Por isso,
Jesus é distinto e superior a todos os anteriores enviados de Deus.
Toda a vida de Jesus teve como pano
de fundo o amor razão pela qual foi enviado (Jo 3,16) e o qual ele colocou como
o Mandamento Novo (Jo 13,34). O amor é o eixo condutor da vida. Este amor foi
tão tenso na vida e missão de Jesus que o Pai não hesitou em colocar nas mãos
do Filho, inclusive o poder de julgar a vida de quem se negar a crer nele. A
superioridade divina consiste no amor. Deus é onipotente, mas no amor, pois ele
ama até aquele que não é digno de ser amado pelo modo de viver. Se Jesus ocupa
essa posição superior a todos os demais seres humanos não devemos ter medo dos
demais. Precisamos, sim, acreditar cegamente nele para que possamos também
triunfar.
Hoje o evangelho nos convida a
deixarmos de ser “mundanos”, a deixarmos de ser homens que somente falam de
coisas mundanas, para passarmos a falar como “aquele que vem de cima” que é
Jesus. Falaremos como ”aquele vem de cima”, quando vivermos conforme os valores
cristãos reconhecidos como valores universais, tais como amor, compaixão,
bondade, solidariedade, igualdade, honestidade, justiça e assim por diante.
Estar na superioridade é aquele que mantém sua vida de acordo com os valores.
É preciso olharmos para cima, para
o céu para poder ordenar nossa vida aqui em baixo, no mundo. É necessário que
em todo momento e circunstância nos esforcemos a ter o pensamento de Deus, que
tenhamos ambição de ter os mesmos sentimentos de Cristo. Se atuarmos como
“aquele que vem de cima” descobriremos facilmente o sentido da vida, das coisas
e das pessoas ao nosso redor até o sentido de nosso sofrimento e dor. Se
tivermos os sentimentos como os “daquele que vem do alto”, amaremos todos os
seres humanos sem exceção e nos preocuparemos em cuidar da nossa própria vida e
da vida dos demais, inclusive da vida da natureza criada por Deus. São Paulo
nos aconselha: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto,
onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima,
e não às de terra” (Cl 3,1-2).
“O que é da terra pertence à terra
e fala das coisas da terra”. Ser da terra é ser limitado por um horizonte
terreno incapaz de ver além da aparência. No olhar do terreno só tem coisas. É
não ter o conhecimento imediato de Deus. Quem ama ao mundo fala somente coisas
mundanas. Quem ama a Deus fala as coisas do alto.
Cada cristão deve saber identificar
as duas classes de consciências pelas quais o ser humano pode optar: o terreno
(inferno, egoísta, prepotência etc.) ou o celestial (amor, partilha,
fraternidade, igualdade, etc.). Estes dois pólos de consciência expressam
realmente os elementos com os quais cada um se identifica: um, busca seus
próprios interesses (ser interesseiro); o outro, busca a criação de uma
sociedade igualitária, mais fraterna, mais justa, mais honesta e assim por
diante.
O celestial e o terreno influenciam
nossa maneira de viver de cada dia. Mas no fim, o celestial triunfará e o
terreno fracassará apesar da aparência vitoriosa. Fica apenas na aparência.
Quem fica na aparência, vive apenas na superficialidade. Santo Agostino dizia: “Amando
a Deus nos tornamos divinos; amando o mundo nos tornamos mundanos (Serm.
121,1)... O amor ao mundo corrompe a alma; o amor ao Criador do mundo a
purifica (Serm. 142,3,3). “Queres saber que tipo de
pessoa és? Põe à prova teu amor. Se amas as coisas terrenas, és terra. Se amas
a Deus, não tenhas medo de dizer: és Deus” (Santo Agostinho: In
epist. Joan. 2,214).
A verdade está em Deus e por isso,
a verdade é eterna e imutável; os meios não são imutáveis nem eternos. A busca
da verdade será sempre um exercício de modéstia, pois trata-se de indagar e não
de possuir a verdade. O nosso conhecimento nunca é absoluto nem total, mas
sempre parcial, pois vemos as coisas apenas do nosso ângulo, mas ainda tem
outros ângulos. A verdade é uma só e universal e nunca parcial. Ou é a verdade
ou não é verdade.
Deveríamos nos perguntar hoje: em
quem cremos; em quem confiamos, quais são as fontes onde buscamos a verdade?
Lamentavelmente temos experiência do que é a mentira. Muitas vezes fabricamos
fatos inexistentes só para nos aparentar bons. Mentira é aquela distorção do
real que gera desconfiança, medo, distancia e confusão. Diante da mentira se
situa a Verdade, mencionada na página do evangelho de hoje. A verdade é o
próprio Deus (Jo 14,6) e por isso, gera a vida. A verdade é o conhecimento do
sentido da vida. A mentira gera a morte. “O que é da terra pertence à terra e
fala das coisas da terra”. Mas “Aquele que vem do alto está acima de todos”. Quem
é da terra (mundano) pensa a partir do pó, do caduco, do efêmero, a partir dos
próprios interesses. Quem é do alto, do céu pensa e fala como filho (filha) de
Deus com pensamentos de Deus.
A que você
pertence: às coisas do alto ou à terra? Mas lembremo-nos aquilo que dizia Santo
Agostinho que serve de alerta para nós: “Quando lhe convém, o homem esquece que
é cristão” (In ps. 21, 2,5).
P. Vitus Gustama,svd
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