quinta-feira, 17 de abril de 2014

 
SÁBADO SANTO
    

Segundo o Missal Romano, a Vigília Pascal é “mãe de todas as noites” e celebra o acontecimento fundamental, o cume da história da salvação que é a Ressurreição do Senhor. A noite pascal, em seu verdadeiro sentido, é a festa nupcial da Igreja. Todas as imagens de núpcias e bodas, cheias de promessas, que nos acompanham ao longo da liturgia anual, alcançam hoje toda a sua plenitude. A solenidade desta noite começou na sepultura. Mas agora sabemos que o sepulcro está vazio; apareceu o anjo para anunciar a ressurreição do Senhor. Por essa razão, a Semana Santa sem a celebração pascal é algo mutilado e quase sem sentido e pode conduzir a um cristianismo equivocado. Seria ficar-se apenas na dor e morte, se Jesus não ressuscitasse e quando Ele não trouxesse a vida e a renovação para a humanidade (cf. 1Cor 15,12-19).
 

A Páscoa é a grande festa cristã, pois Jesus ressuscitou e nos deu a nova vida, a nova esperança de viver com sentido, e para o homem de hoje que está carente da alegria e da esperança encontra a fonte de sua vida em Jesus Ressuscitado. A partir de tudo isto, resta-nos uma coisa a fazer: obedecer ao encargo do anjo para anunciar a ressurreição aos que a buscam, aos que dela duvidam, aos que nela não crêem. Para todos precisamos dizer com São Paulo: “Se, pois, ressuscitastes com Cristo, procurais as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensais nas coisas do alto, e não nas coisas da terra, pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus: quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então, vós também com ele sereis manifestados em glória”(Cl 3,1-4). 


1. Ser aroma para os outros e para o Outro


A noite da Vigília Pascal é a noite central da comunidade cristã. É noite de vela diante do trânsito do mundo velho ao novo, da escravidão à liberdade, do desespero à esperança e da morte à vida, pois Cristo ressuscitou e nos dá esperança para o futuro de Deus que é nosso também.
 

São Lucas nos diz que o novo dia começa com os “aromas” levados pelas mulheres no amanhecer do dia com prontidão e esperança (cf. Lc 24,1). Por isso, o novo dia para nós começa quando sairmos de nós mesmos ao encontro dos outros e do Outro com os aromas do afeto, do encontro gratuito, da busca profunda do sentido da vida que consiste no amor vivido, pois só no amor encontramos o sentido da vida. A busca dos viventes e de Cristo vivo exige companhia compartilhada (comer o mesmo pão = companheiro), caminho empreendido, mãos cheias de caridade e esperança ativa.


2. O Ressuscitado nos abre o futuro escatológico


A liturgia da Vigília Pascal nos oferece também uma visão global do passo e do itinerário da Criação até a Nova Criação. Cristo é o primeiro fruto da Nova Criação, porque Sua vida culmina com a Ressurreição e glorificação pelo Pai. A Vigília Pascal nos apresenta, então, umas perspectivas da História da Salvação desde a criação do mundo até sua plenitude. Com a Encarnação e a Ressurreição de Jesus Cristo o mundo sofre uma revolução, mas, por sua vez, a partir dessa revolução, o mundo é capacitado a participar da plenitude e soberania de Jesus Cristo com uma nova e melhor forma de existência. A Ressurreição de Jesus dá vida ao mundo. O escândalo da cruz resulta em fonte de vida. Com a Ressurreição de Jesus se abre o futuro escatológico, isto é, a plenitude e perfeição de paz, de bem, de amor, de vida, de justiça que serão o Reino de Deus já realizado. Mas através da vivência destes valores neste mundo começamos já a viver o Reino de Deus como início e em crescimento e que chegará um dia ao término definitivo e perfeito. Em outras palavras, a partir da Ressurreição de Jesus a vida humana tem futuro e por isso tem sentido. Se a vida humana tem seu fim (sentido), todos os nossos comportamentos ou o nosso modo de viver têm um peso para este fim. Conseqüentemente, jamais brinquemos com os nossos comportamentos ou com o nosso modo de viver. Podemos ganhar o céu dentro de um minuto (cf. Lc 23,42-43), como podemos perdê-lo dentro de um minuto.

 

3. A partir da Ressurreição somos convocados a ser uma novidade e uma nova presença no mundo
  

Por Jesus Ressuscitado ser o primeiro fruto da Nova Criação pela sua ressurreição, somos chamados a acreditar n’Ele. A fé em Jesus Cristo Ressuscitado nos configura em um povo convocado por Deus para fazer presente no mundo uma novidade de vida, pois somos um povo com um futuro certo. Quando há uma caridade discreta, forte e generosa sem medida, quando há um respeito sagrado por cada pessoa como a imagem de Deus neste mundo, quando há um trabalho perseverante por uma sociedade mais justa onde há umas relações de sinceridade e confiança que geram a paz, quando há uma atenção preferencial para os necessitados, quando há uma esperança certa de vida diante dos sinais de dor e de morte, aí há uma Vida Nova. Aí há Alguém. É a presença do Ressuscitado: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). Não se busca entre os mortos Aquele que está vivo. Assim como Cristo é uma ausência quando adoramos aos ídolos, assim também Cristo é uma presença quando no próximo mais necessitado descobrimos o Senhor. Precisamos estar conscientes sempre de que Cristo crucificado ressuscitou e está vivo e vive entre nós (cf. Mt 28,20; 18,20; 25,39. 45).


Reflitamos as palavras de Madre Teresa de Calcutá: “A Obra é nossa única maneira de exprimir a Deus nosso amor. É preciso que nosso amor se derrame em alguém. E as pessoas nos ensejam exprimir o nosso amor a Deus. Só no céu saberemos que dívida temos para com os pobres, pois por causa deles pudemos prestar a Deus um maior amor. Cristo não nos perguntará quantas coisas houvermos feito, mas quanto amor houvermos posto em nossos atos”.
  

Precisamos nos conformar com a vida de Cristo para que como ele e com ele também nós ressuscitaremos. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando meu coração de pedra se transforma em coração cheio de amor e de compreensão. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando eu sou capaz de perdoar. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando ninguém nem nada podem tirar de mim a alegria por ter encontrado o sentido da vida em Jesus Ressuscitado que abre para mim o futuro de Deus. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando encaro a violência e todo tipo de agressão com a paz e o diálogo. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando sinto grande amor a todos os irmãos independentemente de sua crença e ideologia. Jesus Cristo ressuscitou em mim quando vejo no pobre necessitado o rosto do meu Senhor, como dizia Madre Teresa de Calcutá: “Por não podermos ver a Cristo, não podemos exprimir-lhe o nosso amor; mas o nosso próximo, nós o vemos e podemos fazer por ele aquilo que gostaríamos de fazer por Cristo, se fosse visível”.
  

Por tudo isso, é bom verificarmos nosso modo de viver para saber se realmente Cristo ressuscitou ou não na nossa vida. Jesus Cristo ressuscitou em mim, na minha família, no meu trabalho?


OUTRAS IMPLICAÇÕES DA FÉ NA RESSURREIÇÃO


a). A Páscoa cristã é a festa das festas, e o cristão é aquele que afirma: o Senhor ressuscitou verdadeiramente. O cristianismo nasce e progride desta proclamação fundamental: Jesus Cristo, que foi crucificado, ressuscitou verdadeiramente. Da ressurreição de Cristo deriva todo o resto da mensagem cristã. Sem a vitória de Cristo sobre a morte, toda a pregação seria inútil e a nossa fé seria vazia de conteúdo (cf. 1Cor 15,14-17). A ressurreição do Senhor é uma realidade central da fé cristã. A importância deste milagre é tão grande que os Apóstolos são, antes de mais nada, testemunhas da ressurreição de Jesus(cf. At 1,22;2,32;3,15). O núcleo de toda a pregação é este: Cristo vive e vive no meio de nós(cf. Jo 1,14;Mt 28,20). A páscoa da ressurreição é a grande festa cristã. Este mistério é tão importante e central é que o celebramos ao longo de todos os domingos e festas do ano litúrgico e inclusivamente na Eucaristia diária. Certamente cada eucaristia que se celebra, celebra-se e proclama-se ao mesmo tempo a ressurreição do Senhor e a nossa também. A eucaristia dominical é a páscoa semanal. A eucaristia diária é a páscoa diária.
     

Sem dúvida nenhuma, a Páscoa é, por isso, o próprio conteúdo da fé cristã, é o coração da vida da Igreja porque ela nos revela quem é Deus, quem é Jesus Cristo e quem somos nós. A ressurreição nos mostra que o Deus revelado por Cristo é Aquele que ama e quer a vida. A Páscoa nos revela que Jesus, morto e ressuscitado, é Aquele que converge toda a história da humanidade. E ao mesmo tempo revela que a fidelidade é o caminho certo para chegar à Páscoa eterna com Deus. A Páscoa também nos revela que somos chamados a ressuscitar com Jesus, a superar com ele o drama da morte para podermos permanecer com ele na vida que não tem fim.   
 

b). Pela ressurreição do Senhor sabemos que Deus ama a vida. A Páscoa é a gloriosa manifestação de um Deus que ama a vida, que quer a vida e não a morte, de um Deus que, além disso, faz com que da morte surja a vida.
   

Crer na ressurreição implica, por isso, defender a vida, especialmente a dos mais indefesos; implica respeitar a vida alheia como a própria; implica lutar pelo que é certo e justo, pois estes predicados como outros semelhantes é que garantem a vida sem fim; implica estender a mão para levantar quem se encontra sob o peso dos problemas desta vida. Procurar o Senhor ressuscitado implica comprometer-se com aqueles que vêem o seu direito à vida permanentemente violentado e violado. Acreditar na ressurreição significa afirmar a vida contra a morte.


c). A ressurreição é o grito festivo da fé. Com a ressurreição, o grito de Jesus na Sexta-feira Santa “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”(Mc 15,34), grito que sintetiza todas as situações de aflição da humanidade se transforma, na noite de Sábado Santo, em grito festivo de fé e de esperança: Cristo ressuscitou. É um grito de fé porque anuncia algo que aconteceu em Cristo e permanece para sempre. É o grito de esperança porque a partir de Jesus Cristo ressuscitado a vida humana tem um futuro e que ninguém pode tirá-lo de nós, e que seremos ressuscitados também. A certeza deste grito de alegria e de esperança nos proclama que a bondade soterra a maldade, que a morte já tem o seu contrapeso de vida, que toda crise pode ser suplantada, que com Cristo toda tristeza conhecerá a alegria.
  

Infelizmente temos que confessar que a nossa existência humana é muitas vezes dominada por uma tendência de diminuir as esperanças, reduzindo-as cada dia mais por causa das ilusões, e a nossa tristeza nos leva, com freqüência, a recusarmos palavras de conforto, porque nós não temos idéia exata da libertação que nos foi concedida por Jesus ressuscitado. Precisamos estar conscientes de que a Páscoa é uma recriação, é uma nova criação da humanidade, pois Jesus, pela sua ressurreição, inaugurou um mundo novo no meio de nós.
    

d). A ressurreição de Cristo é uma resposta às esperanças de um destino humano aberto para o futuro novo. Quando este futuro novo for negado, a pessoa se fecha a si mesma, fica insatisfeita e chega às margens do desespero. A ressurreição nos leva a certeza de que a vida jamais acabará e de que o triunfo da vida não é mais ameaçado pela morte. O Ressuscitado está conosco, e continua vivo dentro da história e junto com ele nós estamos em condições de vencer o mal com o bem, de tirar do mal o maior dos bens. Esta é força e a novidade da Páscoa. Quem crê na ressurreição não é permitido viver triste. Somos destinados e chamados a viver plenamente com Deus, alegres na esperança com os irmãos da mesma peregrinação.
    

e). A ressurreição de Jesus provou que a morte não é uma fatalidade, que não é ela quem diz a última palavra sobre o homem. Ela nos mostrou que, se permanecermos em Deus, se formos fiéis ao seu amor até o fim, também nós venceremos a morte e permaneceremos na vida e no amor. A ressurreição de Jesus Cristo nos revelou que o sentido último de nossas vidas é a comunhão com Deus e com os homens que Deus ama. A ressurreição nos revelou que uma vida de entrega e de serviço a Deus e aos homens é uma vida ressuscitada.
    

f). Da ressurreição de Jesus nasce, antes de mais nada, uma esperança. Cristo é nossa esperança (1Tm 1,1). Nessa esperança nós, cristãos, aprendemos a acreditar em Deus e a desentranhar o sentido último do homem. Mas a esperança de que se trata não é virtude de um instante ou reação de um momento. É uma atitude permanente, um estilo de vida. É a forma de enfrentar a própria vida do cristão. Se perder essa esperança, perde tudo. Deixaria de ser cristão sem a esperança. Aquele que vive animado pela esperança cristã põe seu olhar no futuro, isto é, em Deus. Ele não fica apenas com o presente, nem vive preso no passado, mas olha sempre para frente. A esperança sempre gera uma perspectiva de futuro. E esta esperança dá origem a uma nova maneira de se posicionar na vida apesar das dificuldades, como diz São Paulo: “Somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados”(2Cor 4,8-9). A esperança vive da confiança em Deus, como o profeta Isaías diz: “É Deus quem dá forças ao cansado, quem prodigaliza vigor ao enfraquecido. Mesmo os jovens se cansam e se fatigam; até os moços vivem a tropeçar, mas os que põem a sua esperança em Deus renovam as suas forças, abrem asas como as águias, correm e não se fatigam, caminhar e não se cansam”(Is 40,29-31). Que cada um de nós seja um pequeno sinal, uma pequena prova desse Deus da esperança!

P. Vitus Gustama,svd

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