SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS E NOSSA
DEVOÇÃO
SOLENIDADE
Devoção, em seu sentido primário,
significa dar-se a si mesmo a alguém ou a algo. No contexto da verdadeira
religião, devoção significa uma atitude da vontade, serena e constante, fruto
de uma decisão refletida pela qual a pessoa se entrega em todo momento ao
serviço de Deus. É uma oferenda de si mesmo a Deus, dedicando-se,
permanentemente, a todas aquelas atividades referentes à honra de Deus.
Qualquer devoto cumpre seus deveres referentes à sua devoção conscientemente e
constantemente apesar das dificuldades encontradas. A palavra latina “devotio”
(devoção) indica força, vontade decidida de fazer a vontade de Deus
independentemente da situação encontrada. Por isso, devoção está longe de ficar
no nível de sentimento.
O que queremos dizer ao falar do
coração de Jesus ou de um coração humano?
O coração representa o ser humano em
sua totalidade; é o centro original da pessoa humana, o que lhe dá unidade. O
coração é o centro de nosso ser, a fonte de nossa personalidade, o motivo
principal de nossas atitudes e escolhas livres, o lugar da misteriosa ação de
Deus. Apesar de poderem existir o bem e o mal nas suas profundezas, o coração
continua sendo símbolo de amor. Por isso, a essência mais profunda da realidade
pessoal é o amor. O homem foi criado para amar e ser amado. Fora disto ele
perderia a razão de ser e de viver. “Ama e faze o que tu quiseres” (Santo
gostinho).
A devoção ao Coração de Jesus está
totalmente de acordo com a essência do cristianismo que é religião de amor (cf.
Jo 13,34-35), pois o cristianismo tem como objetivo o aumento de nosso amor a
Deus e ao próximo (cf. Fl 1,9). O símbolo deste amor é o coração de Jesus que
ama a todos sem medida. Jesus Cristo é a encarnação do amor de Deus por nós
desde a eternidade: “Eu te amei com amor
eterno, por isso conservei para ti o amor” (Jr 31,3). Em cada página dos
evangelhos fala-se do amor de Jesus por nós. “Tudo o que Deus queria nos dizer
de si mesmo e de seu amor, ele o depositou no coração de Jesus e o expressou
através deste Coração. Através do Coração de Jesus lemos o eterno plano divino
da salvação do mundo. E trata-se de um projeto de amor” (João Paulo II).
A devoção ao Sagrado coração de
Jesus quer nos chamar de volta à primordial razão de nosso ser: amar. “Quanto mais amas, mais alto tu sobes”
(Santo Agostinho). Uma pessoa com coração é uma pessoa profunda, próxima,
compreensiva, capaz de ir ao fundo das coisas e dos acontecimentos. Uma pessoa
com coração não é dominada pelo sentimentalismo e sim é uma pessoa que alcançou
uma unidade e uma coerência, um equilíbrio e uma maturidade. Ela nunca é fria,
mas cordial, nunca é cega diante da realidade, mas realista, nunca é vingativa,
mas pronta para perdoar e para reconciliar-se. Um coração cristão, a exemplo do
de Jesus, é um coração de dimensão universal, um coração que supera o egoísmo,
um coração magnânimo capaz de abraçar a todos. A espiritualidade do coração é
uma verdadeira espiritualidade, pois inclui a oração, a conversão, a escuta do
Espírito, o cuidado para o próximo, a compaixão, a solidariedade e a partilha.
Não é por acaso que para o homem de antiguidade ter coração equivalia a ser uma
personalidade íntegra.
A devoção ao Sagrado Coração é
devoção a Cristo mesmo. O próprio Cristo é o objeto de nossa adoração e para
ele é que dirigimos nossa oração.
Jesus teve um amor perfeito, seu
coração é para nós o perfeito emblema de amor. Seu coração foi saturado de amor
perfeito ao Pai e aos homens. Seu amor é totalmente humano porque nele nos
encontramos com o mistério de um amor humano-divino. O amor de Deus se encarnou
no amor humano de Jesus. Por isso, Jesus nos convida: “Aprendei de mim porque
sou humilde e manso de coração”. Humilde indica uma docilidade interior que se
expressa na docilidade com os demais. Manso indica uma atitude valente, mas não
violenta, misericordiosa, tolerante, pronto para perdão, mas também exigente.
O amor de Deus não é compatível com
a indiferença diante do sofrimento alheio e diante da injustiça social. Mas
nossas atividades, inclusive as práticas políticas e sociais devem ser animadas
pelo amor cristão.
A contemplação do mistério de amor
de Deus por nós deve nos conduzir a uma resposta múltipla. Deve suscitar em nós
sentimentos de fé, amor e adoração. No contexto religioso devoção indica
serviço dedicado e vontade decidida de fazer a vontade de Deus. Sugere culto
não somente do tipo litúrgico, mas de nossa vida inteira. Esta devoção se
realiza aceitando o convite de Jesus a tomar nossa cruz e segui-lo.
A comunhão sacramental não é somente
participar no Corpo e no Sangue de Cristo; implica a participação na vida dos
seus membros com um compromisso de amor e de serviço.
Viver no amor é escolher Deus,
permanecer em Deus, viver em comunhão com Deus. Quando mantemos essa relação
com Deus, o Espírito reside em nós e opera, por nosso intermédio, obras
grandiosas em favor do homem – obras que dão testemunho do amor de Deus.
Tornar o amor de Deus uma realidade
viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio,
injustiça, opressão, mentira, sofrimento e assim por diante. Será que eu pactuo
(com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram
injustiça, ou será que eu me esforço ativamente por destruir tudo o que é uma
negação do amor de Deus? Um coração grande na vida é aquele que escolhe aquilo
que eleva, e liberta-se daquilo que rebaixa a humanidade.
A devoção ao Sagrado coração de
Jesus nos faz um questionamento: que resposta dar ao Cristo que nos amou até
morrer crucificado?
Santo Agostinho dizia: “O que
amamos em Cristo? Seus membros crucificados, seu lado traspassado ou sua
caridade? Quando ouvimos que sofreu por nós, o que amamos nele? É seu amor que
amamos. Ele nos amou para que lhe retribuíssemos amor por amor, e para que
possamos lhe retribuir amor por amor, visitou-nos pelo seu Espírito”
(Sermão sobre Sl 127,8).
Não podemos fazer a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus, se ainda guardamos o ódio no nosso coração, se não
somos capazes de perdoar, se não nos preocupamos com a salvação de todos. Uma
pessoa que tem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem uma missão de levar a
todos o amor de Cristo. Mas precisamos saber que ser uma pessoa amorosa é
bastante diferente de ser o chamado “prestativo”. Os prestativos usam
tão-somente as outras pessoas como oportunidade de praticar atos virtuosos, dos
quais mantém registro cuidadoso. As pessoas que amam aprendem a mudar o foco de
atenção e da preocupação de si para outras pessoas; elas se preocupam
intensamente com as outras pessoas. Nosso cuidado e preocupação pelos outros
devem ser autênticos, do contrário nosso amor nada significa. Não se aprende a
viver sem antes aprender a amar. O amor humano quando é verdadeiro nos ajuda a
saborear o amor divino. E o amor divino em nós nos faz mais compassivos, mais
generosos, mais éticos e mais reconciliados; damos aquilo que recebemos,
ensinamos aquilo que aprendemos. Ninguém pode viver este amor se não se forma
na escola do Coração de Jesus. Somente se olharmos e contemplarmos o Coração de
Cristo é que conseguiremos que o nosso coração se liberte do ódio e da
indiferença. Somente assim saberemos reagir de modo cristão diante da ofensa e
dos sofrimentos alheios e diante da dor humana.
Pedimos ao Sagrado Coração de Jesus
ao qual temos a devoção que nos conceda um coração bom capaz de compadecer-se
para remediar os tormentos que acompanham e angustiam tantas pessoas neste
mundo. O verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade. Todos os demais consolos
servem apenas para distrair um momento, e deixar mais tarde a amargura e o
desespero.
Será que as nossas comunidades, as
nossas pastorais, os nossos grupos são espaços de acolhimento e de
hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos e colegas, mas
também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um
sinal de amor, de ternura e de esperança?
P. Vitus Gustama,svd
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