AMOR: O MAIOR MANDAMENTO PARA TODOS OS CRISTÃOS
XXX
DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”
26 de Outubro de 2014
Texto: Mt 22,34-40
Naquele tempo, 34 os fariseus ouviram dizer que
Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35 e um deles perguntou a Jesus, para
experimentá-lo: 36
“Mestre,
qual é o maior mandamento da Lei?” 37 Jesus respondeu: “‘Amarás o Senhor
teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’
38 Esse é o maior e o
primeiro mandamento. 39 O segundo é semelhante
a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. 40 Toda a Lei e os profetas dependem
desses dois mandamentos”.
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O evangelho deste domingo fala do
maior mandamento para todos os cristãos: o amor. Este texto podemos encontrar
nos evangelhos sinóticos, mas com o contexto diferente (Mc 12,28-34;Lc
10,25-28). Em Mc, este texto é uma conversa amistosa de caráter escolástico
entre um mestre da Lei e Jesus. Por isso, sem nenhuma polêmica. O mestre da Lei
até recebe o elogio de Jesus, pois ele concorda que o maior mandamento é o
amor: “Não estás longe do Reino de Deus” (Mc 12,34). Em Lc (Lc 10,25-28),
o mesmo texto serve de introdução à parábola do bom samaritano (Lc 10,30-37).
Em Lc, não é Jesus quem enuncia o maior mandamento, mas um doutor da lei. Jesus
concorda e manda que o doutor da lei
faça a mesma coisa(amar) para poder viver: “Fazei isto e viverás!” (Lc
10,28). Enquanto que em Mt, este mandamento se encontra dentro de uma polêmica
violenta entre Jesus e os líderes do povo em Jerusalém (veja Mt 22,15-21).
Neste contexto Jesus proclama o mandamento do amor aos que o odeiam, pois eles
estão procurando uma maneira para condená-lo(Mt 22,15.34-35; 5,43-44).
Antecipamos logo a situação da
Igreja de Mateus que tem por trás deste texto. Havia confronto da comunidade de
Mateus com um judaísmo dominado por mestres da lei e os fariseus. Para eles
todos os mandamentos tinham a mesma importância. A atenção destes dirigia-se
não para os conteúdos da lei, e sim sua característica formal de imposição. A
lei por lei era o princípio. Enquanto que para a comunidade de Mateus o duplo
mandamento do amor a Deus e ao próximo era cláusula fundamental da aliança
entre Deus e seu novo povo. A característica fundamental do novo povo de Deus,
isto é, da comunidade cristã mateana é o amor a Deus e ao próximo. Os
mandamentos de amor servem de centro da lei, dando à Bíblia e aos ensinamentos
de Jesus uma ordem e um impulso que distinguem a comunidade mateana de outros
movimentos e comunidades judaicas. A ênfase nos mandamentos de amor,
misericórdia e justiça serve para dar à comunidade mateana sua orientação
interna e também para identificá-la em contraste com outros grupos.
Como já sabemos nos textos
anteriores, Jesus desfez a armadilha dos fariseus em relação ao imposto (Mt
22,15-22) e respondeu à pergunta dos saduceus sobre a ressurreição dos mortos (Mt
22,23-33). Depois desta derrota, os fariseus voltam a reunir-se para colocar
novamente Jesus numa armadilha (cf. Mt 22,15). Este confronto culminará na
paixão de Jesus(Mt 26,4.27,1).Agora interrogam Jesus sobre o maior mandamento:
“Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”(v.36).
Os rabinos do tempo de Jesus,
estudando a Bíblia, tinham chegado a compor uma lista dos mandamentos nela
contidos. Ensinavam que o conjunto dos preceitos era de 613. Desses, 365
(como os dias do ano) eram proibições e 248 (como membros do corpo)
eram ações a serem cumpridas.
Os guias religiosos de Israel
ensinavam que todos esses mandamentos tinham a mesma importância e eram
igualmente obrigatórios; discutia-se, porém, qual fosse o primeiro e o maior de
todos. A opinião mais comum era que o preceito do Sábado valia mais do que
todos os outros juntos. Contou-se que de tanto mandamento até um pagão se
apresentou a um famoso rabino chamado Hillel (que viveu poucos anos antes de
Cristo) e lhe disse, ironicamente: “Se conseguires ensinar-me toda a lei
enquanto permaneço ereto num pé só, converter-me-ei”.
Por isso, um dos fariseus perguntou
a Jesus, para experimentá-lo: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei ?” E na sua resposta, unindo dois textos do AT (Dt
6,5 e Lv 19,18), Jesus disse que o amor
era o maior de todos cuja direção são três: amar Deus, a si mesmo e ao
próximo (Mt 22,37.39). Notemos bem: os fariseus perguntavam sobre leis,
isto é, deveres, obrigações. Jesus chama para um confronto não com numerosas
prescrições, normas, proibições e preceitos, mesmo de origem divina, mas com
uma exigência global do amor. A resposta de Jesus, por isso, fala de amor.
Como todos nós sabemos, amor nunca é sentido como obrigação, mas como impulso
que vem de dentro da pessoa, e a sua expressão exterior jamais é vista como
dever ou obrigação, e sim como satisfação e prazer.
Perguntamos: por que amor é o maior
ou primeiro de todos os mandamentos ?
São João responde: por que “Deus é
amor” (1Jo 4,8.16). Esta frase perpassa, carregada de mistério e de promessa
toda nossa história. Por pouca sensibilidade que se tenha, se compreende que
nela se toca o coração mesmo do cristianismo. Onde existe o amor, está o
cristianismo, embora se trate de ateísmo; onde não existe amor, não existe
cristianismo, embora exista o sacrifício ou a eucaristia. Por isso, Santo
Agostinho dizia: “Se, por conseguinte,
não há tempo para perscrutar todas as páginas sagradas, para deslindar todos os
véus da linguagem, para penetrar todos os segredos das Escrituras, então,
abraça a caridade, da qual tudo depende”. “Deus é amor” é a frase nuclear e irradiante.
Ela sozinha já seria capaz de manter a esperança no mundo, pois pressentimos
que nela está a chave de tudo.
Se Deus é amor e se Deus é a origem,
se o amor é o maior mandamento, intuímos que o amor seja, portanto, a essência
da realidade, a última palavra da compreensão, o critério definitivo do juízo.
Compreendê-lo e vivê-lo será justamente alcançar o mistério do universo,
encontrar a chave do sentido da vida, chegar à fonte da vida que é Deus. Santo Agostinho dizia: “Qual o valor desta virtude(amor/caridade)? É a alma das Sagradas
Letras, a força da profecia, a vida dos sacramentos, o fundamento da ciência, o
fruto da fé, a riqueza do pobre, a vida dos moribundos”. Unicamente na
direção do amor é que poderemos caminhar em direção ao centro da vida: o resto equivale
a se perder. Se um dia formos condenados, não por termos amado demais e sim por
termos amado de menos. o amor é o critério do julgamento final.
Amor! Eis a mensagem central do
cristianismo. Ser o mandamento primeiro
significa que é ele que dá sentido a todo o resto. Por isso, basta eliminar o
amor da vida e o mundo virará um cemitério. E quando acaba o amor, formamos uma
imagem estática do outro e ficamos no passado do outro apesar do outro ter-se
mudado. E sem o amor, julgamos e nos atemos a preconceitos mútuos. Isto é a
morte. O amor nos liberta de tais imagens e mantém o futuro aberto aos outros.
Nutrimos esperança pelo outro, por isso esperamos do outro. Isto é a vida. O amor é a origem da realidade, motivo da
salvação, meio da comunhão, fonte da atividade e critério da vida. Basta cada
um de nós deixar-se levar pelo amor, a vida ou o cristianismo se apresentará
com outro aspecto, com outro estilo e viver com outro calor, com muita
espontaneidade e alegria. Por isso, no mundo
humano, como também no mundo animal, o crescimento não é possível sem
amor, como dizia Teilhard de Chardin: “ O
amor é a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias
cósmicas. Socialmente, fingimos ignorá-lo na ciência, nos negócios e nas
assembléias, ao passo que sub-repticiamente ele está em toda parte” . O
amor faz crescer. O amor tranqüiliza. O amor dá segurança. Por isso, aquele que
não é amado, fecha-se em si mesmo como uma prisão sem portas, sem outra saída e
se torna uma pessoa egoísta. Sabemos que o egoísmo devora o que o outro tem. O
amor, ao contrário, oferece ao outro o que lhe falta. Quando amamos e nos sentimos amados,
recordamos que jamais estamos sozinhos em nossas lutas e conseguiremos
sobreviver até às circunstâncias mais atribuladas. Quanto mais o amor tiver
recebido sadiamente, tanto mais poderá alguém dá-lo. O amor que ele dá faz o
eco ao amor recebido.
Amor é a auto-comunicação do bem.
Ele é a capacidade, inerente ao bem, de sair de si mesmo, de transferir para
outro ser, de participar do outro ser e de entregar-se por um outro ser. Aquele
que ama está totalmente no outro, conservando plenamente sua identidade. O amor
não pode realizar-se na esfera de um sujeito isolado.
Por ser muito essencial na vida dos
homens, Jesus pede para amar a Deus em primeiro lugar com coração, mente e
alma. Isto quer dizer: amar com toda interioridade do homem e com o aspecto
racional dessa interioridade e com alma que é a força vital. Com tudo isto, o
homem deve orientar-se para Deus, pois o amor não é mero sentimento, mas
direção de vida. Se Jesus nos pede isto, é porque precisamente no amor o homem
encontra a verdadeira realização de si mesmo e faz uma autêntica experiência de
Deus.
Mas não basta só amar a Deus, pois o
homem cairia na mais ilusória das ilusões; faria experiência de um deus sem
vulto e sem coração; estaria adorando um ídolo feito por mãos humanas.
Justamente para impedir essa
distorção é que Jesus diz no Evangelho que o maior mandamento não é só o de
amar a Deus, mas também o próximo como a ti mesmo. Jesus quer que nos elevemos
até Deus, mas sem deixar esta terra; propõe-nos um amor sem limites a Deus,
porém apresenta-nos o homem como passagem obrigatória e normal desse amor.
“O segundo é semelhante a esse:
‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’”, diz Jesus (Mt 22,39). O homem
tem que saber amar-se a si mesmo, pois
não se pode compartir ou partilhar aquilo que não se tem. Santo Agostinho
dizia: “Se não sabes amar-te a ti mesmo,
tampouco saberás amar aos demais de verdade”. O amor ao semelhante emana,
se nutre do manancial que procede do amor que sente um por si mesmo. Amarmo-nos
a nós mesmos é ver-nos como pessoas. É aprender os valores que constituem nosso
ser. É iluminar os dons e talentos para nos elevar ao topo mais alto de nossa
existência.
Se a base da caridade é o amor a si
mesmo, devemos aceitar também que a base do amor a si mesmo é a caridade. O
amor nunca é imanente, mas sempre flui e se expande fora de si, transcende. O amor que transcende até o bem
do próximo é caridade. Esta qualidade de transcender é essencial no e do amor.
Se não transcender, se não fluir de si, o amor não será amor. O bem ao próximo é o modo em que
transcende o amor a si mesmo. A caridade constitui-se em fundamento e sentido
do amor a si mesmo. Amor a si mesmo e amor ao próximo se retroalimentam.
Na vida real, há quem ame pouco o
próximo (o homem) por receio de ofender a Deus. E há quem ame pouco a Deus por
receio de excluir o próximo (o homem), como se fosse impossível ser, ao mesmo
tempo, amigos de Deus e dos homens. Mas quem deseja realmente fazer experiência
de Deus, busca- O com todo o coração, entendimento e alma e deixar-se busca por
Ele, acaba por encontrá-lo em todo lugar: nas coisas e nos acontecimentos, nas
pessoas e na história. O amor a Deus e ao homem (próximo) se tornam só porque
animados por um único e profundo amor.
Jesus coloca o amor a Deus e o amor
ao próximo como a si mesmo em relação com toda a revelação bíblica da vontade
de Deus. Por isso, ele conclui: “ Toda a Lei e os profetas dependem desses dois
mandamentos” (v.40). No amor gira toda a revelação bíblica. E Jesus é o
revelador definitivo e perfeito da vontade de Deus (Mt 5,17). A vontade de Deus
gira em torno do amor total a Deus e do amor ao próximo cuja medida é o amor a
se mesmo.
Kahlil Gibran escreveu: “Quando
um de vós ama, que não diga: ‘Deus está no meu coração’, mas que diga antes:
‘eu estou no coração de Deus’”. Porque, diz São João: “Nós amamos, porque
Deus nos amou primeiro”(1Jo 4,19).
Portanto, que cada um se pergunte:
“Será que posso afirmar que amo a Deus e ao próximo como eu me amo ? De que
maneira eu sei me amar? Será que o amor governa minha vida e minha atitude com
o próximo? Quem ainda não amei suficientemente? A quem não quero amar, de jeito
nenhum? “Amarás
o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu
entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a
esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Toda a Lei e os profetas dependem
desses dois mandamentos”. É a resposta de Jesus para cada um de nós. por amor a cada
um de nós Jesus aceitou ser crucificado e morto.
P. Vitus Gustama,svd
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