O
SER HUMANO É MAIS SAGRADO DO QUE QUALQUER LEI SAGRADA
Sexta-Feira
da XXX Semana Comum
31 de Outubro de 2014
Evangelho: Lc
14,1-6
1 Aconteceu que, num dia
de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles o
observavam. 2 Diante de Jesus, havia um hidrópico. 3 Tomando a palavra, Jesus
falou aos mestres da Lei e aos fariseus: “A Lei permite curar em dia de sábado,
ou não?” 4 Mas eles ficaram em silêncio. Então Jesus tomou o homem pela mão,
curou-o e despediu-o. 5 Depois lhes disse: “Se algum de vós tem um filho ou um
boi que caiu num poço, não o tira logo, mesmo em dia de sábado?” 6 E eles não
foram capazes de responder a isso.
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Continuamos escutando as últimas e
importantes lições de Jesus na sua última viagem para Jerusalém (Lc 9,58-19,28),
pois lá ele será crucificado, morto e glorificado.
Na passagem do evangelho de hoje,
Jesus quer nos relembrar que o ser humano é mais sagrado e importante do que
qualquer lei por sagrada que ela pareça ser, pois em cada ser humano há o
hálito divino (Gn 2,7) que o torna o templo do Espírito Santo (1Cor 3,16-17;
6,19).
“Aconteceu que, num dia de
sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus...”,
assim o evangelista Lucas nos relatou.
Era sábado (shabbat). O
Sábado era o dia em que o povo eleito comemorava os grandes benefícios de Deus:
a criação (Ex 20,8-11) e a libertação da escravidão do Egito (Dt 5,12-15). Era
o dia o qual o Senhor abençoava acima de outros dias da semana (Jubileus
2,31s). Era o dia de reconhecimento de que Deus santificava o povo (cf. Ex
31,13; cf. Hb 4,9). No Sábado os judeus costumavam comer festivamente.
E nesse dia (Sábado) os judeus
costumavam convidar as pessoas para a refeição festiva, mas não era qualquer
convidado. O convidado de honra para a refeição festiva, além de escribas e
fariseus, segundo o evangelho de hoje, era Jesus, pois ele era tratado como
mestre. Jesus tinha fama na região toda (Lc 7,17). O povo considerava Jesus
como o grande profeta (Lc 7,16; 24,19). Durante este tipo de refeição, costumavam
aparecer algumas pessoas sem ser convidadas para ver o convidado de honra (cf.
Lc 7,37). Podemos entender porque um hidrópico se encontrou nessa refeição.
“Diante
de Jesus, havia um hidrópico”, prossegue Lucas.
Para os fariseus e escribas qualquer doença era fruto do pecado cometido e
consequentemente, era castigado por Deus. E a causa da hidropisia, segundo
eles, era a luxúria. Em vez de se concentrar na refeição, os fariseus e
escribas ficam olhando para Jesus e o hidrópico para observar o que Jesus vai
fazer com o hidrópico, pois curar um doente faz parte dos 39 trabalhos
proibidos no Sábado.
Qual é a posição de Jesus diante de
um necessitado como esse hidrópico? Ele quer ajudar e curar o hidrópico mesmo
sendo proibido, pois no Sábado. Mas antes de curá-lo Jesus lança uma pergunta
bem fundamental com o intuito de que os fariseus e escribas possam refletir
sobre a pergunta: “A Lei permite curar em dia de sábado, ou não?... Se
algum de vós tem um filho ou um boi que caiu num poço, não o tira logo, mesmo
em dia de sábado?”. Trata-se de uma nova maneira de conceber o “descanso”
do Sábado, ou do domingo, no nosso caso, como cristãos. Com essa afirmação
Jesus quer dizer aos fariseus e escribas e a todos nós que o Sábado ou o
Domingo (para nós) é o dia da benevolência divina, o dia da redenção, da
libertação, da misericórdia de Deus para os pobres, os excluídos, os perdidos,
os pecadores, da ressurreição (para nós cristãos) e assim por diante. É o dia,
por excelência, para fazer o bem, curar, salvar, ajudar, se solidarizar. É um
dia de abertura aos demais: vida de família e de comunidade. É um dia de “saber
descansar juntos”, cultivando valores humanos importantes. É um dia de caridade
para partilhar o que somos e temos. Ao contrário, os fariseus e os escribas se
preocupam com o descanso no Sábado e esquecem a vontade salvífica e amorosa de
Deus pelo homem.
O homem hidrópico foi libertado por
Jesus de sua hidropisia. A cura é sinal bastante evidente de que Deus está com
Jesus e que Jesus age em virtude e no poder de Deus (At 10,38). Se curar um
doente fosse proibido por Deus no Sábado, o homem não ficaria libertado de sua
hidropisia.
Deus “pensa” na salvação do homem
eternamente. Cada um de nós, seres humanos, está no pensamento de Deus, desde o
princípio, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn1,26;
3,22b). Para Deus ninguém é anônimo,
pois Ele chama cada um de nós pelo nome (cf. Is 43,1). O nome de cada um de nós
está tatuado nas palmas das mãos de Deus (cf. Is 49,16). E o nome significa
pessoa. Em cada nome está a missão de cada um. Em função da importância do
homem, Deus até enviou seu Filho unigênito para salvar a humanidade (cf. Jo
3,16). E por causa do amor sem limite de Deus pelo ser humano, o salmista
chegou a fazer uma pergunta retórica em forma de oração: “Ó Senhor, nosso
Deus, como é glorioso vosso nome em toda a terra! Vossa majestade se estende,
triunfante, por cima de todos os céus... Quando contemplo o
firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o
homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que
vos ocupeis com eles?” (Sl 8,2.4-5).
Jesus põe o ser humano acima de
qualquer lei por sagrada que ela pareça ser. Que lugar ocupa o ser humano nas
nossas atividades pastorais, nos movimentos, na política, na economia e assim
por diante? De que maneira tratamos o ser humano que para Deus ele está acima
de tudo? As regras são importantes desde que ajudem o ser humano a se
desenvolver para viver na sua dignidade. Será que somos escravos das regras e
das normas litúrgicas esquecendo o ser humano? Será que ao colocar as normas
acima do ser humano, sem querer, manifestamos nosso pouco amor pelas pessoas?
Será que sabemos acolher as pessoas ou nos preocupamos com nossas “atividades
pastorais?”.
Na sua Carta Apostólica, Dies Domini,
o Papa João Paulo II escreveu: “O domingo, de fato, recorda, no ritmo
semanal do tempo, o dia da ressurreição de Cristo. É a Páscoa da semana, na
qual se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o cumprimento
n'Ele da primeira criação e o início da « nova criação » (cf. 2 Cor 5,17). É o
dia da evocação adorante e grata do primeiro dia do mundo e, ao mesmo tempo, da
prefiguração, vivida na esperança, do « último dia », quando Cristo vier na
glória (cf. Act 1,11; 1 Tes 4,13-17) e renovar todas as coisas (cf. Ap 21,5).[Dies
Domini,no.1]... “Há-de-se implorar a graça da
descoberta sempre mais profunda deste dia, não só para viver em plenitude as
exigências próprias da fé, mas também para dar resposta concreta aos anseios
íntimos e verdadeiros existentes em todo ser humano. O tempo dado a Cristo,
nunca é tempo perdido, mas tempo conquistado para a profunda humanização das
nossas relações e da nossa vida” (no.7)... “Recebendo
o Pão da vida, os discípulos de Cristo preparam-se para enfrentar, com a força
do Ressuscitado e do seu Espírito, as obrigações que os esperam na sua vida
ordinária. Com efeito, para o fiel que compreendeu o sentido daquilo que
realizou, a Celebração Eucarística não pode exaurir-se no interior do templo.
Como as primeiras testemunhas da ressurreição, também os cristãos, convocados
cada domingo para viver e confessar a presença do Ressuscitado, são chamados,
na sua vida quotidiana, a tornarem-se evangelizadores e testemunhas. A oração
depois-da-comunhão e o rito de conclusão — a bênção e a despedida — hão-de ser,
sob este aspecto, melhor entendidos e valorizados, para que todos os
participantes na Eucaristia sintam mais profundamente a responsabilidade que
daí lhes advém. Terminada a assembleia, o discípulo de Cristo volta ao seu
ambiente quotidiano, com o compromisso de fazer, de toda a sua vida, um dom, um
sacrifício espiritual agradável a Deus (cf. Rom 12,1). Ele sente-se devedor
para com os irmãos daquilo que recebeu na celebração, tal como sucedeu com os
discípulos de Emaús que, depois de terem reconhecido Cristo ressuscitado na «
fracção do pão » (cf. Lc 24,30-32), sentiram a exigência de ir imediatamente
partilhar com seus irmãos a alegria de terem encontrado o Senhor (cf. Lc
24,33-35)” (n. 45).
A partir de tudo que foi dito vem a
pergunta: De que maneira nós vivemos o nosso Domingo, que é o Dia do Senhor e
também é o dia da Igreja? Nós simplesmente cumprimos preceito ao ir à igreja
aos domingos ou será que temos consciência de vamos escutar as lições do Senhor
através de Sua Palavra proclamada e medita durante a celebração dominical?
Para
Rezar e Refletir:
“Quando contemplo o firmamento, obra
de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o homem, digo-me
então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com
eles? Ó Senhor, nosso Deus, como é
glorioso vosso nome em toda a terra!” (Sl 8).
“Que é o homem, de quem
cuidas? Um ponto de poeira num cosmos de luz. Mas, no ponto que sou eu, há
outra criação ainda mais maravilhosa do
que o firmamento e as estrelas. O prodígio do meu corpo, o segredo das minhas células,
o relâmpago que há nos meus nervos, o palácio do meu coração... E a animação da
minha alma, a centelha do meu entendimento, o frêmito do meu sentimento, o
pilar da minha fé. O milagre que está dentro de mim, bem como a Sua assinatura
a ele aposta. Sorrio em reconhecimento quando vejo que fizeste de mim o rei da
tua criação, inferior tão-somente, a Ti mesmo. Conheço a minha pequenez e a
minha grandeza, a minha dignidade e a minha insignificância... Grande é o Teu
nome, ó Senhor, por toda a terra... Quando encontro uma dificuldade na vida e
penso em Ti, não é para pedir-Te que a remova, mas para que me dês forças para
enfrentá-la; não é para impor-Te a minha solução, mas para que eu tome a Tua
como minha. Eis por que És a minha fortaleza: porque És o meu ser” (Carlos G. Vallés:
Busco Tua Face, Senhor. Ed. Loyola).
P. Vitus Gustama,svd
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