TODOS OS SANTOS
SOLENIDADE
Evangelho: Mt 5,1-12
Naquele tempo, 1 vendo Jesus as
multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2 e Jesus
começou a ensiná-los:
3
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
4 Bem-aventurados os aflitos, porque
serão consolados.
5 Bem-aventurados os mansos, porque
possuirão a terra.
6 Bem-aventurados os que têm fome e
sede de justiça, porque serão saciados.
7 Bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
8 Bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus.
9 Bem-aventurados os que promovem a
paz, porque serão chamados filhos de Deus.
10 Bem-aventurados os que são
perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!
11 Bem-aventurados sois vós, quando
vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra
vós, por causa de mim.
12 Alegrai-vos e exultai, porque
será grande a vossa recompensa nos céus”.
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Neste dia celebramos a festa de
todos os santos. O culto aos santos é a conseqüência de nosso Credo, conhecido
como Símbolo Apostólico, onde professamos: “Creio... na comunhão dos
santos...”. Esta pequena frase nos indica e afirma que a nossa relação com os
santos é contínua porque acreditamos na não–interrupção da comunhão
eclesiástica pela morte e ao mesmo tempo acreditamos no fortalecimento da mútua
comunicação dos bens espirituais (LG no 49; compare com Rm 8,38-39). A Igreja
dos peregrinos (todos nós mortais na história) sempre teve e continua tendo
perfeito conhecimento dessa comunhão reinante em todo Corpo Místico de Jesus
Cristo que é a Igreja (LG 50). A Igreja venera os santos como exemplos, pois
eles são reflexos da santidade de Deus. Eles contemplam tanto o Deus santo a ponto
de transformá-los em verdadeiros reflexos do Deus santo. Os santos nos ensinam
a trilharmos o caminho da santidade que termina na comunhão com Deus. O Culto
aos santos une-nos a Igreja celestial, pois acreditamos na vida sem fim, na
vida eterna.
Os santos no Céu não se tornam uns
egoístas que gozam a merecida felicidade. Como irmãos que nos precederam, eles
ainda se lembram de nós, seus irmãos, como Cristo sempre se lembra de nós. Os
santos no Céu e os cristãos na terra são uma família única. Assim como uma
família, um irmão ajuda o outro irmão. Por isso é que pedimos a ajuda dos
santos. Se acreditamos na vida sem fim, então não há separação entre nós e os
santos. Como irmãos nossos que nos precederam para a eternidade, sem dúvida
nenhuma, eles continuam nos ajudando como eles nos ajudavam quando estavam
conosco neste mundo.
Entendemos aqui por “santos” todos
os que já estão no céu e vêem o próprio Deus face a face porque viveram a vida
de acordo com os ensinamentos de Cristo que se resumem no amor a Deus e ao próximo.
São aqueles que estão na paz e na felicidade suprema (GS 93); aqueles que estão
na comunhão perpétua da incorruptível vida divina (GS 18). Esta vida perfeita
chama-se “o Céu”. O Céu é, certamente, o fim último e a realização das
aspirações mais profundas do homem, o estado supremo e definitivo de
felicidade. O céu é o estado em que todos alcançam a maturidade no amor, pois “Deus
é amor” (1Jo 4,8.16). O Céu é o desejo de todos nós que estamos peregrinando
ainda nesta terra. Participar da vida divina, a vida em sua plenitude, a vida
cheia de amor é o que queremos todos os dias, tanto para nós e nossos
familiares como para aqueles que nos precederam. Sobre o Céu, conforme as
palavras de São Paulo, citando Is 64,4, podemos dizer de outra maneira: “O
que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não
percebeu, isso Deus preparou para aqueles que O amam” (1Cor 2,9). O céu é
onde os cristãos e as pessoas de boa vontade se encontram com Cristo (cf. Jo
14,3; Mt 25,31-45). O céu é para as pessoas que vivem as atitudes básicas assinaladas
pelas bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-12). A única coisa que interessa a Deus é o
nosso bem e o bem que praticamos em favos de nossos irmãos.
Como filhos de Deus, também estamos
conscientes de que Deus é o Único Santo e fonte de toda santidade. Por isso,
conseqüentemente, Ele é o Único que faz santos os participantes em sua vida por
fruírem de sua santidade, por cumprirem seus desígnios, por entrarem na esfera
vital de seu reinado, por viverem os ensinamentos de Jesus Cristo na vida
diária. A santidade é uma forma normal de viver conforme os ensinamentos de
Cristo. Quando o homem já participa em plenitude da vida de Deus no Reino dos
céus, então é santo por sua comunhão de vida com Deus, o Único Santo (cf. 1Jo
3,2).
Sabemos também que somente Deus pode
receber o verdadeiro culto de adoração.
Dá-se, porém, o culto de veneração aos servidores de Deus que já estão
unidos a Ele plenamente na glória e pela comunhão que mantém conosco, nos
atraem para Deus e nos ajudam a percorrermos o caminho que trilharam e que nos
conduzem à meta na qual nos precederam. Eles são prova evidente do amor de Deus
e neles Deus nos fala. Eles são reflexos da santidade de Deus. Quando veneramos
os santos é porque descobrimos neles mais vivamente a presença e o rosto de
Deus; neles se manifesta a imagem de Deus, o Único Santo.
Por isso, o culto aos santos não
rebaixa nem diminui a adoração a Deus, pelo contrário, enriquece-a intensamente
porque nos aproxima mais da única santidade de Deus que devemos imitar
pessoalmente como o fizeram homens como nós enquanto percorriam o mesmo caminho
que estamos percorrendo.
Do ponto de vista cristológico nós sabemos
também que Cristo é o Santo de Deus (Mc 1,24). Ele é a imagem do Deus invisível
(Cl 1,15). A santidade do homem consiste em sua perfeita união com Jesus (LG
50). A santidade cristã é uma forma normal de viver segundo os ensinamentos de
Cristo. Os santos são santos porque imitaram e viveram os ensinamentos de
Jesus, Senhor de todos os santos. Eles produziram em si mesmos, de forma
significativa, o mistério pascal de Jesus. Eles contemplam Cristo profundamente
e por isso, se tornam reflexos de Cristo para os outros. Por isso, a união com
os santos e seu culto unem-nos a Jesus, de quem dimana toda a graça
santificadora; eles são seus amigos e co-herdeiros. Enfatiza-se muito, por
isso, esse valor cristológico do culto aos santos na celebração eucarística.
É evidente que os santos, cuja festa
celebramos neste dia, não são somente aqueles que estão na lista oficial da
Igreja. O livro de Apocalipse (Ap 7,2-14) fala de um desfile de 144 mil servos
de Deus no céu. 144 é um número simbólico (12 x 12) significa a unidade e
totalidade do povo eleito. Entende-se, por isso, uma grande multidão de pessoas
de todos os povos e religiões, culturas, de antes e depois de Cristo. Por isso,
nunca podemos esquecer que há exemplos de santidade e heroísmo cristão em
outras Igrejas, religiões, povos e culturas. Reconhecer essa presença é uma
ajuda para superar os nossos seculares preconceitos e para acolher com alegria
esses parceiros na construção do Reino de Deus ou do mundo mais fraterno.
Quando nós veneramos os santos,
portanto, não somos idólatras. Se nós admirarmos e louvarmos um quadro de
valor, por acaso o pintor deste quadro se sentirá ofendido? Ao contrário, ele
não ficará feliz? Os santos são as obras artísticas de Deus, Aquele que
esculpiu e pintou o seu semblante na alma deles. Se admirarmos ou louvarmos os
filhos, por acaso o pai se ofenderá? O pai não ficará feliz pela admiração dada
aos seus filhos por outras pessoas? Os santos são os filhos prediletos do
Senhor, aqueles que mais se lhe assemelham.
Mas devemos reconhecer que há
pessoas que amam o santo ou a santa, mas não a sua santidade. São muitos
cristãos que recorrem aos santos somente para os interesses materiais ou só
para alcançar determinada graça e não para pedir a graça de seguir o exemplo
desses santos que viveram até o fim os ensinamentos de Jesus Cristo. Não
podemos abusar dos santos só para atender nossos desejos materiais,
esquecendo-nos de que precisamos seguir seus exemplos de santidade. Devemos saber que não há devoção mais eficaz
do que a imitação das virtudes dos santos. Para que, seguindo o exemplo dos
santos que viveram segundo os ensinamentos de Cristo durante sua vida terrena,
possamos também alcançar a santidade para a qual todos nós somos chamados.
A vocação à santidade é universal.
Todos são chamados à santidade, segundo diz S. Paulo: “Pois esta é a vontade
de Deus, a vossa santificação” (cf. 1Ts 4,3;Ef 1,4). E o fundamento de
nossa santidade ou da nossa perfeição é Jesus Cristo, cumpridor fiel da vontade
de Deus. Como dizia Santa Teresa do Menino Jesus: “...Quem aspira à santidade deve fugir à tentação de querer
santificar-se ao seu modo, conforme a própria vontade, seu ponto de vista, seus
planos humanos, mas entregar-se inteiramente à vontade de Deus. Deus traça o
caminho e o homem deve segui-lo” (Fd.5-10). E na mesma perspectiva São João
da Cruz ensinou: “A santidade, ou seja,
a união autêntica com Deus consiste na total transformação de nossa vontade na
vontade de Deus, de tal modo que, em nós, nada contrarie a vontade do
Altíssimo, mas nossos atos dependem totalmente do beneplácito divino” (Subida
I-II,2).
Portanto, o culto verdadeiro de
veneração que prestamos aos santos não deve terminar neles. Ao contrário, deve
acabar em Cristo como fonte da missão, grandeza, dignidade e privilégios destes
santos. Os santos nos ajudam a termos fé firme em Jesus Cristo, mesmo que nos
encontremos numa situação sufocante.
Os santos são um grande exemplo de
santidade e de cumprimento da vontade de Deus para nós. Não pensemos que não
podemos resistir às tentações. Também os santos tiveram carne e sangue como
nós; experimentaram as tentações como as nossas tentações, contudo eles
venceram. Basta ler a história da vida dos santos, como Santo Agostinho, São
Francisco de Assis, São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila e muitos outros
santos, saberemos as lutas sem tréguas deles contra as paixões desordenadas,
contra as tentações e outros problemas, no entanto venceram. Apesar de tantas
dificuldades, os santos viveram os ensinamentos de Cristo até o fim de sua
vida. Se eles venceram, será que nós não podemos vencer também?
Ser santo é viver com a pureza de
coração sem segundas intenções, oferecendo sinceridade e confiança. Ser santo é
ter confiança, esperança, alegria, porque Jesus está conosco. Ser santo é
solidarizar-se com aqueles que sofrem para aliviar sua dor. Santo na
perspectiva de Jesus é quem decide construir um mundo novo onde os homens se
amam, se querem e se ajudam, onde não se recusam uns aos outros por sua cor,
dinheiro, poder e assim por diante. Por isso, a santidade não é um modo excepcional
de viver e sim a forma normal de ser cristãos.
Por esta razão, a festa de Todos os
Santos deve ser para nós a ocasião para perceber melhor a natureza profunda da
santidade que recebemos no Batismo e que devemos fazer frutificar ao longo de
nossa vida para que um dia possamos, pela misericórdia de Deus, estar na
comunhão dos santos eternamente.
Alcançar a santidade é descobrir o
espírito da bem-aventurança e da paz que deve animar toda a existência. É
buscar o bom sempre o bom, o certo, o justo, o verdadeiro, o honesto. É
defender a bênção no meio das maldições. A santidade é a totalidade do espírito
das bem-aventuranças que se lêem no evangelho deste dia. A totalidade é pobreza
do espírito para que a graça de Deus possa ocupar o coração. A totalidade é
mansidão, justiça, pureza, paz e misericórdia. É abertura e doação que tem como
símbolo a confiança de uma criança.
Santidade é plural no sentido de que
cada um deve seguir a Cristo a partir de sua própria circunstância e dos talentos,
a partir de sua nação e língua, nos dias felizes e quando a tribulação arranca
lágrimas do coração, no silêncio de um convento ou na vertigem da cidade. “Esta
é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3a).
Pedimos a ajuda dos santos que
viveram os ensinamentos de Cristo até o fim, para que possamos também viver
segundo os ensinamentos de Cristo até o fim de nossa vida terrestre para que um
dia, pela misericórdia de Deus, mereçamos ser chamados de santos para estar na
comunhão de todos os santos de Deus.
P. Vitus Gustama,svd
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