sexta-feira, 31 de outubro de 2014

 
DIA DE FINADOS

02 de Novembro


A vida é um mosaico de tempos diversos. Cada momento é assinalado por algo que se deixa ou por algo que se descobre. Cada momento comporta a separação daquilo que se era, para se aventurar em direção do que se pode vir a ser. Nesta dinâmica universal e constitutiva da vida, relação e separação, encontro e despedida, nascimento e morte, não se excluem, mas se atraem. A relação atrai a separação. O encontro atrai a despedida. O nascimento atrai a morte. Aquele que é capaz de acolher, saberá também se separar, assim como a separação é pré-requisito de qualquer encontro. Talvez na linguagem bíblica possamos dizer: “Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa de baixo do céu: tempo para nascer, e tempo para morrer... Tempo para chorar, e tempo para rir... Tempo para dar abraços, e tempo para afastar dos abraços” (Ecl 3,1-2.4.5b). Cedo ou tarde chegará o momento de dizer “adeus”: o amor ganha, então, as feições da dor. E repentinamente o passado reaparece com suas recordações, o presente se impregna de solidão e o futuro se desdenha repleto de incertezas para quem não se prepara e não sabe lidar com tudo isso. Um poeta espanhol escreveu: “Partimos, quando nascemos, caminhamos enquanto vivemos, e chegamos no momento em que morremos”.


Dia de Finados é o dia especial em que todos nós somos chamados a voltar para a raiz familiar. É o dia em que todos nós voltamos a sentir, de uma maneira especial, a presença de todos os membros de nossa família que já partiram. Por algum instante visitamos, na memória, o passado no qual convivíamos e que no presente estão ausentes fisicamente. É um dia de saudade dos que conviveram conosco, mas partiram antes de nós. É o dia de saudade porque quando a morte atinge nossos entes queridos, uma parte de nós se vai com eles. Nós nos unimos à sua entrega total e sabemos que também nós estamos partindo (morrendo). Algo de nós se vai para sempre quando uma pessoa amada morre.


O Dia de finados quer nos relembrar que a vida é sempre uma partida. Há uma partida para os olhos que se fecham, para os ouvidos que se cansam e para o corpo que envelhece.  A condição humana é ser passageiro, ser transitório, ser limitado. Estamos sempre na saudação dos que chegam, no nascimento, e da despedida dos que partem sem volta para este mundo fisicamente, na morte. Em tudo há um adeus. E ninguém tem poder de parar o tempo. Todo nascimento é uma referência existencial à morte que é seu termo. Em outras palavras, a chegada será sempre uma partida. Um encontro será sempre uma despedida. Em cada nascimento esconde-se a morte.


Para nós que acreditamos no Deus da Vida a morte é o caminho que termina em Deus, de onde, um dia, saímos. Isto significa que nós pertencemos ao Senhor: “Se vivemos, é para o Senhor, que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). A vida que nos foi dada não pertence ao homem, mas a Deus.  Essa pertença a Deus é o que torna a vida algo sagrado. E para todos os homens, a vida temporal é dada como semente de vida eterna (cf. 1Cor 15,35-58). Por isso, morrer significa entregar totalmente a vida a Deus. O mesmo Senhor que nos criou por amor, nos acolhe também para um amor infinito, para uma perfeita comunhão com Ele, para uma eternidade (cf. Jo 14,1-6). É uma partida com chegada definitiva. São Pedro expressa esta realidade nestas palavras: “Fugindo da corrupção, nos tornamos participantes da natureza divina” (2Pd 1,4). Para nós, morrer é entregar a vida para Deus a exemplo de Jesus Cristo, que ao entregar a vida totalmente à vontade de Deus, ele experimentou a ressurreição. A ressurreição de Jesus é a mensagem mais clara sobre o futuro do homem (cf. 1Cor 15,12-19).


A Igreja sempre acredita na imortalidade da alma. Por isso, no Credo professamos: “Creio na comunhão dos santos... Creio na ressurreição da carne... Creio na ressurreição da carne...Creio na remissão dos pecados”. Este Credo se baseia sobre a ressurreição de Jesus. Até São Paulo chegou a dizer que se Cristo não ressuscitasse, seria vã a nossa pregação e seria vã também a nossa fé (cf. 1Cor 15,14). A ressurreição do Senhor vem nos dizer que o homem não nasce para morrer, mas nasce para ressuscitar, para viver. A vida não pertence à morte e sim a morte pertence à vida. Por isso, um cristão nunca morre, e sim ele nasce duas vezes: nasceu do ventre materno pela primeira vez e nasce para a vida eterna pela segunda vez. A morte é considerada como uma passagem para a vida. O destino do homem, então, não é o cemitério. Não estamos caminhando para o cemitério, mas para a Casa do Pai que está pronto para nos acolher e abraçar (cf. Jo 14,1-6).


E nós que ainda nos resta a vida, o que devemos fazer?


Em primeiro lugar, precisamos valorizar a presença, pois ela é um dom. Muitas vezes sentimos a importância de uma pessoa somente na sua ausência. Precisamos estar conscientes de que como é bom estarmos juntos enquanto for dado a nós o dom de convivência, pois vai chegar um dia em que seremos obrigados a viver de outra maneira.


Em segundo lugar, não precisamos acumular as flores para formar um dia uma coroa de flores para um caixão, pois uma flor oferecida para uma pessoa viva vale muito mais do que uma coroa de flores para um morto. Que a coroa de flores oferecida na morte de alguém represente todas as flores dadas durante a vida daquele que já se foi.


Em terceiro lugar, não precisamos esperar alguém morrer para elogiá-lo ou para falar de suas virtudes. É bom elogiarmos quem merece ser elogiado enquanto ele estiver convivendo conosco. Pois um elogio sincero dado para um vivo vale muito mais do que um elogio triste para um caixão. Perdoemo-nos mutuamente enquanto estivermos vivos, pois como é bom experimentarmos o que é que a ressurreição ou a libertação enquanto para nós é dado o dom de viver um pouco mais.


Em quarto lugar, como é triste morrer sem ter sabido viver e ao mesmo tempo como é triste viver sem aprender a morrer. Para vivermos melhor e com outra intensidade precisamos aprender a morrer. É o paradoxo da vida: para viver precisamos morrer.


Precisamos aprender a morrer de nosso egoísmo, de nossa prepotência, de nosso rancor, de nossa falta de perdão, de nossa vingança, de nossa soberba que mata a caridade e a fraternidade, de nossa preguiça de rezar e de participar do banquete celeste aqui na terra que é a eucaristia. Em outras palavras, precisamos aprender a morrer de nossa morte para que possamos ressuscitar para uma vida com Deus.


Para olhar o mundo, a nós mesmos e todos os acontecimentos na plenitude da verdade não há ponto de observação melhor que o da morte. A partir dali tudo é visto em sua justa perspectiva. Visto a partir desse ponto, tudo ganha seu justo valor. Olhar a vida a partir da morte nos ajuda extraordinariamente a vivermos bem e a valorizarmos cada segundo de nossa vida. A morte nos impede que nos prendamos às coisas, e nos impede que fixemos aqui embaixo a morada de nosso coração esquecendo que “não temos aqui residência permanente”(cf. Hb 13,14). Não é a morte que é absurda, mas a vida sem a morte.


Que os que nos precederam descansem em paz (RIP) e que nós, que ainda estamos peregrinando neste mundo, vivamos em paz para que possamos alcançar a morada eterna, a casa do Pai do céu. Assim seja.

 

Para Refletir

 

Prefiro que partilhes comigo uns poucos minutos,
Agora que estou vivo,
E não uma noite inteira quando eu morrer.


Prefiro que apertes suavemente a minha mão,
Agora que estou vivo,
E não apóies o teu corpo sobre mim quando eu morrer.


Prefiro que faças uma só chamada,
Agora que estou vivo,
E não faças uma inesperada viagem, quando eu morrer.


Prefiro que me ofereças uma só flor,
Agora que estou vivo,
E não me envies um formoso ramo e uma coroa de flores
Quando eu morrer.


Prefiro que elevemos juntos ao céu um oração,
Agora que estou vivo,
E não uma oração poética quando eu morrer.


Prefiro que me digas umas palavras de alento,
Agora que estou vivo,
E não um dilacerante poema quando eu morrer.


Prefiro que um só acorde de guitarra,
Agora que estou vivo,
E não uma comovedora serenata quando eu morrer.


Prefiro que me dediques uma leve prece,
Agora que estou vivo,
E não um político epitáfio sobre minha tumba quando eu morrer.


Prefiro desfrutar de todos os mínimos detalhes do tempo de nossa convivência,
Agora que estou vivo,
E não de grandes manifestações quando eu morrer.


Prefiro escutar-te e ver-te um pouco nervos@
Dizendo o que sentes por mim,
Agora que estou vivo,
E não um grande lamento porque não o disseste no tempo certo, e agora estou mort@....


Aproveitemos a convivência fraterna e amorosa com os nossos seres queridos
Agora que estão entre nós...

Valorize as pessoas que estão à tua volta.
Ama-as, respeita-as e lembra-te delas,
Enquanto estão vivas.

Deus te abençoe!
 
Pe. Vitus Gustama, SVD

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