terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

13 de Fevereiro de 2021

VIDA VIVIDA NA PARTILHA É A VIDA EM PLENITUDE

Sábado Da V Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 3,9-24

9 O Senhor Deus chamou Adão, dizendo: “Onde estás?” 10 E ele respondeu: “Ouvi tua voz no jardim, e fiquei com medo porque estava nu; e me escondi”. 11 Disse-lhe o Senhor Deus: “E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?” 12 Adão disse: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi”. 13 Disse o Senhor Deus à mulher: “Por que fizeste isso?” E a mulher respondeu: “A serpente enganou-me e eu comi”. 14 Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida! 15 Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. 16 À mulher ele disse: “Multiplicarei os sofrimentos da tua gravidez: entre dores darás à luz os filhos; teus desejos te arrastarão para o teu marido, e ele te dominará”. 17 E disse em seguida a Adão: “Porque ouviste a voz da tua mulher e comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer, amaldiçoado será o solo por tua causa! Com sofrimento tirarás dele o alimento todos os dias da tua vida. 18 Ele produzirá para ti espinhos e cardos e comerás as ervas da terra; 19 comerás o pão com o suor do teu rosto até voltares à terra de que foste tirado, porque és pó e ao pó hás de voltar”. 20 E Adão chamou à sua mulher “Eva”, porque ela é a mãe de todos os viventes. 21 Então o Senhor Deus fez para Adão e sua mulher túnicas de pele e as vestiu. 22 Disse, depois, o Senhor Deus: “Eis que o homem se tornou como um de nós, capaz de conhecer o bem e o mal. Não aconteça, agora, que ele estenda a mão também à árvore da vida para comer dela e viver para sempre!” 23 E o Senhor Deus o expulsou do jardim de Éden, para que ele cultivasse a terra donde fora tirado. 24 Expulsou o homem, e colocou a oriente do jardim de Éden os querubins, e a espada lampejante de chamas, para guardar o caminho da árvore da vida.

Evangelho: Mc 8,1-10

1Naqueles dias, havia de novo uma grande multidão e não tinha o que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: 2“Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não têm nada para comer. 3Se eu os mandar para casa sem comer, vão desmaiar pelo caminho, porque muitos deles vieram de longe”. 4Os discípulos disseram: “Como poderia alguém saciá-los de pão aqui no deserto?” 5Jesus perguntou-lhes: “Quantos pães tendes?” Eles responderam: “Sete”. 6Jesus mandou que a multidão se sentasse no chão. Depois, pegou os sete pães, e deu graças, partiu-os e ia dando aos seus discípulos, para que o distribuíssem. E eles os distribuíram ao povo.7Tinham também alguns peixinhos. Depois de pronunciar a bênção sobre eles, mandou que os distribuíssem também. 8Comeram e ficaram satisfeitos, e recolheram sete cestos com os pedaços que sobraram.9Eram quatro mil, mais ou menos. E Jesus os despediu. 10Subindo logo na barca com seus discípulos, Jesus foi para a região de Dalmanuta.

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Consequências Do Pecado Cometido

“’Multiplicarei os sofrimentos da tua gravidez: entre dores darás à luz os filhos; teus desejos te arrastarão para o teu marido, e ele te dominará’. E o Senhor Deus o expulsou do jardim de Éden, para que ele cultivasse a terra donde fora tirado” (Gn 3,16.23).

A cena depois do pecado de Adão e Eva que a Primeira Leitura nos apresenta hoje é muito viva. Deus pede contas e cada um dos protagonistas se defende, se esconde e joga a culpa para o outro: Adão joga a culpa para Eva; Eva joga a culpa para a serpente e a serpente é criada por Deus. O homem quase se atreve a culpar o próprio Deus que criou a serpente: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi”.

Aos olhos do redator, a história do homem se desenrola ou se desenvolve entre o bem e o mal, conforme as bênçãos ou as maldições (Cf. Dt 28,15-19), segundo as opções religiosas e morais que ele faz. Isto quer dizer que o segredo da história está no coração do homem. Por isso, a maldição é o estado da história conduzida por um homem que se considera semelhante a Deus. Usurpando de Deus o conhecimento do bem e do mal, isto é, deixando de atribuir a Alguém maior do que ele o direito de julgar as coisas e as pessoas, o homem introduz a maldição no mundo. O homem se acha deus: seu eu e seu próprio egoísmo. Mas infelizmente, o homem não tem acesso à vida divina para poder transformar o mal em bem e a morte em vida. Com efeito, o drama do homem não é tanto o de morrer. Pelo fato de a inteligência do homem não poder criar uma noção do eterno é que a morte deixou de ser apenas um fenômeno natural para tornar-se também um castigo: a morte enquadra, violentamente o homem dentro de seus limites. A bênção é, ao contrário, o estado da história conduzida pelo homem que aceita ver-se a si mesmo como imagem de Deus, o que somente Jesus Cristo conseguiu (Cf. Gl 3,13-14). Jesus Cristo, tão somente pode conhecer o bem e o mal e passar da vida para a morte, porém, à maneira de um Deus que triunfa da morte por sua vida que ninguém pode tirar e que vence o mal por um perdão incomensurável.

Esta cena sob uma aparência ingênua, é de uma surpreendente profundidade filosófica e teológica: nunca se acrescentou mais nada sobre a condição humana.

Primeiro, o homem, feito para a “relação com Deus”, destrói esta harmonia por seu pecado. Deus se apresentou a nós como bom “Pai” que passeava pelo jardim à hora da “brisa da tarde” para falar com seus filhos. Mas o homem quebrou esta harmonia: "O homem tem medo de Deus e se esconde". Estas simples palavras revelam todas as nossas dificuldades para encontrar Deus: a oração que aborrece e que é abandonada ... E Deus "expulsa o homem do jardim": efetivamente, quão longe e ausente nos parece Deus! O rompimento da comunhão com Deus causa o sentimento da ausência de Deus na nossa vida e nas nossas lutas de cada dia. Ninguém está tão só do que aquele que vive sem Deus.A manutenção da comunhão com Deus renova nossas forças em todos os momentos de nossa vida.

Segundo, o homem, feito para a “relação com seu semelhante” destrói tudo isto por causa de seu pecado. O “semelhante” do homem foi nos apresentado como “osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23). Uma explosão de alegria acompanhou a apresentação da mulher a Adão. E agora, quebrado o relacionamento "com Deus", os outros relacionamentos são quebrados também: acusa sua esposa como a origem da culpa: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi”. É a primeira briga conjugal! Primeiro conflito na humanidade nascente.

Atrás destas palavras entrevemos as lutas, as iras, os golpes, as guerras, as violências de todo tipo. E se os pais, Adão e Eva estão desunidos, seus filhos, Caim e Abel, irão mais longe, até o derramamento de sangue. 

Terceiro, o homem, feito para a “harmonia de seu ser” se sente dividido em seu próprio interior. Adão e Eva nos foram apresentados como seres inocentes em que corpo e alma estavam em perfeita harmonia: estavam nus e não se envergonhavam disso.

Agora eles se sentem obrigados a se vestir. Seus maus desejos são decididamente fortes demais: seus corpos são difíceis de dominar, os instintos violentos se despertam. 

Atrás destas palavras entrevemos todas as tendências aberrantes que o corpo provoca: orgias, alcoolismo, droga, sexualidade mal controlada.

Quarto, o homem, feito para a “relação com a natureza” fica duramente submetido a ela. 

Adão e Eva haviam sido colocados em um ambiente feliz, em um "jardim" bem aguado, com árvores cheias de bons frutos para se alimentar. Até os animais eram seus amigos. Mas a partir de agora tudo será diferente.

O homem é marcado por seu trabalho essencial, seu ofício, e o suor é o sinal do esforço para "ganhar sua vida". Espinhos e cardos crescem mais facilmente que o trigo! 

A mulher é marcada por seu trabalho essencial, dar à luz a seus filhos: “Multiplicarei os sofrimentos da tua gravidez: entre dores darás à luz os filhos”. Por trás dessas palavras, vislumbramos as dificuldades da educação, os diferentes sofrimentos que tecem a vida familiar.

E ao fim, a morte! A inexplicável morte. Por que morre o homem? Porque o homem não é Deus e sim é criatura. Portanto é fragilidade. Esta é a primeira razão natural. Mas o autor acrescenta uma segunda razão: o homem é pecador, e a morte adquire assim um caráter suplementário da pena. 

Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. Isto foi dito solenemente por Deus à “serpente”, ao Mal personificado. Assim toda essa destruição que o pecado opera na harmonia divina, não terá a última palavra: desde o princípio se anuncia uma vitória, uma salvação, uma redenção! 

Tudo aqui adquire uma interpretação religiosa, que também nos faz bem para que possamos relativizar um pouco o orgulho e a auto-suficiência que sentimos.

O que há de mau o mundo não se deve a Deus, e sim à desordem do pecado que introduzimos em seu plano. Houve ruptura, e a harmonia e o equilíbrio já não funcionam: agora temos medo de Deus, não nos entendemos (jogamos a culpa mutuamente) e somos expulsos do jardim. Queríamos ser como deuses e conhecê-Lo tudo, e acordamos de olhos abertos, sim, mas nos vemos nus e fracos. Temos que confessar que somos caducos: "Eles passam como o sono da manhã, são iguais à erva verde pelos campos: De manhã ela floresce vicejante, mas à tarde é cortada e logo seca” como diz o Salmo Responsorial de hoje (Sl 89). 

Os conflitos continuam. O trabalho nos custa. Nós não damos nascimento sem esforço. Não há paz nem cósmica nem humana. Nem harmonia interna em cada um. Mas nós cristãos ouvimos as palavras de esperança de Deus no Éden e sabemos que a vitória de Cristo sobre o mal já aconteceu na Páscoa, e que somos chamados a participar dessa vitória. É por isso que podemos dizer com o salmo: " Ó Senhor, vós fostes sempre um refúgio para nós. Tende piedade e compaixão de vossos servos!”. A leitura desta primeira página tão dolorosa da humanidade deve nos ensinar sabedoria: "Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria!”. 

Deus está todos os dias no jardim de nossa vida. Como Adão e Eva, podemos encontrá-Lo continuamente no passeio pela natureza desnuda, na criança que nasce, na dor que sofremos, na caridade que praticamos ou que os outros praticam para nosso favor. Precisamos celebrar esta presença misteriosa de Deus todos os dias. Vivamos de verdade em Deus! Deus está ao nosso lado, em nosso coração e nos ama e nos perdoa e nos busca. O que podemos mais desejar do que isso?

A Fome Se Resolve Através Da Partilha. O Egoismo Mata a Humanidade

Quantos pães vós tendes?” 

No evangelho de Mc se relata duas vezes a multiplicação dos pães (Mc 6,30-44; 8,1-10). A segunda multiplicação nós lemos neste dia e sucede em território pagão. Trata-se do banquete de Jesus com os pagãos. Assim Jesus se apresenta como Messias para todos, judeus e outros povos da terra. Ele veio para todos e por isso, ninguém escapa de seu amor.

O texto nos diz que “Jesus chamou os discípulos e disse: ’Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não têm nada para comer’”. O povo se sente abandonado e que está ali porque quer confiar totalmente em Jesus, pois Jesus se apresenta como Pastor destinado para apascentar, restaurar e unificar o rebanho de Deus, o povo de Deus e não para dispersá-lo. Jesus é a revelação da misericórdia divina que quer socorrer e que se faz pão para todos.

Nesta segunda multiplicação, Jesus não manda os discípulos para que resolvam a fome da multidão como na primeira multiplicação (cf. Mc 6,37), mas Ele lhes manifesta a Sua preocupação: “Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não têm nada para comer. Se eu os mandar para casa sem comer, vão desmaiar pelo caminho, porque muitos deles vieram de longe”.  “Tenho compaixão dessa multidão”. Nosso Deus é um Deus compassivo. Ele é “louco” de amor por nós todos: “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca”, diz o Senhor (Is 49,15). Somos frutos deste amor “louco” de Deus. 

Os discípulos pensam que deveria ter bastante dinheiro para comprar pão para alimentar o povo. O problema se torna grave ainda, pois o povo se encontra no deserto (longe dos povoados): “Como poderia alguém saciá-los de pão aqui no deserto?”. 

Mas Jesus encontra a solução no próprio povo que os próprios discípulos deixam de lado: “Quantos pães vós tendes?”. E os seus discípulos responderam: “Sete”. “Sete” é um número simbólico indicativo das nações.  Sete era o número das nações pagãs habitantes da terra de Canaã (cf. At 13,19). A totalidade das nações é setenta (7x10). O sete era o numero da perfeição e da totalidade, da plenitude acabada e perfeita (Santo Agostinho), da universalidade (Santo Tomás), o numero que une o par e o impar, o fechado e o aberto, o visível e o invisível. Para os autores do século XII o sete tinha uma dignidade suprema: sete foram os dias da criação, sete eram os dons do Espírito Santo, sete virtudes (três teologais, quatro cardinais), sete os pecados capitais. 

Isso significa que a partilha (com cinco pães e dois peixes) é a plenitude da vida, pois a alma do projeto de Jesus é a partilha, a generosidade. A plenitude da vida está na partilha, está na generosidade, está na solidariedade. A partilha, a generosidade, e a solidariedade tiram o homem da garra da ganância para transformá-lo em irmão para os demais, especialmente para os necessitados. A generosidade transforma o coração de pedra em coração humano para sentir novamente a necessidade dos outro. A generosidade é o caminho da libertação; é o caminho da fraternidade. “Somente uma vida vivida para os outros, vale a pena ser vivida”, dizia Albert Einstein. Através da partilha assumimos uma parte do fardo de dor que pesa sobre a humanidade.

Jesus resolve o problema da fome a partir da partilha e da solidariedade do próprio povo, a partir do amor mútuo. “Ensine muito cedo os seus filhos que o pão dos homens é feito para ser dividido” (P. Carré). “Quem espera o supérfluo para dar aos pobres, nunca lhes dará nada” (Provérbio chinês). O amor que se faz piedade e compaixão tem uma força enorme que leva à ação concreta para resolver o problema existente. De fato, o evangelista nos relatou que houve “sete cestos com os pedaços que sobraram”.

“Tenho compaixão dessa multidão”, disse Jesus aos discípulos. Aprendemos de Jesus seu bom coração, sua misericórdia diante das situações de fome e de outras necessidades da grande maioria. Não sabemos fazer milagres porque não temos poder para fazer isso. Mas há multiplicações de pães, de paz e de esperança, de cultura e de bem-estar que não necessitam do poder milagroso, e sim de um bom coração, semelhante ao de Jesus Cristo para fazer o bem. Através do milagre da multiplicação dos pães Jesus quer nos ensinar que a força de solidariedade não fará falta o essencial na vida de todos. O egoísmo, ao contrário, causa a fome da maioria, pois uns querem agarrar tudo. Onde há o acúmulo de bens, há a fome para a maioria.

Nas duas multiplicações Jesus faz o mesmo gesto: “Pegou os sete pães, e deu graças”.  Esse gesto nos recorda a Eucaristia. A mensagem é, portanto, bastante clara para nós: aqueles que participam da Eucaristia devem ter o espírito de partilha e de doação. É ser pessoa eucarística. Além disso, nas duas multiplicações dos pães há sobras. Isto indica que o alimento distribuído é inesgotável. É o símbolo de um ato que terá que ser repetido constantemente pelos cristãos e pelas pessoas de boa vontade. Se cada um tirar um pouco de bom que tem para os outros, jamais faltará nada no mundo. Este é o grande desafio da espiritualidade eucarística. Viver eucaristicamente significa viver na permanente solidariedade e partilha. Sem tudo isto, a eucaristia da qual participamos carecerá de sentido. Partilha e solidariedade são formas de ação de graças a Deus por tudo que temos e recebemos de Deus.

A multiplicação dos pães por parte de Jesus não é um quadro de um museu, nem é uma peça arqueológica. Os que assumem a causa de Jesus, os que se dizem cristãos devem viver continuamente a espiritualidade da partilha e da solidariedade. Diante do Senhor cada cristão deve se perguntar: Senhor o que queres de mim neste mundo com tantos famintos em todos os sentidos? Nós cristãos temos que fazer possível o milagre da solidariedade, da partilha, da compaixão, do amor mútuo no meio de tantas pessoas governadas pelo egoísmo, pelos interesses particulares. O amor vencerá, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).

P. Vitus Gustama,svd

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