ORAÇÃO
É PEDIR, BUSCAR E BATER A PORTA PERMANENTEMENTE
Quinta-Feira
da I Semana da Quaresma
Primeira
Leitura: Est 14,17
Naqueles
dias, a rainha
Ester, temendo o perigo de morte que se aproximava, buscou refúgio no Senhor.
Prostrou-se por terra desde a manhã até o anoitecer, juntamente com suas
servas, e disse: “Deus de Abraão, Deus
de Isaac e Deus de Jacó, tu és bendito. Vem em meu socorro, pois estou só e não
tenho outro defensor fora de ti, Senhor, pois eu mesma me expus ao perigo.
Senhor, eu ouvi, dos livros de meus antepassados, que tu libertas, Senhor, até
o fim, todos os que te são caros. Agora, pois, ajuda-me, a mim que estou sozinha
e não tenho mais ninguém senão a ti, Senhor meu Deus. Vem, pois, em auxílio de
minha orfandade. Põe em meus lábios um discurso atraente, quando eu estiver
diante do leão, e muda o seu coração para que odeie aquele que nos ataca, para
que este pereça com todos os seus cúmplices. E livra-nos da mão de nossos
inimigos. Transforma nosso luto em alegria e nossas dores em bem-estar”.
Evangelho: Mt 7,7-12
Naquele
tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
7 "Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto. 8
Porque todo
aquele que
pede, recebe. Quem busca,
acha. A quem
bate, abrir-se-á. 9 Quem dentre vós dará
uma pedra a seu
filho, se este
lhe pedir pão? 10 E, se lhe
pedir um peixe, dar-lhe-á uma serpente?
11 Se vós, pois,
que sois maus,
sabeis dar boas coisas
a vossos filhos,
quanto mais
vosso Pai
celeste dará boas coisas
aos que lhe
pedirem. 12 Tudo o que quereis que
os homens vos
façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei
e os profetas".
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Ao longo das
leituras da Quaresma, a Igreja volta uma e outra vez sobre o tema da oração que
as leituras de hoje nos apresentam. Um dos temas no primeiro dia da Quaresma,
na Quarta-feira de Cinzas, é o da oração.
A Quaresma quer que intensifiquemos nossas orações e consagremos mais
tempo para rezar e meditar a Palavra de Deus. É preciso rezar sempre. Quem tem
fé, precisa rezar. Quem reza precisa ter fé.
A oração não é tanto uma procura, pois a procura
implica certa impaciência, uma atividade: devo fazer algo. Rezar é antes
aguardar. O aguardar supõe o acento no outro, naquele que vem. Só posso esperar
por esse outro. Rezar quer dizer perder o meu domínio próprio. “A oração torna
o homem contemplativo e cheio de atenção. Em vez de manipulador, o homem que
reza se torna receptivo neste mundo. Já não agarra, mas acaricia; já não morde,
mas beija; já não questiona, mas admira” (J. M. Nouwen).
A oração é uma
percepção da realidade que logo se desabrocha em louvor, em adoração, em
agradecimento e em pedido de piedade Àquele que é a origem do ser e o destino
de todo ser (Alfa e Ômega de nossa vida). Por isso, quem sabe viver
conscientemente, também sabe rezar bem. E quem sabe rezar bem, também sabe
viver conscientemente. “Vive de tal modo que sua vida seja uma oração”
(Santo Agostinho: In ps. 91,3). O homem que ora inspira o mundo, olha
para o mundo com compaixão e, nesse olhar, penetra a fonte de todo ser. A
oração é mais do que recitar umas fórmulas, é, sobretudo, uma convicção íntima
de que Deus é nosso Pai e que quer nosso bem, como filhos e filhas dele. Por
isso, rezar é entrar na intimidade profundo com o nosso Pai do céu. Orar/rezar
é uma maneira mais eficaz para aproximar a terra para o céu; é uma maneira de
encurtar a distância entre o céu e a terra; é meio direto para penetrar no céu
a fim de conversar com o Pai do céu. A oração derruba o muro que nos separa de
Deus, pois na oração conversamos diretamente com o céu, isto é, com Deus.
Distanciar-se da oração significa distanciar-se do céu. É impossível chamar
Deus de Pai sem conversar com Ele permanentemente.
Rezar É Deixar-se Deus
Entrar Na Nossa Vida e Nós Na Vida De Deus
“Deus
de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó, tu és bendito. Vem em meu socorro,
pois estou só e não tenho outro defensor fora de ti, Senhor, pois eu mesma me
expus ao perigo... Vem, pois, em auxílio de minha orfandade. Põe em meus lábios
um discurso atraente, quando eu estiver diante do leão, e muda o seu coração
para que odeie aquele que nos ataca, para que este pereça com todos os seus
cúmplices. E livra-nos da mão de nossos inimigos. Transforma nosso luto em
alegria e nossas dores em bem-estar”. É a oração de Ester que lemos na
Primeira Leitura.
O livro de Ester é um conto inspirado nas
histórias bíblicas de José e de Daniel e nos contos orientais. Este livro tem
por objetivo fortalecer a fé dos judeus dispersos no seio do império persa.
Na época de Ester a situação do povo eleito
era dramática: o povo disperso, minoritário no meio de povos pagãos e
frequentemente perseguido e desprezado. Essa situação passa a ser a oração de
Ester. A oração de Ester está totalmente impregnada da confiança que emana da fé.
Em momentos de desgraça pessoal e de perigo do povo, Ester pede a Deus que se
mostre Salvador e que os defenda diante dos opressores. Já que Deus escolheu um
povo por herança, agora não pode deixar este povo sucumbir.
Em outras palavras a oração de Ester parte de
sua vida e da vida do povo e expõe seu caso e o problema do povo a Deus. Ela
reconhece sua grande pobreza e confessa sua solidão diante de Deus. É uma
oração audaz que se dirige a Deus como familiaridade; uma oração que pede a
Deus para tomar conta do seu povo para estar livre dos inimigos. Preparada por
o jejum, Ester se entrega com seus serventes a uma oração insistente: “Livra-nos da mão de nossos inimigos.
Transforma nosso luto em alegria e nossas dores em bem-estar”. A oração de Ester é penitencial, pois sua expressão está
despojada de tudo que é supérfluo.
A oração é uma abertura total do homem a Deus.
A consciência do homem e de todas as suas faculdades se deixam penetrar por
Deus e se voltam para Ele. A iminência de um perigo, a constatação e o
reconhecimento da própria fraqueza, a impotência e assim por diante como
experimentou Ester, são outras tantas circunstâncias que também despertam no
homem a fervente aspiração para recorrer a Deus que é Onipotente no amor e na
misericórdia: “Deus de Abraão, Deus de
Isaac e Deus de Jacó, tu és bendito. Vem em meu socorro, pois estou só e não
tenho outro defensor fora de ti, Senhor, pois eu mesma me expus ao perigo”,
assim rezou Ester. Trata-se de recorrer a Deus para ser inundado por Sua
presença, por Sua graça, Sua ajuda e Seu perdão. Consequentemente, a oração
exige consagração e dedicação a Deus. A oração ultrapassa as inercias e rotinas
da mente.
A oração vivida até o fundo é a ação mais
comprometida e eficaz que o homem pode realizar e da qual surgem outras ações.
A oração unifica e transforma, pois ela é dirigida a Deus que unifica e
transforma. Com efeito, a verdadeira oração não consiste em muda Deus e sim em
mudar quem reza.
Nossa oração ao Deus Pai se apoia na bondade
e na vontade amorosa de Deus. Podemos estar seguros de sermos escutados, sempre
que peçamos algo da linha do plano salvador de Deus.
A oração não é ocupação, não é uma atividade
que cansa e sim uma necessidade primária do homem crente. O sentido da oração
vem expressado por três verbos de necessidade que o Evangelho de hoje nos
apresenta: Pedir, buscar e chamar. Para ser escutada, a oração cristã deve ser
feita a partir da situação de necessidade que estes verbos expressam. Quem pede
e não sente necessidade daquilo que se pede, não pode ser escutado. Quem busca
e não sente necessidade de encontrar aquilo que se busca, nunca encontrará
nada. Quem chama e não sente necessidade de dialogar, nunca será atendido.
Ao longo das leituras da, a Igreja volta uma
e outra vez sobre o tema da oração que as leituras de hoje nos apresentam. A Quaresma quer que intensifiquemos nossas
orações e consagremos mais tempo para rezar e meditar a Palavra de Deus. É
preciso rezar sempre.
Rezar a Deus É Pedir,
Buscar e Bater à Porta
O texto do evangelho de hoje (que se encontra
no Sermão da Montanha: Mt 5-7) continua repetindo, como no texto do evangelho
do dia anterior, que Deus é profundamente bom, que deseja “dar” coisas boas para
seus filhos e filhas e, por isso, há que rezar com esse espírito, com uma
confiança total e inabalável em qualquer momento e circunstâncias. A oração de
Ester (primeira leitura: Est 14,17) no Antigo Testamento é um exemplo disso.
No evangelho
Jesus nos aconselha para não termos medo de pedir a Deus com confiança de filho
diante do Pai bondoso: "Pedi e se vos
dará. Buscai e achareis. Batei e vos
será aberto”, assim Jesus nos disse.
Pedir, buscar e bater (a porta) são verbos que nos põem em movimento. Isto
significa que não
podemos ficar parados nem paralisados por um sentimento negativo ou por um cansaço espiritual ou
existencial. O nosso coração não para de bater. A vida está em movimento
permanente. Somos chamados a ser perseverantes na nossa oração, mesmo que,
aparentemente, nossos pedidos “não sejam atendidos”, pois Deus sabe muito
melhor de nossas necessidades do que nós mesmos. Se Ele nos atender ou não nos
atender é sempre com a intenção de nos salvar, e não simplesmente para atender
o que Lhe pedimos.
Além disso, pedir, buscar,
bater (porta)
pressupõe necessidade, inquietude, urgência,
e espera-se a bondade, a disponibilidade ou
misericórdia de alguém.
Em certas
circunstâncias ficamos débeis, vulneráveis que
nos leva
a pedirmos socorro. São
circunstancias nas quais surgem com facilidade
o clamor de um
angustiado e a oração de petição de quem
necessita da força divina
a exemplo da rainha Ester na primeira leitura (Ester 14,7). Diante da enorme
responsabilidade que pesa sobre seus ombros, Ester faz penitência e entra numa
comovedora oração de humildade. Ester descobre em si somente fraqueza, mas sabe
e acredita que Deus não deixará de lhe proporcionar a coragem necessária. O
livro de Ester tem por objetivo fortalecer a fé dos judeus dispersos no seio do
império persa.
Em muitas ocasiões experimentamos como
Deus guarda
silêncio e custa-nos descobrir
a presença de Deus
em tais
circunstâncias. Mas
precisamos recuperar nossa
fé de que
Deus está conosco
(Mt 28,20). Por isso,
“no Senhor ponho a minha
esperança, espero em
sua Palavra.
No Senhor se encontra
toda graça
e copiosa redenção”
(Sl 129, 5.7). Por essa razão, ao pedir, buscar e bater há sempre esperança na bondade e na misericórdia de Deus
que quer nossa salvação.
Orar é um modo de ser diante de Deus, mas com duas direções:
a direção do homem
para Deus e a
direção do homem
para os demais.
Se o homem pedir
a Deus o que
é melhor para
si, ele
deve dar também
o que é melhor
para os outros.
A paz que
ele pede a Deus
o leva a ser construtor da paz
na convivência com
os demais, e assim
por diante.
Em outras palavras,
não há oração
sem compromisso.
A oração feita
e vivida profundamente
é a ação mais
comprometida da qual surgem outras ações. Quando
oramos, entramos numa verdadeira aliança
com Deus.
Estamos dispostos a receber
seus dons,
especialmente seu
Santo Espírito
para que
vivamos com maior
lealdade nosso ser
de filhos e filhas de Deus diante do
mundo. O Senhor está disposto
a nos conceder
tudo aquilo
que nos
ajude para nos
converter num sinal
cada vez
mais claro
de seu amor
no mundo.
Quando Jesus fala,
no texto do evangelho
de hoje, que
o Pai está disposto
a nos conceder
tudo o que
lhe pedimos, está falando dentro do contexto
da misericórdia. Se um
pai humano,
que é pecador, dá pão para seu filho,
com muito maior razão o Pai dos céus: “Quem
dentre vós
dará uma pedra a seu
filho, se este
lhe pedir
pão? E, se lhe pedir um peixe, dar-lhe-á uma serpente? Se vós, pois, que sois
maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste
dará boas coisas aos que lhe pedirem”. Aqui
a ênfase não
é tanto sobre
a perseverança e a obstinação do suplicante e sim
sobre a diferença entre a bondade do pai humano e a ternura do Pai dos céus.
Por essa razão Jesus quer que não temamos em pedir a Deus aquilo que, um homem
faria de má vontade, Ele o faz com alegria. Os versículos 7-11 insistem na
perseverança da oração, não é para estabelecer uma técnica de oração
incessante, mas simplesmente para afirmar a benevolência de Deus e a certeza de
que Deus reserva um lugar para a ternura. A bondade e a misericórdia de Deus me
fazem perseverar na minha oração. O amor de Deus que me salva e me faz
acreditar em Deus em qualquer circunstância e situação.
O segundo
passo que
Jesus nos propõe neste evangelho é pedir ao Pai que nos dê a capacidade de sermos misericordiosos, indispensável para poder ser verdadeiros membros do seu Reino. Jesus nos
assegura que se pedirmos a Deus um coração novo, ele nos dará este tipo de coração. Não
temamos pedir a Deus
que nos
dê o dom
da misericórdia ou
a capacidade de perdoar
a quem, em
algum momento,
virou nosso inimigo
ou rival
fatal. Se colocarmos dentro do contexto
da misericórdia, a oração
unifica e transforma. Por esta razão a oração
exige consagração e dedicação.
Regra De Ouro Para Uma Boa Convivência
O texto
do evangelho de hoje
termina com a seguinte
frase: “Tudo quanto quereis que
os outros vos
façam, fazei também a eles. Nisto consiste a Lei e os Profetas”
(Mt 7,12). Trata-se de uma regra de conduta e é considerada como
a regra de ouro.
A regra de ouro
já era
conhecida na antiguidade.
Em Heródoto lemos: “Não quero fazer aquilo que
censuro no próximo” (Heródoto,
3,142,3). Na sabedoria de Confúcio (551 antes de Cristo)
lemos: “Não faça aos outros o
que você não gostaria que
fizessem a você”. Encontramos também esta regra
nos ditos
do famoso rabi
Hillel: “Não faças a ninguém aquilo que te é
desagradável; isso é toda a Torá, ao passo que o mais é explicação;
vai e aprende!”.
Esta regra
de ouro nos ensina que em tudo que falarmos (comentarmos) ou
fizermos a vida e a dignidade
do outro devem ser
levadas em consideração,
pois nisso consiste também
minha vida
e dignidade. Para
ser amado,
ame; para ser respeitado,
respeite; para ser
perdoado, perdoe; para ter amigo, seja amigo. Nossa
humanidade clama para
vivermos assim. Quando
machucamos muito os outros, é porque ainda temos muitas feridas
dentro de nós
que precisam ser curadas. Por trás de uma pessoa brava e grosseira, há sempre
uma pessoa frustrada.
O verdadeiro
cristão faz muito
mais além
da regra de ouro.
Ele é chamado e é enviado
a fazer o bem ao próximo (a quem quer que seja) independentemente
da retribuição ou do reconhecimento. O cristão existe para ser luz do mundo
e sal da terra (Mt 5,13-16). Ele sempre age com um amor gratuito e de qualidade
sem medir esforços, porque
ele tem consciência
clara de que
ele é amado
por Deus
deste modo. Ele
é sempre solícito e serviçal.
Trata-se de a opção ou
do estilo de vida
com Deus
traduzido na convivência fraterna
com os demais.
Todo trato
cordial e fraterno
jamais se baseia na lei
de retribuição muito menos acontece por
mera formalidade.
O cristão existe para
fazer o bem, e se não o fizer deixará de existir
em Jesus Cristo
que “passou a vida
fazendo o bem” (At 10,38). Uma pessoa
de bem sempre
deseja tudo
de bom para
os outros. O bem
desejado para o outro
é o bem atraído para si. O mal
desejado para o outro
é o mal atraído para
si.
Pedir, Buscar,
Bater a porta... O caminho da Quaresma
é, antes de tudo, o caminho da
conversão. É um convite para que voltemos para a casa do Pai. Em certo modo,
podemos dizer que, não somente Deus quem tem que sair ao nosso encontro, mas
nós também devemos ir ao encontro de Deus. Nesta quaresma podemos nos aproximar
de Deus com a plena confiança para apresentar-lhe nossas necessidades, para
dizer-lhe que não podemos fazer nada sem sua ajuda (cf. Jo 15,5). Queremos
buscar o Senhor que “se esconde” no Pão e no Vinho eucarísticos, nos seus
ministros sacerdotes através dos quais Ele quer nos dar Seu perdão. Precisamos
bater a porta do coração do Senhor insistentemente e sem medo porque
necessitamos entrar nele para que possamos sair dele como pessoas mais amorosas
prontas para amar e perdoar. A Quaresma
é o tempo oportuno para fazer nossas orações intensamente e fazer leitura
bíblica constantemente para conhecer melhor Aquele que aceitou ser crucificado
para nos dar a vida eterna.
P. Vitus Gustama,svd
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