sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

02 de Março de 2021

VIVER NO AMOR FRATERNO E NA JUSTIÇA É O FRUTO MAIS VISÍVEL DE UMA CONVERSÃO PROFUNDA

Terça-Feira da II Semana da Quaresma

Primeira Leitura: Is 1,10.16-20

10 Ouvi a palavra do Senhor, magistrados de Sodoma, prestai ouvidos ao ensinamento do nosso Deus, povo de Gomorra. 16 Lavai-vos, purificai-vos. Tirai a maldade de vossas ações de minha frente. Deixai de fazer o mal! 17 Aprendei a fazer o bem! Procurai o direito, corrigi o opressor. Julgai a causa do órfão, defendei a viúva. 18 Vinde, debatamos — diz o Senhor. Ainda que vossos pecados sejam como púrpura, tornar-se-ão brancos como a neve. Se forem vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como lã. 19 Se consentirdes em obedecer, comereis as coisas boas da terra. 20 Mas se recusardes e vos rebelardes, pela espada sereis devorados, porque a boca do Senhor falou!

Evangelho: Mt 23,1-12

Naquele tempo, 1Jesus falou às multidões e aos seus discípulos e lhes disse: 2Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. 3Por isso, deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam. 4Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo. 5Fazem todas as suas ações para serem vistos pelos outros. Eles usam faixas largas, com trechos da Escritura, na testa e nos braços, e põem na roupa longas franjas. 6Gostam de lugar de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas. 7Gostam de ser cumprimentados nas praças públicas e de serem chamados de Mestre. 8Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de Mestre, pois um é vosso Mestre e todos vós sois irmãos. 9Na terra, não chameis a ninguém de pai, pois um é vosso Pai, aquele que está nos céus. 10Não deixeis que vos chamem de guias, pois um é vosso Guia, Cristo. 11Pelo contrário, o maior dentre vós deve ser aquele que vos serve. 12Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado”.

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A Verdadeira Conversão Consiste Na Prática Do Bem e Da Justiça

Ouvi a palavra do Senhor, magistrados de Sodoma, prestai ouvidos ao ensinamento do nosso Deus, povo de Gomorra. Lavai-vos, purificai-vos. Tirai a maldade de vossas ações de minha frente. Deixai de fazer o mal! Aprendei a fazer o bem! Procurai o direito, corrigi o opressor. Julgai a causa do órfão, defendei a viúva”.

O texto que lemos na Primeira Leitura é o primeiro oráculo do Senhor transmitido pelo profeta Isaías. Neste oráculo há uma crítica dura de um culto vazio, por não leva em conta a justiça social. O culto não se justifica sem a prática da justiça social. Positivamente pode-se dizer que é preciso evitar o mal e buscar o bem que concretamente se identifica com a justiça para os oprimidos, para as viúvas e para os órfãos (Cf Is 1,16-18). 

Uma das características da Quaresma é penitencial (conversão). Este tema sempre aparece nas leituras durante a Quaresma, como lemos nas leituras de hoje.

O pecado é sempre um afastamento. Com o pecado se estabelecem distâncias, se abandona a casa paterna. Por Jesus sabemos que o Pai continua esperando nossa volta: conversão. A conversão é uma viagem de volta para a casa paterna e por isso, é uma viagem prazerosa. A conversão implica um duplo movimento. O movimento do pecador que se volta para Deus. Este movimento cria a liberdade. E o movimento de Deus que abre o caminho do retorno. O movimento de Deus que possibilita nossa volta se chama a Graça. É voltar a fazer o bem e viver conforme a justiça de Deus que consiste no amor mútuo como irmãos.

A Primeira Leitura de hoje nos enfatiza que fazer o bem e buscar a justiça, tornando a própria a causa do pobre são manifestações de que o homem realmente deseja retornar ao Senhor, arrependido de seus pecados. A conversão profunda faz nascer um amor libertador. O amor que se libera para o bem dos outros é o amor que se mantém.

Este oráculo, que lemos na Primeira Leitura de hoje, remonta aos primeiros anos do ministério do profeta Isaías. Neste oráculo, o profeta Isaías ataca a hipocrisia religiosa do povo e de seus dirigentes. O povo pensa que vai dar muito prazer a Deus quando lota de gente os átrios de seu templo com oferendas tão opulentas. Mas a impureza moral daqueles que oferecem os sacrifícios é tão repugnante/nojenta que Deus não pode tolerar essa religião sem fé. Trata-se de um oráculo contra a religião formalista, externa e vazia, sem amor. Este povo podre é representado por duas cidades, Sodoma e Gomorra, que se aproveitam das fórmulas religiosas para oprimir e explorar os necessitados.

O profeta exorta o povo a mudar de conduta e assinala em que consiste a verdadeira religião: em obras de amor sincero que se expressa na prática do bem e da justiça, e na defesa do oprimido, como lemos nos textos de Isaías nos dias da semana de Cinzas: “Lavai-vos, purificai-vos. Tirai a maldade de vossas ações de minha frente. Deixai de fazer o mal! Aprendei a fazer o bem! Procurai o direito, corrigi o opressor. Julgai a causa do órfão, defendei a viúva”, assim escreveu o profeta. A verdadeira penitência consiste na procura do bem e da justiça. Caso contrário, o culto careceria de sentido. A boa relação com Deus se mede pela boa relação com o próximo. O meu tratamento com o próximo será usado como critério para o meu julgamento final (cf. Mt 25,31-46). Por isso, há uma possibilidade de Deus aceitar o culto: que o povo se converta acolhendo os pobres nas suas necessidades que são representados pelos órfãos e viúvas. 

Não estamos longe da atitude do povo da época do profeta Isaías. Temos o perigo de que nosso culto a Deus pode se situar apenas no plano de um religião sem fé. O rito, o culto deve traduzir sempre a conversão pessoal e a da comunidade.

A prática do amor fraterno é a essência da religião ou o espírito da religião. Uma religião sem o compromisso com o amor fraterno e sem o compromisso de uma conduta coerente é um ópio que adormece a própria consciência e um instrumento que engana os outros. Deus se importa menos com a religião que seus adeptos praticam do que com o amor fraterno que eles vivem (cf. Mt 25,31-46). Fiquemos atentos para que nossa prática religiosa não seja mais importante do que o próprio Deus e nosso próximo. 

É Preciso Ter Coerência Entre Fé e Vida

Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés

A “cátedra de Moisés” é o lugar onde os profetas se sentavam para ensinar segundo aparece em Dt 18,15.18. Este símbolo da tradição judaica, de onde foram dadas as leis que o povo assumiu como mandadas por Deus, foi usurpado pelos poderosos para acomodar as regras à própria vontade e não conforme a vontade de Deus. O que menos importava para os manipuladores da Lei era a vida do povo.

Será que os nossos governantes também menos importam a vida do povo para pensar somente na defesa do próprio interesse egoísta? Será que os escribas e os fariseus da época de Jesus continuam vivendo entre nós? Quem pode, como Jesus, gritar em nome do povo sofredor para os manipuladores da vida do povo?

No evangelho de hoje, Jesus condena duramente os fariseus “que dizem e não fazem”. Nossas palavras não podem ultrapassar nossa vida ou nossas ações para não nos tornarmos hipócritas. O que menos importava para os manipuladores da Lei (os escribas e fariseus) era a vida do povo. A grandeza na nova forma de vida inaugurada por Jesus se baseava no serviço, especialmente aos pobres, aos simples e aos que não tinham nenhum privilegio, pois deles não se esperava nada de troca: “O maior dentre vós deve ser aquele que vos serve”. Prestar serviço sem humildade é, ao mesmo tempo, egoísmo e egocentrismo (Mahatma Gandhi). O objetivo da crítica de ambos (Isaías e Jesus) é provocar a conversão nos seus ouvintes. Uma religião sem fé e sem amor não leva ninguém para o céu.

Sem dúvida nenhuma que o capítulo 23 do Evangelho de Mateus é uma das páginas mais violentas do Novo Testamento. Quem o fica impressionado, sobretudo, com a linguagem dura de Jesus. Neste capítulo, o evangelista Mt inicia com uma introdução (vv.1-12) para um extenso discurso que Jesus pronuncia contra os líderes religiosos de Israel da sua época (vv.13-36) como consequência de um longo enfrentamento com eles (Mt 21-22). Estes ataques completam a obra dos profetas contra a falsa religiosidade. As palavras são duras porque o perigo que é denunciado é grave. E a validade da denúncia profética que ouvimos dos lábios de Jesus, neste capítulo, não perde sua atualidade, pois seu alcance é universal. O “fariseu” a quem Jesus dirige suas palavras duras e denúncia é personagem típico, representa um paradigma de comportamento oposto ao Evangelho.

Uma religião que não liberta as pessoas, mas somente está cheia de regras por regras, não é uma verdadeira religião. A intenção de Jesus é chamar a atenção para um perigo que ronda toda comunidade cristã: o risco de esconder-se atrás de normas e regras, atrás dos preceitos, o risco do abuso espiritual, de exercer o poder sobre os outros sob um pretexto religioso, o risco de usar a moralização para desviar a atenção das fraquezas humanas.

A religião real é na essência uma relação interior entre Deus e o homem. As regras são necessárias, se forem instrumentos para facilitar este relacionamento a fim de alcançar a graça e a misericórdia de Deus.

É verdade que a experiência interior precisa achar expressão externa, porém, esta expressão exterior deve ser natural, sem exibicionismo religioso. Sabemos que o exibicionista é uma pessoa de personalidade superficial, fraca e sem ideais sólidos. A norma de seu comportamento é a ostentação de si próprio. Sua preocupação é colocar-se em evidencia, ser notado e elogiado. Toda pessoa possui algum lado bom, e ninguém consegue resistir à tentação de considerar-se mais do que vale e de parecer mais do que é. Mas um exibicionista exagera tudo. Ele não quer ser bom, mas quer parecer bom. Por isso, ele fica com um coração vazio. Por esta razão, Jesus quer que abandonemos este comportamento para não nos tornarmos pessoas vazias, mas pessoas cheias de espírito de fraternidade e de igualdade. 

Por isso, outro ponto que Jesus condena é o autoritarismo religioso e o uso da religião em função do prestigio e do poder pessoal. Jesus pede aos cristãos, seus seguidores que sejam irmãos, e que se constituam como comunidades igualitárias e evitem os títulos e as dependências: “Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de mestre, pois um é vosso mestre e todos vós sois irmãos” (Mt 23,8). É bom lembrar que o primeiro pecado, modelo de todos os outros, é contado na Bíblia como fruto da fome de poder e vaidade: vinha do desejo de competir até com Deus (cf. Gn 3,1ss).        

Além do exibicionismo e o autoritarismo religioso, Jesus critica também a hipocrisia dos fariseus e dos escribas. A palavra hipócrita designava no mundo grego antigo o ator que, com uma máscara e um disfarce, assumia uma personalidade alheia. O ator representa um papel, não o que ele é inteiramente. Fingia diante do público ser outra pessoa frequentemente sem nada a ver com a sua própria personalidade, porque trabalhava para a plateia. Ele não vivia sua própria identidade. 

A hipocrisia consiste em enganar os outros através dos gestos religiosos ou das prerrogativas sacrais a quem não se tem direito. Em outras palavras, tem-se a aparência de um santo, mas por trás há podridão. Aparentemente, o hipócrita presta culto a Deus, mas que, na verdade, ele procura várias maneiras para que ele esteja em destaque sempre, e não Deus. Deste modo ele toma o lugar de Deus atribuindo a si mesmo um poder que não merece (Mt 23,8-10; cf. Mt 15,3-14). Em vez de conduzir as pessoas para Deus, o hipócrita faz com que as pessoas estejam ao serviço de seu egoísmo. O hipócrita põe sua ciência teológica a serviço de seu egoísmo. Por causa do desejo de querer estar sempre em destaque o hipócrita acaba desviando o sentido das práticas religiosas. Segundo o Evangelho de hoje hipócrita é aquele que diz, mas não faz. É aparentar ser bom, sem sê-lo. É uma incoerência de vida. É uma duplicidade, um fingimento. Ele extremamente se apresenta como um homem religioso, alguém que faz questão de proferir palestras bonitas sobre o amor, sobre a paz, sobre o respeito para com os outros, mas quando ninguém o viver assim. 

A condenação da hipocrisia religiosa por parte de Jesus é um aviso para todos nós cristãos. A hipocrisia é uma tentação permanente ao longo da história da Igreja. Ela está presente nos sacerdotes, bispos e leigos. Todo cristão é candidato a este sistema de falsidade que se manifesta de múltiplas maneiras: na dissociação de crenças e conduta, no divórcio entre a e a vida, no orgulho religioso de quem se crê bom e santo e despreza os outros porque falham; em contentar-se com a estrita observância legal, esquecendo a conversão do coração. A dignidade da pessoa humana não consiste em parecer bom, mas em ser bom.      

Quando temos entre as mãos os corações daqueles que queremos melhores e os sabemos atrair com a mansidão de Cristo, percorremos metade do nosso caminho apostólico. Ao perceberem isto, os corações deles se tornam abertos, como terra boa, onde podemos semear a semente da Palavra de Deus. A Igreja nunca deve esquecer-se de que foi instituída para servir. O serviço é o único critério da grandeza para um cristão segundo o evangelho (Mt 23,11). O próprio Cristo é o exemplo disso (cf. Jo 13,15). Para se manter nessa missão a Igreja deve converter-se permanentemente. Segundo o profeta Isaías (cf. Is 1,10.16-20) o âmago da penitência está na procura do bem e da justiça, da retidão e da honestidade, da caridade e da solidariedade. 

A Palavra de Deus proclamada hoje nos chama à conversão que se traduz no serviço despretensioso. Viver em estado permanente de conversão é a lei de crescimento para qualquer pessoa que acredita em Deus. Quem não reconhecer seus pecados ata-os às costas como uma mochila e põe em evidência os pecados dos outros. Não por diligência, mas por inveja. Acusando o próximo, procura esquecer a si mesmo (Santo Agostinho. In ps. 100,3). O móvel da conversão não é tanto a ameaça de castigo ou de perder a salvação, quanto a fascinação de penetrar na vida do amor trinitário divino. A conversão conduz as pessoas juntas à maturidade espiritual, que se reflete em sua aversão ao mal e sua atração pelo bem. 

Se quisermos mostrar nossa fé aos outros não digamos em quantas verdades acreditamos; precisamos mostrar aos outros como vivemos o amor fraterno. Não nos transformamos em crentes ou fieis quando mudamos apenas nossa forma de pensar, e sim quando mudamos nossa forma de viver na fraternidade. Quando deixamos de acreditar em Deus com nossa forma de viver, começaremos a venerar muitos ídolos e explorar e oprimir os mais fracos da sociedade. Se nosso Deus só vende seguros para depois da morte e não tem respostas para esta vida, muitos não vão querer partilhar de nossa fé. Creio que muitos ateus não se opõem a Deus e sim se opõem às caricaturas de Deus que os crentes ou fieis lhes mostram.             

P. Vitus Gustama,svd

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