sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

16 de Fevereiro de 2021

SEJAMOS JUSTOS E BONS FERMENTOS DO SENHOR

Terça-Feira Da VI Semana Comum

Primeira Leitura: Gn 6,5-8; 7,1-5.10

6,5 O Senhor viu que havia crescido a maldade do homem na terra, e como os projetos do seu coração tendiam sempre para o mal. 6 Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem na terra e ficou com o coração muito magoado, 7 e disse: “Vou exterminar da face da terra o homem que criei; e com ele, os animais, os répteis e até as aves do céu, pois estou arrependido de os ter feito!” 8 Mas Noé encontrou graça aos olhos do Senhor. 7,1 O Senhor disse a Noé: “Entra na arca com toda a tua família, pois tu és o único homem justo que vejo no meio desta geração. 2 De todos os animais puros toma sete casais, machos e fêmeas, e dos animais impuros, um casal, macho e fêmea. 3 Também das aves do céu tomarás sete casais, machos e fêmeas, para que suas espécies se conservem vivas sobre a face da terra. 4 Pois, dentro de sete dias, farei chover sobre a terra, quarenta dias e quarenta noites, e exterminarei da superfície da terra todos os seres vivos que fiz”. 5 Noé fez tudo o que o Senhor lhe havia ordenado. 10 E, passados os sete dias, caíram sobre a terra as águas do dilúvio.

Evangelho: Mc 8,14-21

Naquele tempo, 14os discípulos tinham se esquecido de levar pães. Tinham consigo na barca apenas um pão. 15Então, Jesus os advertiu: “Prestai atenção e tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes”.16Os discípulos diziam entre si: “É porque não temos pão”. 17Mas Jesus percebeu e perguntou-lhes: “Por que discutis sobre a falta de pão? Ainda não entendeis e nem compreendeis? Vós tendes o coração endurecido? 18Tendo olhos, não vedes, e tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais 19de quando reparti cinco pães para cinco mil pessoas? Quantos cestos vós recolhestes cheios de pedaços?”Eles responderam: “Doze”. 20Jesus perguntou: E quando reparti sete pães com quatro mil pessoas, quantos cestos vós recolhestes cheios de pedaços? Eles responderam: “Sete”. 21Jesus disse: “E ainda não compreendeis?”

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Um Deus Justo Que Pune, Um Deus Bom Que Não Sacrifica o Homem Piedoso 

O texto da Primeira Leitura extrai do relato preliminar do dilúvio os versículos da tradição Javista. 

O texto quer focalizar os antagonistas do dilúvio: uma humanidade que, desde Adão, não cessou de retroceder: “O Senhor viu que havia crescido a maldade do homem na terra, e como os projetos do seu coração tendiam sempre para o mal. Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem na terra e ficou com o coração muito magoado”. O autor vê que Deus está horroriziado pela deformação de sua obra, pois a maldade cresce disparadamente no homem, efeito do pecado (Cf. Gn 8,21; Sl 13,2-3; Jr 5,1-5) a ponto de arrepender-se de ter criado o homem e decidir eliminar o homem da terra.

Mas no auge da desgraça encontra-se um único justo (Noé) perdido neste universo por quem Deus salvará a humanidade do cataclismo. Aqui o autor mostra um Deus justo que pune e um Deus bom que não sacrifica o homem piedoso com os outros piedosos: “Mas Noé encontrou graça aos olhos do Senhor:Tu és o único justo que viu nesta geração’”. Esta seção foi escrita pela tradição Sacerdotal. Por um lado, há perversão generalizada, porém, por outro lado há um homem justo chamado Noé. Fala-se ou salienta a perversidade global para proclamar a santidade do homem fiel a quem Deus revela seus projetos (Cf. Gn 18,17; Am 3,7; Ez 7,11.23) e da barca (arca) com certas medidas para salvar os justos.

Jesus Cristo, o único verdadeiro justo, será também Quem salvará definitivamente a humanidade da perdição total. Jesus é o Salvador da humanidade. 

O escritor sagrado do texto de Gênesis nos apresenta, então, uma figura de Deus ingênua e genial ao mesmo tempo, com a mesma simplicidade com que no relato da criação e do paraíso fala das palavras, ações e passeios de Deus na brisa da tarde, e que agora escreve: “O Senhor viu que havia crescido a maldade do homem na terra, e como os projetos do seu coração tendiam sempre para o mal. Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem na terra e ficou com o coração muito magoado”.

Estamos diante de uma humanização de Deus atrevida, até arriscada e sem precedentes do ponto de vista teológico. Parece que Deus não é Aquele que sabe tudo - o Onisciente - e que se surpreendeu com a forma como os homens agem, a ponto de sentir magoado e decidir a destruição da humanidade. A desilusão e o desencorajamento - tais sentimentos humanos - são projetados em Deus, sem que sua figura pareça diminuída aos olhos do justo do Antigo Testamento. O escritor sagrado estava tão convencido da eternidade de Deus e da grandeza de Deus, que ele podia se dar ao luxo de humanizá-lo nessa medida.

É certamente necessário usar a linguagem antropomórfica aqui; mas esse modo de falar que presta a Deus as reações humanas, não deixa de ter um profundo significado. Toda revelação nos apresenta um Deus sensível ao sofrimento humano. O mal não o deixa indiferente. Deus não está distante do sofrimento humano. Mas existe uma absoluta incompatibilidade entre Deus e o mal, entre Deus e a injustiça, entre Deus e a opressão, e assim por diante.

Toda a moral autêntica é baseada nesta convicção de que os comportamentos do homem não são indiferentes, mas comprometem a Deus: Deus quer o bem e a felicidade do homem. Por isso, Deus não poderia ser considerado como rival da felicidade do homem, pois Deus vai contra o mal e a desgraça. Ao enviar seu Filho para a salvação do mundo, Deus é fiel a si mesmo. É muito bom contemplar "Deus magoado" pelo mal que os homens continuam a fazer hoje como no tempo do dilúvio! Isso pode nos comprometer profundamente a lutar com Ele energicamente.

Outra lição que podemos tirar da cena do dilúvio é esta: teremos que deixar sempre uma margem à esperança. Através de Noé que é o único piedoso, Deus salvou a humanidade através da água. No dia de nosso Batismo fomos “salvos através da água”, como foram oito membros da família de Noé (1Pd 3,20). Fomos incorporados ao novo Noé: Jesus Cristo, que atravessou a morte e passou para a nova existência na Arca que é a Igreja. Vivamos como pessoas renovadas em Cristo Jesus!

Sejamos Bons Fermentos Para a Humanidade

A partir de um episódio de pouca importância, isto é, o esquecimento de os discípulos levarem pães suficientes no barco, Jesus aproveita a ocasião para dar uma lição sobre o fermento que eles devem evitar. “Cuidado! Guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes”. 

O fermento é um elemento pequeno, simples, humilde, mas que é capaz de fermentar para o bem ou para o mal toda a massa de farinha de trigo. Ele trabalha silenciosamente e imperceptível, mas o resultado é bem notável.

No AT a festa da Páscoa implicava, entre outras coisas, o rito de comer pães não fermentados. O fermento era considerado como sinal e causa de corrupção. A Páscoa era a festa da novidade, da renúncia ao velho, da busca de um Deus que se revela no novo. O NT aprofunda este sentido da novidade e vê em Jesus o homem novo diante do homem velho (1Cor 15,20-23; Rm 6,1-11). Assim fica patente como o fermento se põe em relação com a maldade e a bondade (cf. 1Cor 5,7-8). 

Na literatura judeu-helenista a metáfora do fermento se aplicava freqüentemente não a qualquer “corrupção” moral e sim muito concretamente ao orgulho/à arrogância, à soberba, à hipocrisia. Na passagem paralela o evangelista Lucas acrescenta expressamente: “Acautelai-vos do fermento, isto é, da hipocrisia dos fariseus” (Lc 12,1).

Jesus alerta, então, a todos os seus seguidores sobre o perigo do orgulho e da soberba. O orgulhoso/arrogante não se preocupa em conhecer a verdade, mas apenas em ocupar uma posição em que ele possa ser o centro de atenção e a norma para o resto. O orgulhoso tem todos os vícios como o egoísmo, a injustiça, a ingratidão, a imoralidade, a hipocrisia. Normalmente o orgulho encontra o abrigo nas pessoas desequilibradas ou de pouca personalidade. A arrogância é uma forma de não aceitar as próprias fraquezas e defeitos.

É preciso que estejamos conscientes de que somos criaturas dependentes da graça de Deus para viver e conviver em harmonia com os demais, com a natureza e com o próprio Criador. Por isso, são Paulo diz: “Eu sou o que sou pela graça de Deus” (1Cor 15,10). A graça é a razão principal de nossa alegria e de nossa coragem: “Basta-te a minha graça”, responde o Senhor quando são Paulo se queixa do aguilhão em sua carne (2Cor 12,9).

Há fermentos e fermentos. O bom fermento faz crescer a massa e a converte em pão, alimento básico. Na época de Jesus era difícil entender a vida diária sem o pão feito com trigo ou com cereais. Para fazer o pão é necessário o fermento. Uma pequena quantidade de fermento é suficiente para transformar uma quantidade maior de farinha de trigo. Mas existem outros fermentos, capazes de estragar a massa, de empobrecê-la. O bom fermento transforma a massa de trigo em pão saboroso. Mas o mau fermento estraga a massa e o pão já não será fonte de vida, mas será fonte de enfermidade e de morte.

Um fermento bom ou mau dentro de uma comunidade pode enriquecê-la ou destruí-la. Jesus quer que todos os seus seguidores evitem o fermento dos fariseus e de Herodes isto é, o orgulho/arrogância, a soberba, a hipocrisia. 

O orgulhoso não se preocupa em conhecer a verdade, mas apenas em ocupar uma posição em que ele possa ser o centro e a norma. Ele pretende que tudo esteja sujeito a si próprio. O orgulhoso gosta de desprezar, maltratar e colocar os outros na parede. Seus atos não precisam respeitar moral nenhuma, mas impõe aos outros normas morais e éticas.

Um hipócrita gosta de simular virtudes, sentimentos nobres e boas qualidades que não existem nele, com o intuito de conquistar a estima dos outros e obter louvores. Ele julga seus atos a partir da aprovação dos outros e não a partir do valor moral e ético. Ele é tão habilidoso em camuflar-se a ponto de nós o admirarmos. O hipócrita não tem consciência de que a dignidade da pessoa humana não consiste em parecer bom e sim em ser bom. “Foge por um instante do homem irado, mas foge sempre do hipócrita”, dizia Confúcio, sábio chinês.

Estes fermentos têm uma força suficiente para destruir uma comunidade por dentro. Uma atitude interior de vaidade, de hipocrisia e do legalismo (como os fariseus), de rancor, de egoísmo, de arrogância, de superficialidade interesseira e de sensualismo (como Herodes), pode destruir nossa própria vida e a vida de uma comunidade.

Mas quando dentro de nós e de uma comunidade há fé e amor fraterno tudo se transforma em fermento bom. Nossos atos visíveis têm sua raiz em nossa mentalidade e em nosso coração. O coração é de cada um de nós, mas o nosso rosto é dos outros, isto é, aquilo que tem no nosso coração passa a ser visível no nosso rosto e no nosso comportamento. Por isso, São Paulo nos dá o seguinte conselho: “Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda? Purificai-vos do velho fermento, para que sejais massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e de verdade” (1Cor 5,6-8).

O fermento bom transforma a massa de trigo em pão saboroso, alimento básico para o ser humano. O fermento mau/ruim estraga a massa de trigo e o pão se torna fonte de enfermidade e de morte. Que tipo de fermento sou eu na minha comunidade, no meu grupo ou na minha família? O que tem na sua mão diante da “massa” da comunidade: fermento bom ou fermento mau/ruim? “O espírito se enriquece com aquilo que recebe; o coração com aquilo que dá” (Victor Hugo).

P. Vitus Gustama,svd


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