A
CONVERSÃO É CRER NO DEUS DA MISERICÓRDIA E DA COMPAIXÃO QUE QUER VIDA PARA
TODOS
Primeira Leitura: Ez 18,21-28
Assim fala o Senhor: 21 “Se o ímpio se arrepender de todos os pecados cometidos, e guardar todas as minhas leis, e praticar o direito e a justiça, viverá com certeza e não morrerá. 22 Nenhum dos pecados que cometeu será lembrado contra ele. Viverá por causa da justiça que praticou. 23 Será que tenho prazer na morte do ímpio? — oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva? 24 Mas, se o justo desviar de sua justiça e praticar o mal, imitando todas as práticas detestáveis feitas pelo ímpio, poderá fazer isso e viver? Da justiça que ele praticou, nada mais será lembrado. Por causa da infidelidade e do pecado que cometeu, por causa disso morrerá. 25 Mas vós andais dizendo: ‘A conduta do Senhor não é correta’. Ouvi, vós da casa de Israel: É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa conduta que não é correta? 26 Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. 27 Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. 28 Arrependendo-se de todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá”.
Naquele
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A liturgia da Palavra de Deus neste dia é uma catequese sobre a justiça cristã. Quem é justo diante de Deus? Como podemos ser justificados? Ela também nos apresenta a nova lei, a lei de Cristo ou a nova justiça.
Deus não quer a morte do pecador e sim que se converta de sua conduta, e viva. Mas há que ter presente a liberdade e responsabilidade pessoais, já que a relação com Deus de Amor está muito longe de ser uma pura obediência mecânica ou um fatalismo irreversível. Por sua liberdade interior, o homem pode, em todo momento, converter-se e orientar sua vida para Deus. A Quaresma nos urge a fazer esta experiência. Uma das características da Quaresma é penitencial.
O cristianismo é a religião da interioridade e não a da ostentação e vã aparência diante dos homens. A piedade cristã tem por único objeto a Deus e a sua vontade. E o fundamento desta piedade é o amor. A conversão há de mostrar-se nas boas obras: ser mais carinhosos, mais amáveis, mais desprendidos, mais bondosos e caridosos.
Deus Quer a Vida Para Os Homens e Não Sua Perda Eterna
“Será que tenho prazer na morte do ímpio? — oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva?” (Ez 18,23).
A Primeira Leitura tirada do livro do profeta Ezequiel nos apresenta a ideia bíblica bastante avançada sobre justiça. Para falar sobre justiça Ezequiel fala sobre Deus.
Para o profeta Ezequiel o Deus do AT é também um Deus de amor, um verdadeiro Pai para suas criaturas. Este Deus é a Vida. Por ser a Vida, Ele não pode querer o contrário. Para todas as criaturas Ele é um Deus de vida. Consequentemente, Ele quer a vida para suas criaturas e não o castigo: “Será que tenho prazer na morte do ímpio? — oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva?” (Ez 18,23; cf. Os 11,8-9). A vida aqui deve ser entendida como a comunicação, o amor, a plenitude, a participação no gozo da verdadeira vida, na graça do Ser que é o próprio Deus. Trata-se da vida em plenitude.
“Será que tenho prazer na morte do ímpio? Não desejo, antes, que mude de conduta e viva?” O profeta Ezequiel nos apresenta a compaixão de Deus. Em Deus há uma paixão; o amor para o homem caído (cf. Jo 3,16). Em Deus há compaixão e misericórdia. Aqui se fundamenta a paixão e compaixão de Jesus (cf. Lc 6,36).
Este Deus de compaixão e de misericórdia há de castigar o pecado de acordo com a verdade, mas por outro lado, Ele não pode destruir a vida, pois seria contra a Si mesmo porque Ele mesmo é a Vida (cf. Jo 14,6; 11,25). A misericórdia de Deus atravessa a História sem fim, por mil gerações. O profeta Ezequiel insiste nisso. E esta misericórdia se tornou carne em Jesus Cristo. Jesus Cristo é a misericórdia feita carne.
Além de apresentar o Deus da compaixão e da misericórdia, o profeta Ezequiel derruba todo o gênero de coletivismo sobre o pecado.
A teologia tradicional judaica afirmava que o castigo, o sofrimento, dor do presente em uma pessoa são consequências do pecado ou de pecados do passado (antepassados), cometidos por si mesmo que os sofre ou por algum antepassado seu. É a teologia da responsabilidade coletiva que ouvimos dos lábios de Jó, dos dirigentes judeus diante do cego de nascença (cf. Jo 9,2-3) e de tantos pregadores recentes. Os desterrados de Babilônia expressavam esta ideia com a seguinte frase: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embotaram” (Jr 31,29; Ez 18,2). O conceito de comunidade, de povo era como um “dogma” na mentalidade semítica: a comunidade se salva, a comunidade perece. O individual se dilui no coletivo com todas as suas consequências.
Para o profeta Ezequiel, a fatalidade não intervém no plano individual. Deus não julga o indivíduo senão sobre sua justiça ou suas injustiças pessoais. Deus não quer a morte eterna nem o castigo, mas a vida para todos: “Se o ímpio se arrepender de todos os pecados cometidos, e guardar todas as minhas leis, e praticar o direito e a justiça, viverá com certeza e não morrerá. Nenhum dos pecados que cometeu será lembrado contra ele. Viverá por causa da justiça que praticou” (Ez 18,21-22; Cf. Jo 10,10).
Sem anular o princípio da responsabilidade coletiva (que liga solidariamente os membros da comunidade entre si e com seus antepassados), o profeta Ezequiel desenvolve o princípio da responsabilidade pessoal, que supõe uma avança revolucionária na teologia. Este princípio reza assim: “Eu vos julgarei a cada um conforme o seu procedimento” (Ez 18,30). O homem, cada homem sempre será dono de seu destino, e por isso, poderá escolher entre o bem e o mal, entre a morte e a vida, mas tudo depende dele (cf. Ez 18,5ss). Cada homem é possibilidade: para o bem ou para o mal. O homem é um terreno onde tudo pode crescer: trigo ou joio; ervas daninhas ou plantas comestíveis. Com a responsabilidade individual, é possível romper a cadeia do passado, já que o Senhor não quer a morte de nenhum homem. No entanto, para obter a vida não bastam os atos isolados, é necessário uma atitude firme e decidida: “Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. Arrependendo-se de todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá” (Ez 18,26-28). A responsabilidade recai sobre cada pessoa humana (responsabilidade individual). Para o profeta Ezequiel cada um é responsável pelos seus atos, de modo que, quem pecar, morrerá (Ez 18,4.18.20.24.26). Resta apenas a possibilidade de converter-se para viver (Ez 18,32), pois Deus é misericordioso que não quer a morte do pecador e sim sua conversão.
Em teoria, todos nós estamos de acordo com o princípio de responsabilidade individual, mas a práxis é outra coisa. Por causa do erro de um sacerdote, condenamos todos os sacerdotes; por causa da culpa ou do crime de um membro de um partido ou de uma instituição, logo dizemos que tal partido ou tal instituição não vale para nada! Emitimos juízos categóricos e rotundos/redondos contra aquele partido ou aquele grupo ou instituição. O profeta Ezequiel nos ensina que devemos nos despojar de uma mentalidade religiosa baseada nos méritos contraídos. Cada coisa deve ser tratada como uma coisa. Ou cada caso é um caso, como dizemos frequentemente. Assim também cada pessoa deve ser tratada como uma pessoa. O descobrimento da unicidade da pessoa é o coração da liberdade. Este descobrimento é o fruto da fé em Deus-pessoa ou provem do Deus-pessoa. Este Deus não é instrumento da escravidão. O valor indestrutível da pessoa depende da presença de um Deus pessoal.
” Será que tenho prazer na morte do ímpio? — oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva.... Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. Arrependendo-se de todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá”. É o recado de Deus para cada um de nós através da boca do profeta Ezequiel.
Deus nos ama como pessoas; Deus nos chama com um nome pessoal, conhecido unicamente por Ele (cf. Is 43; 49,16) e por aquele que recebe a chamada.
Ser Melhor Cristão
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Segundo Jesus o mandamento de “não matar” somente ficará superado no momento em que se pensar num amor universal que leva a amar e a perdoar. Uma sociedade não se torna justa somente por não matar. Somente o amor sem medida, convertido em solidariedade e igualdade de direitos para todos pode formar uma sociedade justa. O que está mandado não é “não matar” e sim “amar”. O pecado não é somente o mal que fazemos e sim o bem que deixamos de fazer (pecado de omissão).
Ser Cristão Reconciliado
Jesus chama os cristãos a fazerem uma passagem urgente: de uma prática religiosa formalista que põe ênfase sobre o cumprimento cultual (cumprir apenas preceitos) para a vivência do amor fraterno. O amor fraterno passa diante do culto. O primeiro de tudo e o mais essencial para cada cristão é o amor, pois “a caridade é a plenitude da lei” (Rm 13,10). Por isso, “Quanto mais tu amas, mais alto tu sobes” (Santo Agostinho).
Se houver discórdia entre os homens, a relação com Deu se rompe. Deus quer nos dizer: “Antes de ter relações corretas comigo, vocês devem tê-las entre vocês”. A caridade fraterna passa adiante do culto. A reconciliação é um princípio essencial de sobrevivência para as pessoas, as famílias, as profissões, as etnias de uma geração em geração.
Todos nós somos pecadores e devemos ter consciência de pecadores. Ninguém pode olhar para o outro e dizer que o outro é mau. Se tivermos uma boa formação de nossa consciência e se trabalharmos seriamente na nossa sensibilidade, a consciência nos acusará como pecadores. O insensível carece de consciência e nisto consiste a ruína. Somente um santo é que capaz de se reconhecer pecador, pois ele está sempre frente a frente com o Deus santo.
Para viver a vida cristã e a fé cristã temos necessidade de viver da superabundância da misericórdia de Deus. E somente tendo acolhido essa misericórdia infinita do Pai é que poderemos, por nossa vez, perdoar nossos irmãos. Amar é perdoar. Guardar rancor contra alguém é privar-se da bênção divina. De fato, cada pessoa não tem senão um só coração e não saberá parti-lo em dois, sob o risco de vê-lo dilacerar-se e morrer. A unidade do coração repousa sobre essa dupla misericórdia. O nosso mundo morre por falta de misericórdia, pois o mundo está repleto de agressividade de todos os tipos. Não tenhamos medo de denunciar esse drama, inclusive o mesmo drama que tem dentro de nosso coração.
P. Vitus Gustama,svd
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