quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

18/01/2023-Quarta-f Da II Semana Comum

SALVAÇÃO DO HOMEM ESTÁ ACIMA DE QUALQUER LEI HUMANA E CRENÇA

Quarta-Feira da II Semana Comum

Primeira Leitura: Hb 7,1-3.15-17

Irmãos, 1 Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, saiu ao encontro de Abraão, quando esse regressava do combate contra os reis, e o abençoou. 2 Foi a ele que Abraão entregou o dízimo de tudo. E o seu nome significa, em primeiro lugar, “Rei de Justiça”; e, depois: “Rei de Salém”, o que quer dizer, “Rei da Paz”. 3 Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem início de dias, nem fim de vida! É assim que ele se assemelha ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre. 15 Isto se torna ainda mais evidente quando surge um outro sacerdote, semelhante a Melquisedec, 16 não em virtude de uma prescrição de ordem carnal, mas segundo a força de uma vida imperecível. 17 Pois diz o testemunho: “Tu és sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec”.

Evangelho: Mc 3,1-6

Naquele tempo, 1Jesus entrou de novo na sinagoga. Havia ali um homem com a mão seca. 2Alguns o observavam para ver se haveria de curar em dia de sábado, para poderem acusá-lo. 3Jesus disse ao homem da mão seca: “Levanta-te e fica aqui no meio!”  4E perguntou-lhes: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” Mas eles nada disseram. 5Jesus, então, olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eram duros de coração; e disse ao homem: “Estende a mão”. Ele a estendeu e a mão ficou curada. 6Ao saírem, os fariseus com os partidários de Herodes, imediatamente tramaram, contra Jesus, a maneira como haveriam de matá-lo.

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Jesus Cristo é Nosso Sacerdote Eterno e Nosso Irmão

Irmãos, Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, saiu ao encontro de Abraão, quando esse regressava do combate contra os reis, e o abençoou... Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem início de dias, nem fim de vida! É assim que ele se assemelha ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre” (Hb 7,1.3). 

Hoje começamos a profunda exposição cristológica da Carta aos Hebreus (Hb 7,1-10,18). O tema central desta parte é o sacerdócio e o sacrifício de Jesus Cristo. Neste ponto, o escrito é absolutamente original; é o único do Novo Testamento que atribui a Jesus Cristo o título de sacerdote. O ponto de partida do pensamento da Carta é o gozosa mensagem da comunhão do homem com Deus por Jesus Cristo, superando assim o pecado e chegando à salvação. O autor da Carta expõe esta fé na chave cultual: a grande meta do homem é “aproximar-se” do Deus vivo para “dar-Lhe culto” e, assim, ser “purificado” do pecado e conseguir a “perfeição” por meio do “sacerdote, o Filho de Deus e Homem perfeito.

O capítulo sete da Carta aos Hebreus é dedicado ao tema do sacerdócio. O autor encontra no Antigo Testamento um texto que lhe permite falar tanto do sacerdócio de Cristo como do antigo: “Javé jurou e jamais desmentirá: ‘Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec’” (Sl 110/109,4). A alusão a Melquisedec o conduz a Gn 14,18-20 (único texto histórico onde aparece este personagem), passagem da qual faz uma leitura curiosa e profunda. O relato do Gn 14 não menciona nem o nascimento nem a morte do Melquisedec. O sumo sacerdote parece participar da eternidade divina: se assemelha ao “Filho de Deus”, como se faz notar na Carta aos Hebreus. Com efeito, para o autor da Carta aos Hebreus, a ausência de descendência levítica e a perpetualidade do sacerdócio parecem ser os traços mais característicos do sacerdócio “novo estilo”.

Por um lado, aparece a grandeza quase infinita do Melquisedec (Hb 7,1-3). Por outro lado, sua superioridade sobre Levi e seu sacerdócio (Hb 7,4-10). No horizonte destas lucubrações aparece a figura de Jesus Cristo com os dois títulos que o definem: Ele é o Filho de Deus e é o sacerdote supremo “segundo a ordem de Melquisedec”, isto é, o sacerdote do Novo Testamento se dá de uma maneira totalmente gratuita, não depende da carne nem do sangue, carece de genealogia (Hb 7,3) como Melquisedec.

Quando dizemos, com o Salmo 109: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec”, queremos expressar esta singularidade de Jesus em sua missão de Mediador entre Deus e a humanidade: é sacerdote não segundo umas leis humanas e sim de um modo muito especial. Melquisedec aparece assim como figura e profecia de Cristo, o verdadeiro sacerdote que Deus nos enviou na plenitude dos tempos. 

No regime antigo (AT), cada sacerdote era distinto. Agora, ao contrário, cada sacerdote celebra, e especialmente, consagra a Santíssima Eucaristia “em Pessoa de Cristo”, pois está claríssimo que nenhum ser humano por si mesmo tem potestade para fazer possível a presença real de Cristo e de sua oferenda sobre o altar eucarístico. Neste aspecto, há que afirmar que o sacerdócio de Cristo não se “divide” em seus sacerdotes, nem “cessa” em uns sacerdotes para alcançar os outros como aconteceu no sacerdócio antigo (AT). 

A Carta aos Hebreus nos ajuda a centrarmos nossa atenção neste Sumo Sacerdote que era, que é e que será. Estamos gozosamente convencidos de que Jesus tem sido constituído Sacerdote e Mediador em ambas as direções. Porque é o Filho de Deus e é o Irmão dos homens, Ele nos traz, da parte de Deus, a salvação, o perdão, a Palavra, e Ele leva a Deus nossos louvores, petições e oferendas. Assim temos acesso à comunhão de vida com Deus. 

Convém nos recordar esta relação entranhável que temos com Jesus Cristo. Toda bênção, toda palavra, todo perdão recebemos de Deus por Ele, com Ele e n´Ele. Assim como todo nosso louvor sobe ao Pai por Ele, com Ele e n´Ele, e assim também todas as nossas orações dirigimos a Deus “por Jesus Cristo, nosso Senhor”. Em Cristo Jesus, Sacerdote eterno, temos a salvação e a fonte de vida eterna. N´Ele fica apagada nossa culpa; n´Ele também participamos da Vida divina, e somos apresentados diante do Deus Pai como filhos seus. Não há graça maior do que tudo isso. 

O Homem É Mais Sagrado Do Que Qualquer Lei Humana 

O Reino de Deus propõe a reconstrução do ser humano de modo integral (de dentro e de fora). Nos evangelhos se simbolicamente que esta reconstrução vai sucedendo gradualmente: uma vez, a cura de sua vista, outra vez, de sua mão, ou transformar suas ações, ressuscitar quem se encontra morto. Por isso, para Jesus deixar de fazer o bem no dia de sábado, negando uma cura para um pobre que necessita é pecar. Assim, a dinâmica do Reino também é exigente: se não reconstruirmos o homem, estaremos colaborando na sua destruição. Quem ama somente pratica o bem. O amor é o cumprimento de todas as leis (Rm 13,10). Pelo caminho do amor, não há outro caminho para a salvação. 

Continuamos ainda a acompanhar a controvérsia entre Jesus, de um lado, e os fariseus e os escribas, de outro lado. O tema da controvérsia ainda está em torno da observância do preceito de Sábado. Novamente Jesus quer manifestar sua convicção de que a lei do Sábado está a serviço do homem e não o contrário. Por isso, diante de seus inimigos que espiam suas atuações Jesus cura o homem do braço paralisado (mão seca). E Jesus o fez provocativamente dentro de uma sinagoga no dia de Sábado. 

O que tem o valor supremo: a lei ou o bem do homem e a glória de Deus? Esta é a questão nessa controvérsia. Em sua luta contra a mentalidade legalista dos fariseus, ontem Jesus disse: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Hoje Jesus aplica o principio para um caso concreto contra a interpretação que alguns faziam que preocupados mais com uma lei minuciosa do que com o bem das pessoas, sobretudo, com os que sofrem.

É permitido no Sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” (Mc 3,4). Essa foi a pergunta de Jesus aos fariseus. Como sabemos que o Sábado era um dos preceitos divinos mais claros e mais indiscutíveis. O Sábado era uma espécie de documento de identidade do Povo eleito. Sua observância estava rigidamente regulada. Algumas exceções eram admitidas por motivos de particular gravidade. Por exemplo, era permitido salvar a vida com a fuga, ajudar um homem em perigo ou uma mulher com dores de parto ou em caso de incêndio e assim por diante. Porém, de qualquer forma tratava-se sempre de exceções a uma regra. 

Para Jesus, ao contrario, o que muda é a regra. A lei, sim, mas o legalismo, não. A lei é uma necessidade. Porém, atrás de cada lei deve respirar amor e respeito ao homem concreto. Atrás da letra está o espírito e o espírito deve prevalecer sobre a letra. Para Jesus o bem do homem está acima da observância do Sábado, e isso, não somente em caso de perigo de morte, mas em qualquer situação. “Portanto, é licito fazer o bem também no Sábado” (Mt 12,12b). Qualquer homem necesitado é o senhor do Sábado, isto é, a obra prima de Deus precisa de restauração: o homem necessitado. Jesus proclama, assim, o valor absoluto do amor. Jesus recorda a todos que para Deus o mais importante é o homem, o bem do homem e não a regra por regra ou lei por lei. Não somente salvar a vida do homem e sim simplesmente fazer o bem a ele em qualquer lugar e momento e para qualquer pessoa. A lei suprema da Igreja de Cristo são as pessoas, a salvação das pessoas. “Na Igreja a salvação das almas deve ser sempre a lei suprema” (Código De Direito Canônico, Cân. 1752, o último Cânon). Se não a Igreja perderia sua razão de existir. A glória de Deus está sempre e unicamente no bem do homem. Não se trata de exaltar o homem constituindo-lhe centro das coisas. Mas trata-se de conhecer mais fundo o coração de Deus que ama o homem a ponto de enviar seu Filho unigênito a fim de que o homem seja salvo (Jo 3,16). O poder de Deus se manifesta no amor e nisto está sua honra. Para Jesus a observância do Sábado deve celebrar esse amor fraterno e não desmenti-lo nem negá-lo. Assim, mais uma vez, Jesus quer manifestar sua maneira de viver de que a lei do sábado está a serviço do homem e não o contrário. 

“Havia, na Sinagoga, um homem com a mão seca. ‘Estende a mão’, disse Jesus. O homem com a mão seca a estendeu e a mão ficou curada”, assim relatou o evangelista Marcos. Na antropologia bíblica, a mão está carregada de simbolismo. A mão está ligada à idéia de força e de poder. Estar na mão do outro significa estar sob o seu poder. A mão direita era sinal de força, de sabedoria e de fidelidade. Como rezamos no Credo: Jesus “ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso...”. Isto quer dizer que Jesus mostrou sua fidelidade à vontade de Deus Pai até o fim. a mão esquerda era sinal de fraqueza, de ignorância e de desgraça. 

O homem do texto do evangelho de hoje está com a mão seca. É um homem sem iniciativa e incapaz de lutar por seus direitos, e por isso, é uma vitima da desumanização. Jesus é Deus que salva. Por isso, ele toma iniciativa para curar o homem a fim de humanizá-lo novamente. Para esse homem de mão seca ressoa a primeira palavra de Jesus: “Levanta-te e fica aqui no meio!”. A tarefa principal de Jesus, antes de tudo, é o levantamento das pessoas humanas em perigo da vida, a restauração da obra de Deus (cf. Mc 1,31; 2,9.11.12.14). o próprio Jesus será o Homem (Filho do Homem) “levantado” ou “ressuscitado” (cf. Mc 16,6: “ressuscitou”). O homem com a mão seca é chamado para ficar no meio, no “centro”. O que estava na margem, excluido de participar da assembleia do povo, marcado pela “impureza”, segundo a mentalidade da época, é chamado por Jesus para colocar no centro da atenção, isto é, o homem necessitadoé mais sagrado do que qualquer lei puramente humana.

Jesus cura o homem de mão seca no pleno Sábado e dentro da sinagoga. Com a mão curada, o homem volta a ter aptidão para fazer o bem. Ao colocar o homem no meio das pessoas, Jesus quer recordar a todos que qualquer pessoa deve ser respeitada, protegida, defendida, levada em consideração acima de qualquer lei por sagrada que ela pareça ser e acima de qualquer crença. Toda religião deve se preocupar com a salvação do homem e não com a salvação de umas regras. 

Jesus quer nos relembrar que nenhuma religião ou nenhuma prática religiosa pode impedir o encontro fraterno e a vivência do amor e do respeito mútuos nem pode impedir serviço solidário. Ao contrário, os que praticam religião devem ter cada vez a sensibilidade humana, devem ser mais humanos e irmãos para com os demais. A passagem para chegar ate Deus passa necessariamente pelo irmão. O próximo é a passagem obrigatória para chegar ao céu. Qualquer um pode não encontrar Deus, mas não tem como não se cruzar com o próximo. O próximo é ocasião de salvação para mim como também sou uma ocasião de salvação para o outro. No sentido bíblico, será que minha mão, sua mão está paralisada? O que deve se fazer para deixar de ficar paralisada?

P. Vitus Gustama,svd

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