IV
DOMINGO DA PÁSCOA
ESCUTAR PERMANENTEMENTE A VOZ DO BOM PASTOR
Texto: Jo 10,27-30
Naquele tempo, disse Jesus: 27“As
minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. 28Eu
dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de
minha mão. 29Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém
pode arrebatá-las da mão do Pai. 30Eu e o Pai somos um”.
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O quarto domingo da Páscoa é
chamado de o Domingo do Bom Pastor porque em cada um dos três anos do ciclo litúrgico,
é lida uma passagem de Jo 10 onde se fala de Jesus como o Bom Pastor, cujo tema
principal são as afirmações de Jesus: “Eu sou”: “Eu sou a porta” e “Eu sou o
bom pastor”. No texto deste domingo não se menciona Jesus como o Bom Pastor
diretamente, somente a partir do v.11. No evangelho deste domingo acentua-se
outro aspecto desse bom pastor. E o discurso de Jesus sobre a porta das ovelhas
e o Bom Pastor se apresenta como continuação lógica da perícope imediatamente
anterior, sobre o cego de nascença (Jo 9).
Como
o pano de fundo de Jo 10 é necessário ler dois textos do AT: Ez 34,1ss e Jr
23,1ss. Nestes textos fala-se da denúncia profética contra os maus pastores. Os
maus pastores são denunciados por estarem mais preocupados em se alimentar do
que em fornecer alimento para as ovelhas confiadas ao seu cuidado; em cuidar da
própria vida do que a vida do rebanho. Em vez de tomar conta das ovelhas, eles
se omitiram, e sacrificavam as mais gordas para se deliciar da sua carne e se
vestir com sua lã. Os maus pastores estão preocupados com o seu conforto, com o
seu bem estar, em salvar a situação pessoal e familiar, e deixam o restante se
perder.
E
os pastores de hoje: sacerdotes/padres, religiosos, pastores, líderes,
dirigentes da comunidade, são melhores dos antigos ou se tornaram ovelhas
perdidas, em vez de serem pastores/líderes de confiança?
O uso metafórico do substantivo
“pastor” (poimén em grego) aparece 14 vezes no NT (Mt 9,36;25,32;26,31;Mc
6,34;14,27;Jo 10,2.11.12.14.16;Ef 4,11;Hb 13,20;1Pd 2,25).
No evangelho de João, a palavra
“pastor” faz parte do vocabulário da auto-revelação do Messias; ela é precedida
da afirmação “egó eimí”, “Eu sou”. Em Jo, sete vezes, Jesus toma a palavra para
se autoproclamar:
· 6,35: Eu
sou o pão da vida;
· 8,12: Eu
sou a luz do mundo;
· 10,7: Eu
sou a porta;
· 10,11: Eu
sou o bom pastor;
· 11,25: Eu
sou a ressurreição e a vida;
· 14,6: Eu
sou o caminho, a verdade e a vida;
· 15,1: Eu
sou a videira verdadeira.
O pastor de Jo 10 assume o comportamento
do guia: conduzir para fora, levar para fora, caminhar adiante (Jo 10,4) e os
aspectos de providência e salvação: quem entra pela porta, que é Jesus (Jo
10,9) será salvo, pois ele veio para que as suas ovelhas “tenham a vida em
abundância” (Jo 10,10).
No evangelho de hoje o que se fala é que as ovelhas de Jesus ouvem a sua voz. Ele as conhece e elas O seguem. Jesus lhes dá a vida eterna e as protege. Ninguém poderá arrancá-las das mãos de Jesus, pois a força protetora de Jesus é a própria força do Pai. O tema da proteção de Jesus é comum para o evangelho de Jo (cf. Jo 6,39ss;17,12;18,9).
Algumas mensagens:
1.
Escutar a voz do verdadeiro Pastor
O
texto diz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz...e eles me seguem” (v.27).
Isto quer dizer que a iniciativa de seguir Jesus sempre vem dele. É ele quem
nos chama. Nós vivemos no meio do mundo. Ouvimos muitos apelos e vozes e nunca
faltam mensagens enganosas e encontramos freqüentemente muitas pessoas que se
dizem “pastores” e prometem vida, conforto e felicidade, mas nos decepcionam.
Para não cair na armadilha é necessário termos o discernimento e apurarmos os
ouvidos para escutar melhor a voz do verdadeiro Pastor que é Jesus Cristo.
Somente Cristo é o pastor que não nos decepciona. É ele quem dá sentido à nossa
vida. É preciso ler, escutar meditar a Palavra de Deus freqüentemente, pois
quem a escuta raramente é dificilmente identificar a voz do Pastor no meio da
multidão de vozes que também querem chamar a nossa atenção. O maior drama do
homem certamente consiste em não escutar Deus e a Sua Palavra. Para poder
escutar Deus é necessário criar o silêncio dentro de nós. O silêncio
possibilita a presença da eternidade.
Com a expressão “as minhas ovelhas
escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (v.27), o evangelista quer
nos transmitir a fé da comunidade onde se originou o quarto evangelho. A
comunidade joanina se sentia intimamente unida a Jesus, seu pastor, fortalecida
na proteção de Jesus e na força do Pai contra todos os inimigos da salvação. É
um relacionamento de amor profundo.
Somos vítimas de uma chuva de tão
esmagadora de palavras, vozes e ruídos que corremos o risco de perder nossa
capacidade para escutar a voz que necessitamos ouvir para ter vida. O homem moderno
necessita urgentemente recuperar novamente o silêncio e a capacidade de escuta,
se não quer ver sua vida e sua fé afogadas progressivamente na trivialidade.
2. A certeza de sermos
conhecidos e amados por Deus
“Eu
conheço as minhas ovelhas” (v.27).
“Conhecer” biblicamente não se refere a um mero conhecimento intelectual.
Conhecer na bíblia ultrapassa o saber intelectual e abstrato. Ele exprime muito
mais a relação de amor. Quando Jesus diz que conhece as suas ovelhas, isto quer
dizer que ele tem para com elas/todos nós uma relação de amor profundo. O mesmo
amor que o une ao Pai, Jesus exprime também para as suas ovelhas, todos nós: um
amor fiel, eterno, indestrutível. Deus me ama com os meus ideais e as minhas
decepções, com os meus sacrifícios e alegrias, com os meus sucessos e
fracassos.
A
partir deste significado, cada um de nós não tem mais o direito de
perguntar-se: “Será que Deus se esqueceu de mim?” Mas se tivermos a certeza de
que tudo em nós, cada situação que atravessamos, é conhecido pelo Pastor de
nossas vidas, poderemos encontrar a paz e a perseverança nas nossas lutas.
A
partir deste significado, devemos questionar um pouco de nosso modo de viver,
especialmente a dimensão afetiva de nossa vida. Na nossa vida facilmente
desvalorizamos a dimensão afetiva. Dedicamos muito mais atenção à dimensão do
fazer, do produzir, do ter, esquecendo-nos das outras dimensões da vida: o
lazer, o gostar, o amar etc. Na própria família isso acontece, pois cada um
acaba correndo atrás de seus compromissos, descuidando de cultivar os
relacionamentos afetivos entre as pessoas. Muitas vezes temos dificuldade em
experimentar o que significa amar e ser amado. Essa dificuldade humana está
pondo barreiras também para a nossa vivência do amor de Deus e do abandono
confiante nele.
3. A certeza de ser
aceito
Se
Deus nos ama porque ele nos aceita. Eu sou aceito por Deus tal como sou e não
como eu deveria ser. A experiência da aceitação por Deus em Cristo possibilita
um novo começo. Nada na vida humana tem um efeito tão definitivo e fatal quanto
a experiência de não ser aceito totalmente. Quando eu não me sinto aceito
totalmente, algo se quebra em mim. A vida em que não há aceitação da parte dos
outros é uma vida na qual não se realiza uma das aspirações mais fundamentais
do ser humano. Ser aceito significa que as pessoas com quem convivo me dão um
sentimento de dignidade e respeito próprio e me fazem sentir que eu sou alguém
que vale a pena. Um ser humano que é aceito é um homem feliz, pois está aberto
e pode crescer.
Sentir-nos
assim amados e aceitos e cuidados pelas mãos do Pai nos compromete a sermos
testemunhas vivas do grande amor com que ele nos ama. Mas será que estamos
dispostos a seguir fielmente o Bom Pastor, mesmo quando isso for difícil? Será
que temos certeza de que ninguém pode nos arrebatar da mão do Pai e que “nada
poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus” (Rm 8,38)?
4. Ser pastor para os
outros
Jesus
continua a ser o Bom Pastor no mundo inteiro, para todos os seres humanos. Mas
todos nós, cristãos, por nosso testemunho, participamos do pastoreio universal
de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo que somos conduzidos, ouvindo a sua voz, sendo
ovelhas, exercemos também a missão de pastores, conduzindo os outros até as
fontes da vida: Cristo. Assim Cristo está ressuscitando no mundo através de nós.
P. Vitus Gustama,svd
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