V DOMINGO DA PÁSCOA DO ANO “C”
AMAR COMO JESUS NOS AMOU
Domingo, 28 de Abril de 2013
Texto: Jo 13,31-32.34-35
31Depois que Judas saiu do
cenáculo, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi
glorificado nele. 32Se Deus foi glorificado nele, também Deus o
glorificará em si mesmo, e o glorificará logo. 33aFilhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. 34Eu
vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim
também vós deveis amar-vos uns aos outros. 35Nisto todos conhecerão
que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.
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Jo 13 abre a segunda parte do
evangelho de João (13-20) que fala da exaltação de Jesus, isto é, de sua
glorificação na morte e ressurreição. Outros consideram esta segunda parte como
o “Livro de Grande Sinal”, pois a ressurreição do Senhor é realmente o grande
sinal. E outros ainda consideram como “Livro da Glória”. Jo 13 se encontra no
contexto da despedida de Jesus de seus discípulos (Jo 13-17).
1.
O tema da glorificação do Filho do Homem (vv.31-32)
O discurso da despedida de Jesus
começa com uma proclamação da glorificação do Filho do Homem: “Agora foi glorificado o
Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. Se Deus foi glorificado nele,
também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo”. O termo “glória” aqui
significa a manifestação da presença e do poder de Deus. A glória implica uma
manifestação visível da majestade divina em atos de poder, na criação ou na
história. Aceitar Deus na vida do homem com as exigências que ele implica é
glorificar ou dar a glória a Deus. Em Jesus, esta glória se cumpre na sua morte
e ressurreição que constituem uma ação de seu próprio poder (Jo 10,17-18).
Lembre-se também de que o poder de Jesus é ao mesmo tempo o poder de Deus. O
tema da glorificação se encontra no início (Jo 13,31-32) e no final (17,1.4-5.10.22.24)
dos diálogos de despedida. No evangelho de João fala-se da morte de Jesus
exclusivamente em termos de exaltação, glorificação, passagem ao Pai etc. Na
teologia joanina, então, a glorificação de Jesus está intimamente ligada com a
sua paixão e morte. A glorificação de Jesus é manifestada pela cruz como pela
ressurreição, ao mesmo tempo. Deus é
glorificado quando o Filho faz a vontade do Pai.
Se seguirmos o modo de pensar do
mundo, diremos que Jesus deveria ter descido milagrosamente da cruz, mostrando
seu poder e glória, para matar os inimigos. Porque para o mundo, é
“glorificado” quem conquista vitórias, quem derrota seus inimigos, quem alcança
o poder, quem acumula riquezas, quem possui mansões e palácios, carros e muitos
empregados. Tudo isto não é a glória de Deus. Jesus é glorificado, e por isso
glorifica o Pai, não quando aniquila quem o odeia, mas quando muda o seu
coração, quando faz sorrir quem chora, quando devolve a esperança para quem
sabe que fez tudo errado na vida. Por isso, a hora da sua maior glória é a
cruz, pois nela que ele manifestou todo o seu amor. Este deve ser o caminho de
todos os seguidores dele.
Se os homens não procurarem apenas
sua própria vida mortal ou a “glória mundana”, mas procurarem colocar na
prática a vontade de Deus, a morte de Cristo será realmente para eles. Uma
pessoa de alma nobre não sai à procura da glória mundana, mas do bem. Mas uma
pessoa de alma mundana somente tem um conceito de moral completamente
superficial, calculado exclusivamente pela aprovação e pelo aplauso. Ela é
impelida a agir não pela consciência do bem, mas pelo desejo da “glória”. Ou na
frase de Cícero: “Ele pretende ser a todo o custo o primeiro de todos” (Maxime vult princeps omnium esse). Quem desejar ser a todo o custo o primeiro,
dificilmente se preocupará com ser justo. Por isso, essa pessoa vive uma vida
ansiosa, dominada por uma contínua tensão.
Estes dois versículos (31-32) são
interessantes também por referir-se ao “Filho do Homem”, título que, dentro da
segunda parte do Evangelho de João (Jo 13-20), aparece unicamente aqui,
enquanto que na primeira parte (Livro dos Sinais) aparece doze vezes. O Filho
do Homem em João é o Filho de Deus; ele desce do céu e de novo sobe para o céu (Jo
3,13;6,62 etc.). Ele está em íntima união com Deus, “habitando nele”. Ele é
modelo pelo menos no sentido de que sua relação com o Pai é o arquétipo da
verdadeira e última relação dos homens para com Deus. Ele é aquele que encarna
em si o povo de Deus ou a humanidade no seu aspecto ideal. Os homens só podem
atingir esta união íntima com Deus na medida em que estão incorporados em Jesus
Cristo.
2.
O novo mandamento: o de amor (vv.33-35)
Na segunda parte do texto de hoje,
Jesus chama os discípulos com o termo de afeto “filhinhos” (teknia em grego). Este termo aparece
sete vezes na primeira carta de João (1Jo 2,1.12.28;3,7.18;4,4;5,21). Os
mestres judeus, segundo os dados, podiam dirigir-se a seus discípulos com a
expressão “filhos”. Em Mc 10,24, Jesus chama os discípulos “meus filhos” (tekna, em grego), enquanto que em Mt
18,3;19,4, Jesus adverte aos discípulos que devem ser como as crianças.
Para entender o sentido das s
palavras de Jesus, devemos nos lembrar que essas palavras foram ditas na Última
Ceia, uma Ceia de despedida. Pela experiência sabemos que os filhos de uma
família consideram sagradas as palavras (testamento) que o pai lhes diz nos
momentos antes da morte. Da mesma forma, sabendo que restam poucas horas de vida,
Jesus quer que as palavras dirigidas aos discípulos sejam lembradas por eles.
Jesus não deixa uma herança
material. A “herança” que ele deixa é aquilo que ele construiu durante toda a
sua vida. Ele quer que os discípulos guardem como herança preciosa o seu
exemplo, pois é a herança que conduz à felicidade, aqui e agora. Eis o seu
testamento, a declaração de sua última vontade: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos
outros...Como eu vos amei...”(veja
Jo 15,9-17).
O amor que Jesus prescreve aos seus
é um mandamento (v.34). Para João, este termo “mandamento” tem um sentido mais
doutrinal que moral, mais institucional que legal, pois ele usa o termo “entolê”
(mandamento) em vez de “nomos” (lei), reservado à Lei de
Moisés. “Entolê” designa, às vezes, a
missão de Jesus (Jo 10,18;12,49s;14,31). Por isso, este mandamento convida os
discípulos a assumirem a missão de Cristo como um serviço de amor. E o amor
permite que Cristo permaneça presente na comunidade cristã (Cf. Jo 14,23).
“Amar” é um verbo transitivo: o verdadeiro
amor não é um amor a si mesmo, para si mesmo e em si mesmo. Claro que o ponto
de partida e a base do amor a Deus e ao próximo é o amor a si mesmo no sentido
de saber respeitar-se e valorizar-se; porém, este amor próprio não deve jamais
converter-se numa meta. O amor egoísta é condicional; você ama na condição de
que suas necessidades sejam satisfeitas. Se sente que está dando mais do que
está recebendo, talvez você simplesmente pare de amar. O “amor” da pessoa mais
dominante consome o outro. O amor cristão (altruísta, ágape), ao contrário,
está sempre acima de suas próprias necessidades. Ele é transcendente. Quando o
amor é transcendente, você está tentando alcançar um lugar superior: Deus de
amor. “Quanto mais amas, mais alto tu sobes”, dizia Santo Agostinho.
Por isso, o amor é especial quando
se dirige a alguém e quando procede de alguém; quando vem de uma pessoa e se
dirige a outra pessoa. É impossível amar o outro tal como ele é, e é impossível
reconhecê-lo verdadeiramente na sua alteridade essencial, sem recusar-se a
fazer de si um centro, um absoluto. Por isso, o amor é a base sobre a qual se
constrói o mundo inteiro. O amor é a raiz de toda civilidade e de toda
moralidade. Sem amor, seria impossível convivermos em paz uns com os outros,
respeitar as necessidades uns dos outros e tratar a todos com a compaixão que
nós mesmos gostaríamos de receber.
O AT já conhecia o mandamento do
amor (Lv 19,18.35). Mas amor, neste texto, parece limitado aos consangüíneos e
correligionários. Em que consiste, então, a novidade do mandamento de Jesus?
Para expressar a novidade, os gregos usavam dois adjetivos: Neos
e Kainos. “Neos” indica a novidade no tempo, a novidade
cronológica, aquilo que acontece hoje e não acontecia antes. “Kainos” é mais
rico em significado porque indica novidade qualitativa (e não só no tempo),
algo de novo e original em relação ao que habitual; indica uma superioridade em
relação ao que precede. Por isso, João prefere o termo “kainos”. E somente João
usa este termo exclusivamente para indicar o amor (cf. 1Jo 2,7-8;2Jo 5). Para
João o amor é novidade escatológica. E ele está convencido de que o amor é
verdadeira novidade de Cristo e é seu dom mais específico e original. O amor é
cerne da originalidade cristã.
Por isso, “Novo” porque os
discípulos têm que amar-se como
Jesus tem os amado. A palavra grega “katôs”
(como) não indica uma simples comparação (‘à maneira de”), mas uma profunda
conformidade. Em outras palavras, não podemos verdadeiramente amar os outros a
não ser que tenhamos experimentado o amor de Cristo por nós e aceitemos
irradiá-lo para os outros. Quando o que conta é o modo de amar como Cristo nos
amou, aquele amor calculista perde seu espaço. O amor de que os cristãos dão
testemunho entre si e para os outros prolonga a missão de Jesus entre os homens
que o mundo incrédulo poderá discernir a este sinal dos discípulos de Cristo. O
elo entre o amor dos cristãos e Jesus Cristo é essencial. O homem só pode
realizar seu destino amando Deus com um amor filial de companheiro e com um
amor fraterno de filho de Deus. Por isso, o amor não é um fato casual, mas é um
estilo de vida para cada cristão. E o amor é uma forma de nos comunicarmos com
Deus profundamente. Por isso, o amor é um ato sagrado, a forma mais pura de
alimentar a alma de outra pessoa, assim como a sua própria.
De que modo Jesus ama? Jo 13,1
explica: “Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o
fim”, ou seja, até as últimas conseqüências do gesto de amar, até afirmar,
na cruz: “Tudo está consumado” (Jo 19,30). É amar o outro apesar de suas
fraquezas. Jesus ama mais do que a própria vida, chega até ao final do amor,
sem nada poupar. Ele renuncia a todo interesse e glória própria. Jesus nos
mostra que não se ama uma pessoa porque ela o merece, mas porque precisa do
nosso amor para ser feliz, pois só assim ela poderá conseguir que supere a
própria condição de miséria. Por isso, somente ele pode ser a norma do amor. O amor que Cristo
ordena encontra nele o modelo, a origem e a medida.
No seu mandamento, Jesus não pede
nada para si mesmo nem para Deus. Não pede que nós demos a vida por ele. O que
Jesus nos pede é que amemos as pessoas tendo como ponto de referência sua
prática de amor: amou até as últimas conseqüências. Amando o próximo é que
podemos chegar a amar a Deus. É no ser humano que Deus quer ser amado. Por
isso, João, na sua primeira carta diz: “Quem não ama seu irmão, a quem vê,
não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). O mandamento novo
consiste em ser como Jesus: a capacidade de amar até o fim ou ser semelhante a
Jesus no seu amor sem limite. O mandamento tem ao mesmo tempo a dimensão
cristológica (como eu...) e eclesiológica (uns aos outros...).
“Nisto todos reconhecerão que sois os meus
discípulos: se vos amardes uns aos outros” (v.35). Como seres humanos, os
cristãos não são diferentes dos outros, não vivem fora do mundo, não são
pessoas isoladas das outras. A marca
distintiva dos cristãos é o amor mútuo, a solidariedade fraterna, e não se
trata de um amor egoísta e sectário. O amor será o sinal missionário se o
cristão estiver atento a comunicá-lo, não de maneira paternalista, mas de
maneira cristológica: amar como Cristo ama até as últimas conseqüências: paixão
e a morte na cruz. Por isso, o amor recíproco do que se fala no texto tem como
modelo a cruz. É, por isso, o amor universal e gratuito. Pelo amor e pela
solidariedade fraterna os cristãos serão reconhecidos como verdadeiros
cristãos. Por isso, os cristãos devem ser uma comunidade que se ama e que ama,
uma comunidade capaz de mostrar o amor de Deus por todos. Se não praticarem o
amor que Jesus ordena, não serão chamados mais de discípulos do Senhor. O amor
mútuo é que mantém uma comunidade cristã existir. E deixa de existir, se não
vive o amor ordenado por Jesus.
P. Vitus Gustama,svd
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