CORAÇÃO: ONDE VOCÊ COLOCA O SEU?
Sexta-feira da XI Semana
Comum
21 de Junho de 2013
Texto de leitura: Mt 6,19-23
Naquele tempo, disse Jesus a seus
discípulos: 19 “Não junteis tesouros
aqui na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e os ladrões assaltam e
roubam. 20 Ao contrário, juntai
para vós tesouros no céu, onde nem a traça e a ferrugem destroem, nem os
ladrões assaltam e roubam. 21 Porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu
coração. 22 O olho é a lâmpada do
corpo. Se o teu olho é sadio, todo o teu corpo ficará iluminado. 23 Se o teu olho está doente, todo o
corpo ficará na escuridão. Ora, se a luz que existe em ti é escuridão, como
será grande a escuridão.
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Ainda estamos no Sermão da Montanha
onde encontramos várias orientações de Jesus para seus seguidores, os cristãos.
Depois dos três atos fundamentais de culto: esmola, jejum e oração, no texto do
evangelho de hoje Jesus fala sobre lugar devido para nosso coração. O que
devemos fazer para que não nos convertamos em materialistas ou secularizados? No
uso dos bens o importante é fazer escolhas claras e limpas: “Não
ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde
os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os
consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque
onde está o teu tesouro, lá também está teu coração” (Mt 6,19-21). Jesus
personaliza ao máximo seu ensinamento e por isso, ele passa de “vós” para “tu”
na sua afirmação. Com isso o texto quer nos mostrar que Jesus está interessado
em nossa situação pessoal.
Jesus usa uma imagem inesquecível:
traça. Traça é um pequeno inseto, mas destrói móveis: casa ou armário e os
demais moveis de madeira. Com esta imagem Jesus quer nos dizer que não podemos
nos concentrar somente nas coisas elementares da vida capazes de destruir nossa
dignidade. É preciso que nos concentremos nas coisas essenciais; é preciso que
tratemos mais coisas essenciais capazes de construir nossa vida e nossa
convivência como filhos e filhas de Deus, capazes de nos levar para a comunhão
com Deus. “Ajuntai para vós tesouros no céu”. A riqueza “no céu” é Deus
mesmo (cf. Mt 19,21). “No céu” significa “em Deus”. O que é investido em Deus
tem seu valor duradouro. Charles Chaplin dizia: “Não se mede o valor
de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do
homem é o seu caráter, suas idéias e a nobreza dos seus ideais”.
O oposto a acumular riquezas é
compartilhar o que se tem, obra de generosidade. O apego ao dinheiro faz do
homem um miserável; é precisamente o desapego, que se traduz no dom é que dá
valor à pessoa. Jesus põe o valor da pessoa no desprendimento, que manifesta o
amor.
O Evangelho de hoje, na verdade, é
uma explicação do conteúdo da primeira bem-aventurança: “Bem-aventurados os
pobres no espírito, porque deles é o reino do céu” (Mt 5,3). “Pobre no
espírito” consiste no desapego interior às riquezas; também significa são os
humildes de coração em oposição aos orgulhosos (interpretação dos Padres da
Igreja); significa os que se submetem interiormente, sem resistência, à vontade
de Deus, os que aceitam humildemente o senhorio de Deus sobre suas vidas. É uma
atitude de humildade diante de Deus, nascida da fé em Deus, da experiência de
Deus e que se traduz em atitudes e condutas de bondade e de mansidão, de
misericórdia e de compaixão, de tolerância e de compreensão. São atitudes
opostas às de orgulho, de prepotência e da violência, do endurecimento e da
intransigência. Jesus foi um pobre espiritualmente porque seu alimento foi
sempre a vontade do Pai (cf. Jo 4,34), sendo obediente até a morte, e morte de
cruz.
“Onde está o teu tesouro, aí estará o
teu coração”. Neste texto Jesus usa a palavra “tesouro”. Como podemos definir “meu tesouro”? Como Jesus
define o “tesouro” e de que forma o define?
Para nós o “tesouro” são os bens
materiais que possuímos ou conjunto de riquezas de qualquer tipo: dinheiro que
temos e que investimos em distintas atividades para acumular mais ainda, jóias,
pedras e metais preciosos, bens valiosos, guardadas ou escondidas. No entanto,
a experiência nos mostra que nada é seguro neste mundo. Deste pensamento Jesus
define o tesouro a partir do lugar onde se recorre: se é na terra, não está
seguro; se é no céu, está seguro. Seremos ricos e poderemos possuir e acumular verdadeiros
tesouros somente se vivermos em Deus.
Isto quer dizer que o homem se
define pelos valores que estima e as seguranças que busca. E estes valores que
ele escolhe orientam sua vida, influenciam nas opções diárias e marcam sua
personalidade.
A avareza
obscurece nossa visão das pessoas, das coisas e da vida. Tudo que amamos por causa de nós
mesmos, fora de Deus, só cega nosso intelecto e paralisa nosso julgamento sobre
os valores morais; vicia nossas opções, de maneira que não podemos distinguir
com nitidez o bem do mal nem saber qual é a vontade de Deus. Dizia Santo
Agostinho: “Possuamos as coisas terrenas sem deixar-nos possuir por elas. Que
não nos deslumbre sua multiplicação nem nos afunde sua carência. Façamos que
elas nos sirvam sem fazer-nos seus servidores”.
“Onde está o teu tesouro, aí
estará o teu coração”. Na linguagem bíblica, o coração designa toda a
personalidade em seu conjunto, a vida interior, o caráter, a atividade
consciente e volitiva do eu humano. O coração é feito para Deus e para os
semelhantes (próximos). Não coloquemos nosso coração nas coisas, porque elas
vão se destruir, elas vão acabar um dia, elas não serão levadas quando
partirmos deste mundo, como dizia santo Agostinho: “Essa
vida mortal, mais que uma morada de residentes por direito, é uma pousada de
viajantes em trânsito”. Podemos ter muitas coisas na vida ou muitos bens materiais,
mas eles continuam a ser alheios a nós; eles nunca serão nossos próximos. “Sem amigos ninguém escolheria
viver, mesmo que tivesse todos os outros bens”, dizia Aristóteles. Nosso próximo
é sempre o ser humano e não a coisa. Podemos ter as coisas, mas as coisas não
podem nos possuir. Ao contrário, coloquemos nosso coração em Deus e nas
pessoas, pois são eles que nos levam a Deus. Dentro do coração de Jesus
encontraremos infinitos tesouros de amor. Procuremos que o nosso coração se
assemelhe ao dele.
A partir desse primeiro pensamento, é muito
útil nos perguntarmos todos os dias: onde tenho o meu coração? Onde eu coloco o
meu coração? Qual é o centro da minha vida?
Jesus também nos diz: “O olho é
a luz do corpo. Se teu olho é são, todo o teu corpo será iluminado. Se teu olho
estiver em mau estado, todo o teu corpo estará nas trevas. Se a luz que está em
ti são trevas, quão espessas deverão ser as trevas!” (Mt 6,22-23). Na Bíblia, “corpo” não é somente nossa
materialidade. “Corpo” representa a totalidade da pessoa humana na medida em
que pode visualizar-se e distinguir-se dos demais como ser individual, isto é,
a pessoa em sua individualidade, capaz de relacionar-se com os demais, sendo
sempre ela mesma, capaz de ser interpelada como um “tu”. Para que a pessoa (o
corpo) possa atuar, necessita de luz para poder ver. E o “ver” vai muito mais
além do órgão material “olho”, pois também pode se ver com a mente . “Ver” é um
ato que implica a toda a pessoa. Ver exterioriza os sentimentos do coração.. ao
referir-se ao “olho bom”, a Bíblia fala dos olhos dirigidos ao Senhor porque
liberta e ajuda (Sl 25,12; 123,1; 141,8). Quando fala do “olho malvado” assinala
para o homem vaidoso e avaro: “O olhar do avarento é insaciável a respeito
da iniqüidade: só ficará satisfeito quando tiver ressecado e consumido a sua
alma. O olhar maldoso só leva ao mal; não será saciado com pão, mas será pobre
e triste em sua própria mesa” (Eclo 14,9-10).
Se o olho estiver são vemos bem; se
ele estiver enfermo, veremos apenas a escuridão ao nosso redor. Se nosso olhar
estiver posto em Deus, que é a luz de toda luz, o mistério da escuridão humana
será iluminado. Se nosso olhar não for posto em Deus, viveremos nas trevas,
dentro do mistério da própria escuridão. Como o coação pode escolher, assim
também o olho. Se for dirigido a Deus, escolherá Deus e será envolto pela luz e
verá com clareza a vida. “Ora, se a luz que existe em ti é escuridão, como será
grande a escuridão”. É o convite de Jesus para que nosso olhar fixe
permanentemente em Deus para que nossa vida não se transforme em escuridão total.
Reflita sobre a verdade das palavras
seguintes de Mahatma Gandhi: “Plenamente liberto e livre é
somente o homem que, depois de se consolidar definitivamente no mundo
espiritual, volta ao mundo material sem se materializar; o seu reino não é
daqui, mas ele ainda trabalha aqui, como se fosse o mais profano dos profanos. Somente
um homem plenamente espiritual pode admitir aparências de materialidade sem
desmentir a sua espiritualidade. De um homem que nada espera do mundo, tudo
pode o mundo esperar”.
P.
Vitus Gustama, SVD
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