XII
DOMINGO DO TEMPO COMUM
RADICALIDADE DO SEGUIMENTO
Texto de Leitura: Lc 9,18-24
Certo dia, 18 Jesus
estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus
perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?” 19 Eles
responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros
acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”. 20 Mas
Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de
Deus”. 21 Mas
Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. 22 E
acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos,
pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no
terceiro dia”. 23 Depois
Jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua
cruz cada dia, e siga-me. 24 Pois
quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa
de mim, esse a salvará”.
__________________
Mateus e Marcos localizam este
episódio na vizinhança de Cesaréia de Filipe (Mt 16,3;Mc 8,27) no território
pagão. Lucas não dá nenhuma referência geográfica. E na versão de Lucas, o
relato da confissão de Pedro acontece imediatamente depois da multiplicação dos
pães (Lc 9,10-17;compare Mt 14,13-21 e Mc 6,30-44).
1. Jesus que reza nos chama a colocarmos
a oração no nosso seguimento
Lucas mostra Cristo em oração toda
vez que ele vai tomar uma decisão importante, como neste episódio, ou toda vez
que vai engajar-se numa etapa nova de sua missão (Lc
3,21;6,12;9,29;11,1;22,31-39). Neste episódio, Lucas é o único a mencionar a
oração de Cristo antes de obter a profissão de fé dos seus e de anunciar-lhes
sua paixão.
Como já sabemos que a oração ocupa
um lugar de destaque no evangelho de Lc. Este evangelho é chamado também, por
isso, de “o evangelho da oração”. É um evangelho que inicia e termina com o
tema de oração (Lc 1,8-10; Lc 24,53).
A oração é a expressão viva da fé. A
fé se alimenta da oração e a oração é motivada pela fé. Ninguém pode rezar sem
acreditar e ninguém pode acreditar sem rezar. Quem reza porque tem fé e quem
tem fé precisa rezar. Na medida em que um cristão reza, a sua vida se
transforma. A vida de um verdadeiro cristão sempre se coloca em consonância com
a oração e ambas (oração e vida) se tornam uma unidade inseparável. Com a
oração o cristão tem a capacidade de discernir os sinais dos tempos e
chamamento de Deus em determinadas circunstâncias. Se as nossas decisões
quiserem ser mais evangélicas devem ser feitas em oração para que o agente
principal continue sendo Jesus ressuscitado. Afastam-se assim toda a vaidade e
toda a arrogância que não levam ninguém à salvação.
2. Jesus nos pergunta sobre quem ele é
para nós (para mim e para o povo)?
Ao colocar este episódio dentro do
contexto de oração, Lucas sublinha assim a sua importância, não somente a
importância da profissão de Pedro; mais do que isto quer enfatizar a declaração
que o próprio Jesus vai fazer no v. 22.
“Quem sou eu no dizer das
multidões?” (v.18). Essa ocasião representa um dos momentos
cruciais na vida e no ministério de Jesus. Depois de ter realizado um milagre
de multiplicação dos pães na presença de cinco mil pessoas vem esta pergunta de
Jesus. Na verdade a busca de resposta sobre a identidade de Jesus começa com a
pergunta que João Batista faz para Jesus: “És tu o que há de vir?” (Lc
7,20). Em outras palavras, João Batista quer dizer: “Quem és Tu?”. Jesus não
quis responder à pergunta de João Batista. Em vez disso, Jesus apresentou as
suas obras. É a pergunta que os próprios discípulos também fazem: “Quem é este
que ordena aos ventos e às ondas, e eles lhe obedecem?” (Lc 8,25). É uma
pergunta que suscitava a curiosidade do povo (Lc 9,7-9) e que inquietava
Herodes: “João, eu mesmo o mandei decapitar; quem é então este de quem ouço
tais coisas?” (Lc 9,9). Agora chegou a vez do próprio Jesus de fazer a
pergunta, que no fim do episódio ele mesmo vai dar a resposta certa.
Como era de esperar, a multidão
reagiu de maneira diferente e equivocada diante de Jesus. Alguns diziam que era
João Batista. Para esse grupo Jesus se parecia com João Batista porque Jesus
falava com poder profético como João Batista. Outro grupo identificava Jesus
com Elias que veio para advertir ao povo sobre o dia de julgamento (juízo)
conforme a profecia de Ml 3,23-24. E o último grupo identificava Jesus com um
dos profetas que havia ressuscitado dentre os mortos e que estavam fazendo
essas coisas. Cada uma destas respostas é incorreta. Ninguém da multidão sabia
quem era Jesus que fazia essas coisas.
Se fizermos esta mesma pergunta ao
povo ou ao mundo de hoje: “Quem sou eu no dizer das multidões?”, receberemos,
sem dúvida, várias respostas sobre Jesus Cristo. Mas, geralmente, cada resposta
ouvida hoje em dia é um reflexo de nosso testemunho, como cristãos. A imagem
que os outros têm de Cristo faz parte, de certa maneira, da fé que vivemos
diariamente; ela é o resultado do testemunho que nós mesmos damos do Senhor.
Que tipo de Cristo que vivemos e projetamos aos outros? Evitemos, por isso, que
Deus morra na Igreja nem podemos fazer da Igreja como prisão de Deus.
Ficamos perguntando: “Por que tantos
que nos dizem: ‘Cristo, sim; a Igreja, não? O Evangelho sim; mas, vós cristãos
não?” Talvez ainda seja válida a frase do poeta indiano: “Cristo, se os teus
fossem como Tu, hoje toda a Índia seria tua!” Sempre que alguém nos diz a
nós cristãos: “Cristo, sim; mas vós, não”, devemos sempre pensar que existe em
nós qualquer coisa que não é Cristo, e que em certa medida, Deus morreu em nós
e por isso temos o dever de fazê-Lo ressuscitar. Somente assim, a Igreja poderá
dizer ainda uma palavra aos que buscam uma esperança. Tudo quanto encontramos
em Cristo podemos e devemos encontrar na Igreja. Mas tudo quanto não
encontramos em Cristo, não o podemos aceitar como Igreja. Podemos dizer que não
podemos encontrar Deus onde não existe um amor que seja o amor que levou Cristo
à morte pelos outros. Deus morreu quando a consciência é substituída pelo
autoritarismo ou pelo poder mundano ou pelos interesses de egoísmo. Desta
maneira transmitiremos uma imagem falsa de Cristo para os outros. Este tipo de
cristo, ninguém aceita.
Diante destas respostas todas Jesus
não dá nenhuma opinião. Ficamos pensando o que tinha na cabeça de Jesus diante
destas respostas? O evangelho não relatou a reação de Jesus. Simplesmente Ele
estava em silêncio diante de tudo isso. Em vez disto, Jesus lança outra
pergunta diretamente aos discípulos: “Mas para vós, quem sou Eu?” (v.20).
É uma pergunta fundamental, porque implica a nossa própria identidade cristã.
Jesus agora não pede uma opinião, mas uma opção; não uma teoria, mas uma
confissão; não uma conclusão de um discurso, mas uma tomada de posição, porque
a questão: “O que significa seguir a Jesus” não pode ser separada da questão
sobre a identidade de Jesus: “Quem é Jesus (para mim)?” A resposta do povo já
não serve. A pergunta exige uma resposta sem meias-palavras. A pergunta exige
uma tomada de posição. Estar com Jesus em pessoa não era suficiente. Ter o
conhecimento da multidão não era suficiente. É necessário que seja Deus quem
nos revele a cada um o conhecimento da verdadeira identidade de Jesus. Somente
assim, conheceremos com todo o nosso coração, a nossas mente e a nossa alma
quem é Jesus verdadeiramente. Se as pessoas tinham idéias vagas e
contraditórias sobre Jesus Cristo é porque o Espírito Santo não lhes tinha
revelado quem era Jesus Cristo.
Diante da pergunta dirigida aos
discípulos Pedro afirma, em nome dos discípulos: “Tu és o Cristo de Deus” (9,20).
Lucas acrescenta “de Deus” ao que Marcos escreveu como o simples
“Messias/Cristo” (Mc 8,29). O genitivo adicional “de Deus” que Lucas acrescenta
expressa uma relação especial de Jesus como Messias com o Pai (compare Lc
2,26;23,35;At 3,18). Mas este relacionamento não tira Jesus do caminho de
sofrimento e de morte.
Pedro professa que Jesus é o
Messias/Cristo(o ungido), isto é, o plenipotenciário de Deus, aquele que traz a
última palavra de Deus, aquele que inaugura os tempos escatológicos. Cristo é o
ungido, o enviado de Deus sobre a terra; ele é a porta aberta para o mistério
de Deus; é aquele que nos traz os segredos do alto; e é aquele que nos orienta para o alto em que
ele mesmo é o Caminho(Jo 14,6).
O título que Pedro emprega para
Jesus, o Cristo de Deus, nos conecta com a grande esperança de Israel. Pedro,
que tem visto como Jesus tem pregado o Reino e há levado a cabo sinais e prodígios,
reconhece nEle como aquele que veio para restaurar o reino para Israel(At 1,6).
Mas Jesus “proibiu-lhes severamente
de anunciar isso (“Cristo de Deus”) a alguém” (v.21). Por que esta proibição?
Sem dúvida, Jesus impõe silêncio aos seus discípulos sobre esta confissão
messiânica certamente antes de anunciar-lhes sua morte próxima (v.22) porque
Jesus quer esvaziar todos os equívocos dos seus discípulos que poderiam
resultar de uma confissão prematura de sua messianidade. A partir de então os
discípulos de Jesus poderão proclamar claramente que Jesus é o Messias (At
2,36). A morte e a ressurreição de Jesus lhes manifestarão em plenitude sua
messianidade que se inicia aqui na confissão de Pedro. Por isso, os discípulos
devem seguir o caminho até Jerusalém. No seguimento de Jesus até o Gólgota lhes
será revelado plenamente o mistério de sua pessoa como Messias. Em outras
palavras, o anúncio de Jesus como o Messias de Deus para todo o povo (e não
apenas para Israel) é reservado para depois da Páscoa (At 2,36).
Jesus continua dirigindo esta
pergunta à Igreja e aos cristãos de todos os tempos. Todos são chamados a não
contentar-se com uma opinião, uma teoria, ou uma doutrina a respeito de Jesus,
por nova e moderna que ela seja. Podemos até perguntar se temos realmente
consciência da importância e da seriedade de nossa fé no Deus que Jesus Cristo
nos revelou? É preciso compreendermos até que ponto esta fé deve logicamente
transformar nossa vida. Engajar-se na vida cristã sem ter tomado consciência de
que nos ligamos a Jesus Cristo que deve transformar tudo em nossa vida
significa não ter verdadeiramente compreendido o apelo que Jesus nos dirigiu.
Pedro acaba de professar que Jesus é
o Cristo de Deus. Mas não basta sabermos que Jesus é o Messias de Deus. Não
basta entendê-lo. É necessário que cada um se comprometa com ele e com sua
missão. Em outras palavras, temos que nos identificar com a sua messianidade.
Por isso, logo depois da confissão
de Pedro, Jesus faz o primeiro dos anúncios da sua paixão, morte e
ressurreição, anúncios que são comuns para os sinóticos (cf. Lc 9,44;18,31-33):
“É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos,
chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia” (v.22).
Com este anúncio Jesus quer afastar dos discípulos um sonho sobre um Messias
política.
O cumprimento do projeto de Deus passa
através da paixão, que inclui a rejeição pública e a morte violenta de Jesus
causada por aqueles que gostam de reter o poder na mão. O sofrimento do Filho (e
dos seguidores) está, então, na proporção da maldade do mundo. Por esta razão,
quem pretender fazer o bem, esteja preparado para ser crucificado e rejeitado.
Lucas quer nos mostrar, assim, que Deus permanece fiel e salvador também na
situação extrema de uma morte infamante. Mas o caminho traçado por Deus não
decepciona as expectativas e projeções humanas, porque Jesus, de fato,
ressuscitará “ao terceiro dia”. Esta é a nossa esperança em qualquer
dificuldade encontrada.
3. Jesus que nos põe as condições para
segui-Lo
Jesus põe condições para segui-Lo:
Renunciar e perder a vida, e carregar cruz diariamente. Seguir é ir atrás de
alguém. Pedro foi chamado de Satanás porque quis ficar na frente de Jesus (Mt
16,23). Jesus indica a Pedro que seu lugar não é na frente, mas detrás de
Jesus, no seu seguimento. Quem pretende ficar na frente de Jesus perde seu
rumo, pois perde o ponto de referência que é o próprio Jesus.
a). Renunciar
a si mesmo
Renunciar a si mesmo não significa
uma resignação cansada diante da vida (entregar os pontos). Ele significa antes
de tudo a libertação da própria liberdade, dos egoísmos para se entregar
inteiramente a Deus. Por isso, A renúncia que Jesus pede de nós não é uma ação
negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. O amor é a força que liberta do
apego profundo. Amar é dar, mesmo que seja a própria vida, pelo amado. Jesus é
o exemplo disto (Jo 15,12-13). Por esta razão, a renúncia de si mesmo que não
seja animada pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, que não seja uma
expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas
tortura auto-infligida.
Neste contexto entra também uma
lógica paradoxal do seguimento em que para ganhar a vida tem que perdê-la por
causa de Cristo (v.24). Perder a própria vida por Jesus Cristo é a única
maneira de salvaguardá-la para a eternidade. O homem se encontra e se salva,
doando-se. Jesus é o exemplo disto, pois ele se doou até o fim a Deus e aos
homens por amor. Por isso, somente quem crê que o amor é a realidade última e
indestrutível, somente quem acredita que o amor tem a última palavra porque
Deus é amor (1Jo 4,8.16), estará disposto a “perder” todas as realidades
penúltimas e perecíveis por causa do amor por Deus que se traduz na doação de
si para os outros.
b). Tomar a
cruz cada dia
Se a cruz expressa a vida do cristão
é porque a existência do crente é definida pela vida de Jesus cujo ponto
culminante é sua entrega na cruz. O caminho da cruz é uma proposta dirigida a
todos (v.23). Carregar a cruz é a conseqüência lógica de uma opção levada a
cabo. Isto quer dizer que não pode fugir
da própria vida em função da busca ilusória de uma felicidade fácil. É permanecer
fiel aos caminhos propostos por Jesus Cristo mesmo quando eles nos cobram uma
porção de morte. O sinal da nossa fidelidade a Jesus Cristo passa pela cruz. A
cruz é o preço do nosso seguimento a Jesus. Ela não é um acidente de percurso.
Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para
percorrer todos os passos da Paixão. Há dias em que a cruz fica mais pesada,
enquanto em outros dias ela fica mais leve.
Lucas sublinha aqui uma expressão,
que não se encontra no texto paralelo de Marcos “cada dia” (Lc 9,23): carregar
a cruz cada dia. Com isto, Lucas quer nos indicar que a cruz é uma atitude
permanente da existência cristã e que não está falando de um ato isolado, por
mais importante que ele seja. Trata-se de uma interpretação espiritual
importante para os cristãos de todos os tempos; trata-se de uma afirmação de
Jesus que alude originalmente ao martírio (Mc 8,34). Lucas quer nos dizer que na
vida cotidiana, e não somente na grande perseguição ou no martírio, é que o
cristão deve manifestar sua fidelidade a Jesus.
Para não esquecer: quem é Jesus para
mim? E quem sou eu para Jesus? Cristo está vivo, ele ressuscitou, por isso, não
é uma mera recordação histórica. Ele é uma pessoa de hoje, vivo, próximo e nosso
amigo. O que significa para mim carregar a cruz diariamente? Cada um sempre tem
seus “vícios”. Sou capaz de renunciar a tudo isto para ganhar mais a liberdade
para fazer o bem? Qual é o centro da minha vida? Ou já o perdi porque vivo
satisfazendo minhas necessidades imediatas? Será que por causa disto sou mais
solitário do que solidário?
P. Vitus Gustama,svd
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