sábado, 22 de junho de 2013

XII DOMINGO DO TEMPO COMUM


RADICALIDADE DO SEGUIMENTO
 

Texto de Leitura: Lc 9,18-24          

 
Certo dia, 18 Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?” 19 Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”. 20 Mas Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de Deus”. 21 Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. 22 E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. 23 Depois Jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. 24 Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”.

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Mateus e Marcos localizam este episódio na vizinhança de Cesaréia de Filipe (Mt 16,3;Mc 8,27) no território pagão. Lucas não dá nenhuma referência geográfica. E na versão de Lucas, o relato da confissão de Pedro acontece imediatamente depois da multiplicação dos pães (Lc 9,10-17;compare Mt 14,13-21 e Mc 6,30-44).


1. Jesus que reza nos chama a colocarmos a oração no nosso seguimento
    

Lucas mostra Cristo em oração toda vez que ele vai tomar uma decisão importante, como neste episódio, ou toda vez que vai engajar-se numa etapa nova de sua missão (Lc 3,21;6,12;9,29;11,1;22,31-39). Neste episódio, Lucas é o único a mencionar a oração de Cristo antes de obter a profissão de fé dos seus e de anunciar-lhes sua paixão.
 

Como já sabemos que a oração ocupa um lugar de destaque no evangelho de Lc. Este evangelho é chamado também, por isso, de “o evangelho da oração”. É um evangelho que inicia e termina com o tema de oração (Lc 1,8-10; Lc 24,53).
  

A oração é a expressão viva da fé. A fé se alimenta da oração e a oração é motivada pela fé. Ninguém pode rezar sem acreditar e ninguém pode acreditar sem rezar. Quem reza porque tem fé e quem tem fé precisa rezar. Na medida em que um cristão reza, a sua vida se transforma. A vida de um verdadeiro cristão sempre se coloca em consonância com a oração e ambas (oração e vida) se tornam uma unidade inseparável. Com a oração o cristão tem a capacidade de discernir os sinais dos tempos e chamamento de Deus em determinadas circunstâncias. Se as nossas decisões quiserem ser mais evangélicas devem ser feitas em oração para que o agente principal continue sendo Jesus ressuscitado. Afastam-se assim toda a vaidade e toda a arrogância que não levam ninguém à salvação.


2. Jesus nos pergunta sobre quem ele é para nós (para mim e para o povo)?


Ao colocar este episódio dentro do contexto de oração, Lucas sublinha assim a sua importância, não somente a importância da profissão de Pedro; mais do que isto quer enfatizar a declaração que o próprio Jesus vai fazer no v. 22.


“Quem sou eu no dizer das multidões?” (v.18). Essa ocasião representa um dos momentos cruciais na vida e no ministério de Jesus. Depois de ter realizado um milagre de multiplicação dos pães na presença de cinco mil pessoas vem esta pergunta de Jesus. Na verdade a busca de resposta sobre a identidade de Jesus começa com a pergunta que João Batista faz para Jesus: “És tu o que há de vir?” (Lc 7,20). Em outras palavras, João Batista quer dizer: “Quem és Tu?”. Jesus não quis responder à pergunta de João Batista. Em vez disso, Jesus apresentou as suas obras. É a pergunta que os próprios discípulos também fazem: “Quem é este que ordena aos ventos e às ondas, e eles lhe obedecem?” (Lc 8,25). É uma pergunta que suscitava a curiosidade do povo (Lc 9,7-9) e que inquietava Herodes: “João, eu mesmo o mandei decapitar; quem é então este de quem ouço tais coisas?” (Lc 9,9). Agora chegou a vez do próprio Jesus de fazer a pergunta, que no fim do episódio ele mesmo vai dar a resposta certa.
     

Como era de esperar, a multidão reagiu de maneira diferente e equivocada diante de Jesus. Alguns diziam que era João Batista. Para esse grupo Jesus se parecia com João Batista porque Jesus falava com poder profético como João Batista. Outro grupo identificava Jesus com Elias que veio para advertir ao povo sobre o dia de julgamento (juízo) conforme a profecia de Ml 3,23-24. E o último grupo identificava Jesus com um dos profetas que havia ressuscitado dentre os mortos e que estavam fazendo essas coisas. Cada uma destas respostas é incorreta. Ninguém da multidão sabia quem era Jesus que fazia essas coisas.
      

Se fizermos esta mesma pergunta ao povo ou ao mundo de hoje: “Quem sou eu no dizer das multidões?”, receberemos, sem dúvida, várias respostas sobre Jesus Cristo. Mas, geralmente, cada resposta ouvida hoje em dia é um reflexo de nosso testemunho, como cristãos. A imagem que os outros têm de Cristo faz parte, de certa maneira, da fé que vivemos diariamente; ela é o resultado do testemunho que nós mesmos damos do Senhor. Que tipo de Cristo que vivemos e projetamos aos outros? Evitemos, por isso, que Deus morra na Igreja nem podemos fazer da Igreja como prisão de Deus.
  

Ficamos perguntando: “Por que tantos que nos dizem: ‘Cristo, sim; a Igreja, não? O Evangelho sim; mas, vós cristãos não?” Talvez ainda seja válida a frase do poeta indiano: “Cristo, se os teus fossem como Tu, hoje toda a Índia seria tua!” Sempre que alguém nos diz a nós cristãos: “Cristo, sim; mas vós, não”, devemos sempre pensar que existe em nós qualquer coisa que não é Cristo, e que em certa medida, Deus morreu em nós e por isso temos o dever de fazê-Lo ressuscitar. Somente assim, a Igreja poderá dizer ainda uma palavra aos que buscam uma esperança. Tudo quanto encontramos em Cristo podemos e devemos encontrar na Igreja. Mas tudo quanto não encontramos em Cristo, não o podemos aceitar como Igreja. Podemos dizer que não podemos encontrar Deus onde não existe um amor que seja o amor que levou Cristo à morte pelos outros. Deus morreu quando a consciência é substituída pelo autoritarismo ou pelo poder mundano ou pelos interesses de egoísmo. Desta maneira transmitiremos uma imagem falsa de Cristo para os outros. Este tipo de cristo, ninguém aceita.


Diante destas respostas todas Jesus não dá nenhuma opinião. Ficamos pensando o que tinha na cabeça de Jesus diante destas respostas? O evangelho não relatou a reação de Jesus. Simplesmente Ele estava em silêncio diante de tudo isso. Em vez disto, Jesus lança outra pergunta diretamente aos discípulos: “Mas para vós, quem sou Eu?” (v.20). É uma pergunta fundamental, porque implica a nossa própria identidade cristã. Jesus agora não pede uma opinião, mas uma opção; não uma teoria, mas uma confissão; não uma conclusão de um discurso, mas uma tomada de posição, porque a questão: “O que significa seguir a Jesus” não pode ser separada da questão sobre a identidade de Jesus: “Quem é Jesus (para mim)?” A resposta do povo já não serve. A pergunta exige uma resposta sem meias-palavras. A pergunta exige uma tomada de posição. Estar com Jesus em pessoa não era suficiente. Ter o conhecimento da multidão não era suficiente. É necessário que seja Deus quem nos revele a cada um o conhecimento da verdadeira identidade de Jesus. Somente assim, conheceremos com todo o nosso coração, a nossas mente e a nossa alma quem é Jesus verdadeiramente. Se as pessoas tinham idéias vagas e contraditórias sobre Jesus Cristo é porque o Espírito Santo não lhes tinha revelado quem era Jesus Cristo.
   

Diante da pergunta dirigida aos discípulos Pedro afirma, em nome dos discípulos: “Tu és o Cristo de Deus” (9,20). Lucas acrescenta “de Deus” ao que Marcos escreveu como o simples “Messias/Cristo” (Mc 8,29). O genitivo adicional “de Deus” que Lucas acrescenta expressa uma relação especial de Jesus como Messias com o Pai (compare Lc 2,26;23,35;At 3,18). Mas este relacionamento não tira Jesus do caminho de sofrimento e de morte.
  

Pedro professa que Jesus é o Messias/Cristo(o ungido), isto é, o plenipotenciário de Deus, aquele que traz a última palavra de Deus, aquele que inaugura os tempos escatológicos. Cristo é o ungido, o enviado de Deus sobre a terra; ele é a porta aberta para o mistério de Deus; é aquele que nos traz os segredos do alto; e  é aquele que nos orienta para o alto em que ele mesmo é o Caminho(Jo 14,6).
 

O título que Pedro emprega para Jesus, o Cristo de Deus, nos conecta com a grande esperança de Israel. Pedro, que tem visto como Jesus tem pregado o Reino e há levado a cabo sinais e prodígios, reconhece nEle como aquele que veio para restaurar o reino para Israel(At 1,6).


Mas Jesus “proibiu-lhes severamente de anunciar isso (“Cristo de Deus”) a alguém” (v.21). Por que esta proibição? Sem dúvida, Jesus impõe silêncio aos seus discípulos sobre esta confissão messiânica certamente antes de anunciar-lhes sua morte próxima (v.22) porque Jesus quer esvaziar todos os equívocos dos seus discípulos que poderiam resultar de uma confissão prematura de sua messianidade. A partir de então os discípulos de Jesus poderão proclamar claramente que Jesus é o Messias (At 2,36). A morte e a ressurreição de Jesus lhes manifestarão em plenitude sua messianidade que se inicia aqui na confissão de Pedro. Por isso, os discípulos devem seguir o caminho até Jerusalém. No seguimento de Jesus até o Gólgota lhes será revelado plenamente o mistério de sua pessoa como Messias. Em outras palavras, o anúncio de Jesus como o Messias de Deus para todo o povo (e não apenas para Israel) é reservado para depois da Páscoa (At 2,36).
 

Jesus continua dirigindo esta pergunta à Igreja e aos cristãos de todos os tempos. Todos são chamados a não contentar-se com uma opinião, uma teoria, ou uma doutrina a respeito de Jesus, por nova e moderna que ela seja. Podemos até perguntar se temos realmente consciência da importância e da seriedade de nossa fé no Deus que Jesus Cristo nos revelou? É preciso compreendermos até que ponto esta fé deve logicamente transformar nossa vida. Engajar-se na vida cristã sem ter tomado consciência de que nos ligamos a Jesus Cristo que deve transformar tudo em nossa vida significa não ter verdadeiramente compreendido o apelo que Jesus nos dirigiu.
   

Pedro acaba de professar que Jesus é o Cristo de Deus. Mas não basta sabermos que Jesus é o Messias de Deus. Não basta entendê-lo. É necessário que cada um se comprometa com ele e com sua missão. Em outras palavras, temos que nos identificar com a sua messianidade.


Por isso, logo depois da confissão de Pedro, Jesus faz o primeiro dos anúncios da sua paixão, morte e ressurreição, anúncios que são comuns para os sinóticos (cf. Lc 9,44;18,31-33): “É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia” (v.22). Com este anúncio Jesus quer afastar dos discípulos um sonho sobre um Messias política.
  

O cumprimento do projeto de Deus passa através da paixão, que inclui a rejeição pública e a morte violenta de Jesus causada por aqueles que gostam de reter o poder na mão. O sofrimento do Filho (e dos seguidores) está, então, na proporção da maldade do mundo. Por esta razão, quem pretender fazer o bem, esteja preparado para ser crucificado e rejeitado. Lucas quer nos mostrar, assim, que Deus permanece fiel e salvador também na situação extrema de uma morte infamante. Mas o caminho traçado por Deus não decepciona as expectativas e projeções humanas, porque Jesus, de fato, ressuscitará “ao terceiro dia”. Esta é a nossa esperança em qualquer dificuldade encontrada.


3. Jesus que nos põe as condições para segui-Lo
  

Jesus põe condições para segui-Lo: Renunciar e perder a vida, e carregar cruz diariamente. Seguir é ir atrás de alguém. Pedro foi chamado de Satanás porque quis ficar na frente de Jesus (Mt 16,23). Jesus indica a Pedro que seu lugar não é na frente, mas detrás de Jesus, no seu seguimento. Quem pretende ficar na frente de Jesus perde seu rumo, pois perde o ponto de referência que é o próprio Jesus.


a). Renunciar a si mesmo
   

Renunciar a si mesmo não significa uma resignação cansada diante da vida (entregar os pontos). Ele significa antes de tudo a libertação da própria liberdade, dos egoísmos para se entregar inteiramente a Deus. Por isso, A renúncia que Jesus pede de nós não é uma ação negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. O amor é a força que liberta do apego profundo. Amar é dar, mesmo que seja a própria vida, pelo amado. Jesus é o exemplo disto (Jo 15,12-13). Por esta razão, a renúncia de si mesmo que não seja animada pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, que não seja uma expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas tortura auto-infligida.  


Neste contexto entra também uma lógica paradoxal do seguimento em que para ganhar a vida tem que perdê-la por causa de Cristo (v.24). Perder a própria vida por Jesus Cristo é a única maneira de salvaguardá-la para a eternidade. O homem se encontra e se salva, doando-se. Jesus é o exemplo disto, pois ele se doou até o fim a Deus e aos homens por amor. Por isso, somente quem crê que o amor é a realidade última e indestrutível, somente quem acredita que o amor tem a última palavra porque Deus é amor (1Jo 4,8.16), estará disposto a “perder” todas as realidades penúltimas e perecíveis por causa do amor por Deus que se traduz na doação de si para os outros.


b). Tomar a cruz cada dia       
   

Se a cruz expressa a vida do cristão é porque a existência do crente é definida pela vida de Jesus cujo ponto culminante é sua entrega na cruz. O caminho da cruz é uma proposta dirigida a todos (v.23). Carregar a cruz é a conseqüência lógica de uma opção levada a cabo.  Isto quer dizer que não pode fugir da própria vida em função da busca ilusória de uma felicidade fácil. É permanecer fiel aos caminhos propostos por Jesus Cristo mesmo quando eles nos cobram uma porção de morte. O sinal da nossa fidelidade a Jesus Cristo passa pela cruz. A cruz é o preço do nosso seguimento a Jesus. Ela não é um acidente de percurso. Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para percorrer todos os passos da Paixão. Há dias em que a cruz fica mais pesada, enquanto em outros dias ela fica mais leve.
     

Lucas sublinha aqui uma expressão, que não se encontra no texto paralelo de Marcos “cada dia” (Lc 9,23): carregar a cruz cada dia. Com isto, Lucas quer nos indicar que a cruz é uma atitude permanente da existência cristã e que não está falando de um ato isolado, por mais importante que ele seja. Trata-se de uma interpretação espiritual importante para os cristãos de todos os tempos; trata-se de uma afirmação de Jesus que alude originalmente ao martírio (Mc 8,34). Lucas quer nos dizer que na vida cotidiana, e não somente na grande perseguição ou no martírio, é que o cristão deve manifestar sua fidelidade a Jesus.
     

Para não esquecer: quem é Jesus para mim? E quem sou eu para Jesus? Cristo está vivo, ele ressuscitou, por isso, não é uma mera recordação histórica. Ele é uma pessoa de hoje, vivo, próximo e nosso amigo. O que significa para mim carregar a cruz diariamente? Cada um sempre tem seus “vícios”. Sou capaz de renunciar a tudo isto para ganhar mais a liberdade para fazer o bem? Qual é o centro da minha vida? Ou já o perdi porque vivo satisfazendo minhas necessidades imediatas? Será que por causa disto sou mais solitário do que solidário?

P. Vitus Gustama,svd

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