JESUS É O SENHOR DA VIDA
E DA MORTE
X DOMINGO DO TEMPO COMUM “C”
09 de Junho de 2013
Textos de Leitura: 1Rs 17,17-24; Gl 1,11-19; Lc 7,11-17
Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-se a uma cidade
chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. 12 Quando chegou à porta da
cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande
multidão da cidade a acompanhava. 13 Ao vê-la, o Senhor sentiu
compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” 14 Aproximou-se, tocou o
caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te
ordeno, levanta-te!” 15 O que estava morto sentou-se e começou a falar. E
Jesus o entregou à sua mãe. 16 Todos ficaram com muito medo e
glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio
visitar o seu povo”. 17 E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira,
e por toda a redondeza. (Lc 7,11-17)
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Estamos na seção central da segunda
parte do evangelho de Lucas (Lc 6,11-8,56) onde se encontram os ensinamentos e
milagres de Jesus. Através desta seção o mistério de Jesus e a dinâmica do
Reino que ele prega vão se revelando passo a passo aos seguidores. Nesta seção
podemos encontrar materiais bastante diversos: a escolha do grupo dos Doze (Lc
6,12-16), o Sermão da Planície (Lc 6,17-49), duas séries de milagres (Lc
7,1-17; 8,22-56), e uma pequena coleção de parábolas (Lc 8,4-18). E tudo isto
faz parte ainda da atividade de Jesus na Galiléia (Lc 4,19-9,50).
O relato da “ressurreição” do filho
da viúva de Naim se encontra apenas no evangelho de Lucas. E Lucas se inspirou
nas narrativas de milagres dos profetas Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24; 2Rs
4,17-22.32-37). Ao introduzir este relato Lucas quer justificar aquilo que
Jesus dirá mais adiante, no v.22, como resposta para a pergunta de João
Batista: “Os cegos vêem..., os surdos ouvem..., os mostos ressuscitam” (Lc
7,22). Até neste relato Lucas não relatou ainda nenhuma “ressurreição”. Por
isso, ele precisa narrar um milagre deste tipo para justificar a realidade do
v.22.
Neste relato encontramos dois
protagonistas: a mãe viúva e seu único filho morto. Na época de Jesus as
mulheres eram muito discriminadas. Sendo viúva, pior ainda. As viúvas viviam em
situação de extremo desamparo. Elas eram devoradas pelos escribas (Lc 21,4), e
empobrecidas (Lc 21,2). A vida de uma viúva “sempre” foi muito sofrida e
humilhante (Dt 24,17; Is 1,17; 10,2; Jr 7,6 etc.), mesmo que a lei protegesse
as viúvas (Ex 22,22-23). Mas Lucas demonstra atenção especial às viúvas (11
menções: 2,37; 4,25. 26; 7,12; 18,3. 5; 20,28.30.47;21,2.3), apresentando-as
como figuras exemplares do louvor inspirado (Lc 1,38), da reivindicação da
justiça (Lc 18,3) e dos fracos vergonhosamente explorados (Lc 20,47;21,2). Não
é por acaso que nas primeiras comunidades cristãs era dedicada uma atenção
especial às viúvas (At 6,1ss). Pelo mesmo motivo São Tiago afirma que “a
religião pura e sem mancha aos olhos de Deus Pai é esta: olhar pelos órfãos e
viúvas necessitadas” (Tg 1,27). E nas nossas comunidades temos alguma atenção
para essa classe de fiéis?
Lucas nos relatou que a viúva de
Naim perdeu seu filho único. Ao relatar desta maneira, Lucas quer enfatizar a
intensidade dramática da situação da viúva (viúva e sem filho), de um lado, e
mostrar o poder de Deus que torna possível o que é impossível para o ser humano
(cf. Lc 1,37; 18,27), do outro lado. Perder filho único, como aconteceu com a
viúva de Naim, significava perder todas as condições para continuar vivendo. O
filho era o que lhe restava, pois a vida da viúva dependia diretamente da vida
do filho, que era o herdeiro legítimo de tudo que o pai morto deixou. Mas
Jesus, Deus-Conosco, devolveu a alegria de viver da viúva ao restituir a vida
de seu único filho.
Vamos aprofundar um pouco mais este
texto refletindo sobre alguns pontos como mensagens para nossa vida.
1. Confio No Senhor Por Causa Da Firmeza De Sua Palavra
“Ao ver a viúva (enlutada pela morte do filho único), o
Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chores! ’” (Lc
7,13).
Tragédia, problemas e dificuldades
não têm hora para chegar à nossa vida. E quando chegam não pedem licença, mas
adentram nosso espaço e interrompem nossos sonhos, nossa tranqüilidade, nossas
alegrias, nossos ideais até nosso futuro. E o mais interessante é que vivemos
informados diariamente sobre tantas tragédias, tantos assassínios que ocorrem
pelo mundo e achamos que somos ou sejamos invulneráveis a tudo isto. Mas quando
somos atingidos pela tragédia, pelos problemas e dificuldades ou pelas
provações, nos vem à mente esta pergunta: “Onde está você, Deus? O Senhor não
está vendo o que está acontecendo na nossa vida?”. E quantas vezes nos sentimos
solitários, como quem querendo uma explicação diante de nossos problemas, mesmo
que seja apenas uma pequena luz, mesmo sendo do tamanho de uma força de um
fósforo.
Diante da interrogação sobre a
existência de Deus por causa de nossos problemas, precisamos estar conscientes
de que Deus é bondoso de mais para ter ímpetos de crueldade, sábio demais para
errar, verdadeiro demais para enganar, amoroso demais para se vingar e profundo
demais para se explicar. Diante dos problemas, dificuldades, angústias e
provações, saibamos que não há Deus maior como o nosso Deus revelado por Jesus
Cristo, que é amor (1Jo 4,8.16), soberano, e Criador de todas as coisas e que
com toda certeza tem o melhor para nós, mesmo que sua resposta seja um sonoro
NÃO para nossa vida ou nosso modo de viver(cf. 2Cor 11,23-31;12,7-10), ou mesmo
que tenhamos que esperar um pouco mais a sua resposta, pois Deus pode tardar,
mas jamais falha. Por causa deste Deus que jamais falha é que nos tornamos
fiéis, perseverantes e pacientes em tudo. “Senhor, eu espero em ti o dia todo
por causa da tua bondade”, recorda-nos o salmista (Sl 25[24],5b). Confiamos no
Senhor por causa da firmeza de Sua Palavra, da peculiaridade de Sua Verdade e
da permanência de sua eternidade.
2. O Senhor Nos Chama à Vida e à Compaixão Permanentemente
“Aproximou-se, tocou o
caixão..., Jesus disse: ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’. O que estava morto
sentou-se e começou a falar” (vv.14-15a).
No relato do evangelho deste dia
Jesus se aproxima da realidade da morte do filho da viúva pessoalmente. Ninguém
estava pedindo a Jesus que interviesse. A iniciativa dele é gratuita em todos
os sentidos. Ele é itinerante conosco. Ele vai ao encontro do povo onde este
está, embora este nem sempre perceba a presença do Senhor. Ele tem um olhar
penetrante, capaz de perceber a realidade para poder oferecer uma solução
adequada. Ele olha com benevolência e ternura. Ele deixa que a realidade
dolorida entre dentro dele, que o contagie: “O Senhor sentiu a compaixão para
com a viúva e lhe disse: ‘Não chore! ’”. A compaixão é uma reação
característica de Deus. Na sua tradução correta do grego que remete a um modo
hebraico de falar, a palavra “compaixão” significa “atingido no íntimo” ou “nas
entranhas”. Ao ver a viúva enlutada, Jesus realmente “foi tomado nas entranhas”
por amor. “Compaixão” é a reação
espontânea do amor de Deus por nós, seres humanos.
A compaixão coloca em crise o
discurso. “Não chores!”, diz Jesus à viúva. Palavras consolam, mas desde que
estejam dentro do processo da compaixão-misericórdia. Palavras
descompromissadas não causam efeito benévolo algum. Exigem ser respaldadas pelo
testemunho e pela prática da solidariedade. Não devemos dizer uma palavra a
mais além daquilo que fazemos. Por isso, baseado na sua compaixão, o Senhor
chama o jovem morto de volta para a vida para a alegria da viúva enlutada:
“Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”. Por esta ordem o jovem voltou a viver:
“Sentou-se e começou a falar”. A palavra é autoridade para levantar “defuntos”
quando é carregada por alguém que vive realmente uma espiritualidade da
compaixão-misericórdia. Ressuscitar mortos é reunir pessoas que se amam. O
filho vivo para a viúva significava não apenas um pedaço de sua vida, mas
também um amparo legal, o sustento e o consolo de sua viuvez.
Tudo isto quer nos dizer que Deus
se encontra onde há o sentido da compaixão, pois a compaixão é uma reação
característica de Deus. Deus se encontra onde há o sentido do amor vivificante,
pois “Amor” é o nome próprio de Deus (1Jo 4,8.16). Significa ainda que,
seguindo Jesus, só podemos também suscitar vida, ter piedade dos que sofrem,
oferecer a nossa ajuda, ter uma atitude de oblação. Das duas, uma: ou fazemos
da nossa vida um cortejo de morte, dos sem esperança, que acompanham o cadáver,
em atitude de choro, de luto, de desespero: ou fazemos do nosso peregrinar um
caminho de esperança, de ressurreição, de transformação do choro e da morte em
sentido de vida. Podemos escolher. Mas se somos seguidores de Cristo e nos
deixarmos visitar pelo Senhor, autor da vida, o nosso peregrinar deve ser um
caminho de esperança e não um cortejo de morte. Deus, em quem acreditamos, não
é uma ameaça ou um concorrente, mas uma potência de amor que nos constrói e nos
chama à vida. Por isso, Jesus sempre se coloca a favor da vida.
Conseqüentemente, ser cristão é ser
lutador e defensor da vida no seu início, na sua duração e no seu fim. O homem
possui a vida de Deus e por isso ele é sagrado. A vida é sagrada e divina
demais para ser sacrificada. A vida, por ser divina, merece ser reverenciada,
amada e respeitada em todos os momentos. Graças à nossa mãe que nos ama e ama a
nossa vida e por isso, não nos abortou. A viúva é símbolo da humanidade, para
quem Jesus trouxe consolo e sustento: a vida que jamais morre, pois Deus é a
vida e a ressurreição (cf. Jo 11,25-26a).
Além disso, olhando para a viúva de
Naim, reconhecemos que quantas vezes tentamos buscar um modo de sair de
situações embaraçosas, caóticas e delicadas, mas somos obrigados a aceitar
nossas limitações. Quantas vezes nos vemos em meio a conflitos pessoais,
familiares ou profissionais, indecisos entre fazer ou não fazer, hesitantes
entre ir ou ficar por causa de nossas fraquezas. A história da viúva de Naim
quer nos ensinar que diante de qualquer situação, por pior que seja, sempre
haveremos de encontrar o Senhor a nos amparar, pois Ele mesmo é o Deus-Conosco
(cf. Mt 28,20).
3. Somos chamados a viver nossa missão profética
Ao ver o jovem voltar a viver,
“Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Um grande
profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo” (Lc 7,16).
A reação dos que testemunham a
restituição da vida do jovem, filho da viúva de Naim é a de temor. Hoje
diríamos de estupor, e reverência religiosa. Vários exemplos deste tipo de
reação podem-se encontrar no evangelho de Lucas (veja 1,65;5,9;5,26;8,25;8,37).
Diante da extraordinária manifestação do poder salvador de Deus faltam as
palavras. Não lhes resta nada mais do que louvar a Deus: “Todos ficaram com
muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Um grande profeta apareceu entre
nós e Deus veio visitar o seu povo”. Vêem nele um grande profeta a serviço do
povo de Deus e reconhecem que na ajuda misericordiosa de Jesus, Deus se encontrou
com o seu povo: “Deus veio visitar o Seu povo” (cf. Lc 1,68). O Antigo
Testamento (AT) fala dessas “visitas” como se fossem intervenções de Deus para
abençoar o seu povo (Gn 21,1;Ex 3,16;Jr 29,10) ou para castigá-lo (Ex 32,34;Is
10,12; Ez 23,21). Em Lucas, através do relato, a visita do Senhor é obra de sua
graça. Precisamos ficar atentos porque o Senhor nos visita constantemente e de
várias maneiras para nos consolar, nos confirmar, nos corrigir ou nos alertar.
Na compaixão traduzida na solidariedade que praticamos, sem dúvida Deus está
conosco e através desta bondade vivida por nós para o bem de todos, Deus nos
faz instrumentos de Sua amorosa visita.
A expressão “um grande profeta” que
poderia aludir ao profeta escatológico esperado por Israel (Dt 18,15-18), se
refere seguramente a um profeta como Elias. No entanto, para Lucas, a
autoridade de Jesus não é somente a de um grande profeta (4,24;7,39;13,33.34),
mas daquele que se apresenta como o Messias de Israel, o Filho de Deus, o
Senhor da vida e da morte (5,8.12;6,5.46;17,6;18,41 etc.) que sabe, no entanto,
compadecer-se da necessidade humana (7,13).
Participamos da função profética de
Jesus através do Batismo. Como ser profeta hoje?
É descobrir e propor o projeto de Deus
para a humanidade. Profeta é alguém com uma fé profunda, com uma consciência
muito forte da presença de Deus na própria vida. E a vida de união e de
comunhão com Deus vai impregnando a vida do profeta, de modo que vai aprendendo
a interpretar todos os acontecimentos políticos, sociais e religiosos à luz de
Deus e do Seu projeto. Ser profeta é estar marcado pelas experiências de
solidão, angústia, sofrimento, crise, rejeição, incompreensão, mas mesmo assim
continua sendo fiel à missão de Deus. No fundo, trata-se de arriscar a vida, na
certeza da presença de Deus. Ser profeta é estar instalado para levar adiante a
missão recebida. Ser profeta é assumir um modo novo e inédito de viver e
anunciar o essencial. O essencial é a fé, a esperança e a plenitude do amor,
das quais os profetas foram testemunhas vulneráveis, mas obstinados. Ser
profeta é escutar, aprender, receber, acolher o Deus do povo e o povo de Deus.
Ser profeta é ser coerente entre a palavra anunciada e as opções pessoais.
Quantos pretensos profetas gritam diante dos microfones, ditam sentenças nos
jornais, revistas, televisão e rádio, no entanto não dão testemunho com a sua
vida e por isso, as coisas não mudam. E assim por diante. A partir de tudo isso
e de tudo mais, sejamos honestos ao responder a esta pergunta: “Vivemos
realmente a nossa função profética? Será que os outros poderão nos dizer: ‘Um
grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo? ’”.
P. Vitus Gustama,svd
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