sábado, 8 de junho de 2013

JESUS É O SENHOR DA VIDA E DA MORTE

X DOMINGO DO TEMPO COMUM “C”
09 de Junho de 2013

Textos de Leitura: 1Rs 17,17-24; Gl 1,11-19; Lc 7,11-17

 
Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. 12 Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava. 13 Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” 14 Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” 15 O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. 16 Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”. 17 E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira, e por toda a redondeza. (Lc 7,11-17)

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Estamos na seção central da segunda parte do evangelho de Lucas (Lc 6,11-8,56) onde se encontram os ensinamentos e milagres de Jesus. Através desta seção o mistério de Jesus e a dinâmica do Reino que ele prega vão se revelando passo a passo aos seguidores. Nesta seção podemos encontrar materiais bastante diversos: a escolha do grupo dos Doze (Lc 6,12-16), o Sermão da Planície (Lc 6,17-49), duas séries de milagres (Lc 7,1-17; 8,22-56), e uma pequena coleção de parábolas (Lc 8,4-18). E tudo isto faz parte ainda da atividade de Jesus na Galiléia (Lc 4,19-9,50).


O relato da “ressurreição” do filho da viúva de Naim se encontra apenas no evangelho de Lucas. E Lucas se inspirou nas narrativas de milagres dos profetas Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,17-22.32-37). Ao introduzir este relato Lucas quer justificar aquilo que Jesus dirá mais adiante, no v.22, como resposta para a pergunta de João Batista: “Os cegos vêem..., os surdos ouvem..., os mostos ressuscitam” (Lc 7,22). Até neste relato Lucas não relatou ainda nenhuma “ressurreição”. Por isso, ele precisa narrar um milagre deste tipo para justificar a realidade do v.22.


Neste relato encontramos dois protagonistas: a mãe viúva e seu único filho morto. Na época de Jesus as mulheres eram muito discriminadas. Sendo viúva, pior ainda. As viúvas viviam em situação de extremo desamparo. Elas eram devoradas pelos escribas (Lc 21,4), e empobrecidas (Lc 21,2). A vida de uma viúva “sempre” foi muito sofrida e humilhante (Dt 24,17; Is 1,17; 10,2; Jr 7,6 etc.), mesmo que a lei protegesse as viúvas (Ex 22,22-23). Mas Lucas demonstra atenção especial às viúvas (11 menções: 2,37; 4,25. 26; 7,12; 18,3. 5; 20,28.30.47;21,2.3), apresentando-as como figuras exemplares do louvor inspirado (Lc 1,38), da reivindicação da justiça (Lc 18,3) e dos fracos vergonhosamente explorados (Lc 20,47;21,2). Não é por acaso que nas primeiras comunidades cristãs era dedicada uma atenção especial às viúvas (At 6,1ss). Pelo mesmo motivo São Tiago afirma que “a religião pura e sem mancha aos olhos de Deus Pai é esta: olhar pelos órfãos e viúvas necessitadas” (Tg 1,27). E nas nossas comunidades temos alguma atenção para essa classe de fiéis?


Lucas nos relatou que a viúva de Naim perdeu seu filho único. Ao relatar desta maneira, Lucas quer enfatizar a intensidade dramática da situação da viúva (viúva e sem filho), de um lado, e mostrar o poder de Deus que torna possível o que é impossível para o ser humano (cf. Lc 1,37; 18,27), do outro lado. Perder filho único, como aconteceu com a viúva de Naim, significava perder todas as condições para continuar vivendo. O filho era o que lhe restava, pois a vida da viúva dependia diretamente da vida do filho, que era o herdeiro legítimo de tudo que o pai morto deixou. Mas Jesus, Deus-Conosco, devolveu a alegria de viver da viúva ao restituir a vida de seu único filho.
  

Vamos aprofundar um pouco mais este texto refletindo sobre alguns pontos como mensagens para nossa vida.


1. Confio No Senhor Por Causa Da Firmeza De Sua Palavra


 Ao ver a viúva (enlutada pela morte do filho único), o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chores! ’” (Lc 7,13).


Tragédia, problemas e dificuldades não têm hora para chegar à nossa vida. E quando chegam não pedem licença, mas adentram nosso espaço e interrompem nossos sonhos, nossa tranqüilidade, nossas alegrias, nossos ideais até nosso futuro. E o mais interessante é que vivemos informados diariamente sobre tantas tragédias, tantos assassínios que ocorrem pelo mundo e achamos que somos ou sejamos invulneráveis a tudo isto. Mas quando somos atingidos pela tragédia, pelos problemas e dificuldades ou pelas provações, nos vem à mente esta pergunta: “Onde está você, Deus? O Senhor não está vendo o que está acontecendo na nossa vida?”. E quantas vezes nos sentimos solitários, como quem querendo uma explicação diante de nossos problemas, mesmo que seja apenas uma pequena luz, mesmo sendo do tamanho de uma força de um fósforo.
  

Diante da interrogação sobre a existência de Deus por causa de nossos problemas, precisamos estar conscientes de que Deus é bondoso de mais para ter ímpetos de crueldade, sábio demais para errar, verdadeiro demais para enganar, amoroso demais para se vingar e profundo demais para se explicar. Diante dos problemas, dificuldades, angústias e provações, saibamos que não há Deus maior como o nosso Deus revelado por Jesus Cristo, que é amor (1Jo 4,8.16), soberano, e Criador de todas as coisas e que com toda certeza tem o melhor para nós, mesmo que sua resposta seja um sonoro NÃO para nossa vida ou nosso modo de viver(cf. 2Cor 11,23-31;12,7-10), ou mesmo que tenhamos que esperar um pouco mais a sua resposta, pois Deus pode tardar, mas jamais falha. Por causa deste Deus que jamais falha é que nos tornamos fiéis, perseverantes e pacientes em tudo. “Senhor, eu espero em ti o dia todo por causa da tua bondade”, recorda-nos o salmista (Sl 25[24],5b). Confiamos no Senhor por causa da firmeza de Sua Palavra, da peculiaridade de Sua Verdade e da permanência de sua eternidade.


2. O Senhor Nos Chama à Vida e à Compaixão Permanentemente
    

Aproximou-se, tocou o caixão..., Jesus disse: ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’. O que estava morto sentou-se e começou a falar” (vv.14-15a).


No relato do evangelho deste dia Jesus se aproxima da realidade da morte do filho da viúva pessoalmente. Ninguém estava pedindo a Jesus que interviesse. A iniciativa dele é gratuita em todos os sentidos. Ele é itinerante conosco. Ele vai ao encontro do povo onde este está, embora este nem sempre perceba a presença do Senhor. Ele tem um olhar penetrante, capaz de perceber a realidade para poder oferecer uma solução adequada. Ele olha com benevolência e ternura. Ele deixa que a realidade dolorida entre dentro dele, que o contagie: “O Senhor sentiu a compaixão para com a viúva e lhe disse: ‘Não chore! ’”. A compaixão é uma reação característica de Deus. Na sua tradução correta do grego que remete a um modo hebraico de falar, a palavra “compaixão” significa “atingido no íntimo” ou “nas entranhas”. Ao ver a viúva enlutada, Jesus realmente “foi tomado nas entranhas” por amor.  “Compaixão” é a reação espontânea do amor de Deus por nós, seres humanos.
  

A compaixão coloca em crise o discurso. “Não chores!”, diz Jesus à viúva. Palavras consolam, mas desde que estejam dentro do processo da compaixão-misericórdia. Palavras descompromissadas não causam efeito benévolo algum. Exigem ser respaldadas pelo testemunho e pela prática da solidariedade. Não devemos dizer uma palavra a mais além daquilo que fazemos. Por isso, baseado na sua compaixão, o Senhor chama o jovem morto de volta para a vida para a alegria da viúva enlutada: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”. Por esta ordem o jovem voltou a viver: “Sentou-se e começou a falar”. A palavra é autoridade para levantar “defuntos” quando é carregada por alguém que vive realmente uma espiritualidade da compaixão-misericórdia. Ressuscitar mortos é reunir pessoas que se amam. O filho vivo para a viúva significava não apenas um pedaço de sua vida, mas também um amparo legal, o sustento e o consolo de sua viuvez.
    

Tudo isto quer nos dizer que Deus se encontra onde há o sentido da compaixão, pois a compaixão é uma reação característica de Deus. Deus se encontra onde há o sentido do amor vivificante, pois “Amor” é o nome próprio de Deus (1Jo 4,8.16). Significa ainda que, seguindo Jesus, só podemos também suscitar vida, ter piedade dos que sofrem, oferecer a nossa ajuda, ter uma atitude de oblação. Das duas, uma: ou fazemos da nossa vida um cortejo de morte, dos sem esperança, que acompanham o cadáver, em atitude de choro, de luto, de desespero: ou fazemos do nosso peregrinar um caminho de esperança, de ressurreição, de transformação do choro e da morte em sentido de vida. Podemos escolher. Mas se somos seguidores de Cristo e nos deixarmos visitar pelo Senhor, autor da vida, o nosso peregrinar deve ser um caminho de esperança e não um cortejo de morte. Deus, em quem acreditamos, não é uma ameaça ou um concorrente, mas uma potência de amor que nos constrói e nos chama à vida. Por isso, Jesus sempre se coloca a favor da vida.
   

Conseqüentemente, ser cristão é ser lutador e defensor da vida no seu início, na sua duração e no seu fim. O homem possui a vida de Deus e por isso ele é sagrado. A vida é sagrada e divina demais para ser sacrificada. A vida, por ser divina, merece ser reverenciada, amada e respeitada em todos os momentos. Graças à nossa mãe que nos ama e ama a nossa vida e por isso, não nos abortou. A viúva é símbolo da humanidade, para quem Jesus trouxe consolo e sustento: a vida que jamais morre, pois Deus é a vida e a ressurreição (cf. Jo 11,25-26a).


Além disso, olhando para a viúva de Naim, reconhecemos que quantas vezes tentamos buscar um modo de sair de situações embaraçosas, caóticas e delicadas, mas somos obrigados a aceitar nossas limitações. Quantas vezes nos vemos em meio a conflitos pessoais, familiares ou profissionais, indecisos entre fazer ou não fazer, hesitantes entre ir ou ficar por causa de nossas fraquezas. A história da viúva de Naim quer nos ensinar que diante de qualquer situação, por pior que seja, sempre haveremos de encontrar o Senhor a nos amparar, pois Ele mesmo é o Deus-Conosco (cf. Mt 28,20).


3. Somos chamados a viver nossa missão profética


Ao ver o jovem voltar a viver, “Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo” (Lc 7,16).
   

A reação dos que testemunham a restituição da vida do jovem, filho da viúva de Naim é a de temor. Hoje diríamos de estupor, e reverência religiosa. Vários exemplos deste tipo de reação podem-se encontrar no evangelho de Lucas (veja 1,65;5,9;5,26;8,25;8,37). Diante da extraordinária manifestação do poder salvador de Deus faltam as palavras. Não lhes resta nada mais do que louvar a Deus: “Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”. Vêem nele um grande profeta a serviço do povo de Deus e reconhecem que na ajuda misericordiosa de Jesus, Deus se encontrou com o seu povo: “Deus veio visitar o Seu povo” (cf. Lc 1,68). O Antigo Testamento (AT) fala dessas “visitas” como se fossem intervenções de Deus para abençoar o seu povo (Gn 21,1;Ex 3,16;Jr 29,10) ou para castigá-lo (Ex 32,34;Is 10,12; Ez 23,21). Em Lucas, através do relato, a visita do Senhor é obra de sua graça. Precisamos ficar atentos porque o Senhor nos visita constantemente e de várias maneiras para nos consolar, nos confirmar, nos corrigir ou nos alertar. Na compaixão traduzida na solidariedade que praticamos, sem dúvida Deus está conosco e através desta bondade vivida por nós para o bem de todos, Deus nos faz instrumentos de Sua amorosa visita.


A expressão “um grande profeta” que poderia aludir ao profeta escatológico esperado por Israel (Dt 18,15-18), se refere seguramente a um profeta como Elias. No entanto, para Lucas, a autoridade de Jesus não é somente a de um grande profeta (4,24;7,39;13,33.34), mas daquele que se apresenta como o Messias de Israel, o Filho de Deus, o Senhor da vida e da morte (5,8.12;6,5.46;17,6;18,41 etc.) que sabe, no entanto, compadecer-se da necessidade humana (7,13).
    

Participamos da função profética de Jesus através do Batismo. Como ser profeta hoje?
   

É descobrir e propor o projeto de Deus para a humanidade. Profeta é alguém com uma fé profunda, com uma consciência muito forte da presença de Deus na própria vida. E a vida de união e de comunhão com Deus vai impregnando a vida do profeta, de modo que vai aprendendo a interpretar todos os acontecimentos políticos, sociais e religiosos à luz de Deus e do Seu projeto. Ser profeta é estar marcado pelas experiências de solidão, angústia, sofrimento, crise, rejeição, incompreensão, mas mesmo assim continua sendo fiel à missão de Deus. No fundo, trata-se de arriscar a vida, na certeza da presença de Deus. Ser profeta é estar instalado para levar adiante a missão recebida. Ser profeta é assumir um modo novo e inédito de viver e anunciar o essencial. O essencial é a fé, a esperança e a plenitude do amor, das quais os profetas foram testemunhas vulneráveis, mas obstinados. Ser profeta é escutar, aprender, receber, acolher o Deus do povo e o povo de Deus. Ser profeta é ser coerente entre a palavra anunciada e as opções pessoais. Quantos pretensos profetas gritam diante dos microfones, ditam sentenças nos jornais, revistas, televisão e rádio, no entanto não dão testemunho com a sua vida e por isso, as coisas não mudam. E assim por diante. A partir de tudo isso e de tudo mais, sejamos honestos ao responder a esta pergunta: “Vivemos realmente a nossa função profética? Será que os outros poderão nos dizer: ‘Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo? ’”.

P. Vitus Gustama,svd

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