É
PRECISO FAZER TUDO NO ESPÍRITO DO SENHOR
XVI
DOMINGO DO TEMPO COMUM “C”
21 de Julho de 2013
Texto de
Leitura: Lc 10,38-42
Naquele tempo, 38 Jesus
entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. 39 Sua
irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava sua palavra. 40 Marta,
porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: “Senhor, não
te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela
me venha ajudar!” 41 O
Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada
por muitas coisas. 42 Porém,
uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será
tirada”.
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1. Escutar a Palavra de Deus Para Fazer
Tudo No espírito do Senhor
O evangelho do domingo anterior (o
bom samaritano: Lc 10,29-37) nos respondeu a pergunta: ”Quem é o meu próximo?”
Ser próximo é sair da nossa rota e nos aproximarmos do outro. E no fim da
parábola, aparece o convite para agir, para mover-se, para realizar: “Vá e faça
a mesma coisa”. Para deixar bem claro que não se trata de um “fazer” qualquer,
mas um “fazer” que nasce do fundo do coração, Lucas narrou logo em seguida o
episódio da escuta de Maria. Os dois textos, podemos dizer, sublinham a unidade
que existe entre o fazer e o escutar. De fato, em Lc 11,28 Jesus diz: “Mais
felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. É
este conjunto, que reúne dois elementos- a escuta e a prática -, que constitui
a plenitude do ser humano. É preciso fazer tudo no Espírito do Senhor. Para
isso, é preciso escutar a Palavra do Senhor sobre como deve-se fazer.
Quem é Marta? Quem é Maria? E Quem
somos nós?
“Marta” em aramaico significa
senhora, dona de casa. Biblicamente cada nome diz o “destino” (vocação/missão)
da pessoa. Como dona de casa, ela tem a responsabilidade por todo andamento da
casa. E, também, como dona de casa, ela deve honrar o hóspede e fazer o
possível para que não lhe falte nada. Para o hebreu o hóspede é o rei, o senhor
e deve ser colocado em primeiro lugar. Marta quer oferecer uma hospitalidade
realmente digna e não deve causar admiração seu medo de não conseguir: é
preciso que as coisas sejam feitas com toda a amplidão da sua exigência.
Mas até certo ponto, o ideal de
eficiência cultivado tão rigidamente lhe faz perder o ponto de equilíbrio, a
visão do conjunto. Para ela, um “prato” (comida)
é mais importante do que o resto. Para Jesus, uma “coisa” é mais importante do
que um “prato”. E essa “coisa” se torna “a parte melhor” e quem a possui,
ninguém poderá tirá-la dele. Assim, procurando a todo custo alcançar o ideal de
receber o hóspede em primeiro lugar, acaba por colocar-se no lugar do hóspede,
ordenando-lhe como se fosse seu dependente. Aqui acontece uma inversão ridícula
das partes: Marta quer honrar o hóspede e chega a censurá-lo: “Mande que ela
me ajude!” (v.40). Ela inverteu o sentido das coisas e não compreendeu mais
nada de Jesus. Na sua mente, tudo se move como se Jesus tivesse vindo apenas
para um bom almoço, ao passo que Jesus é honrado quando é reconhecido como
Mestre. Marta não tem tempo para Jesus, pois as responsabilidades domésticas
impedem-na de ver a pessoa. Lucas diz que Marta estava preocupada com os muitos
serviços, por isso não compreendia o significado daquilo que estava
acontecendo.
Marta representa o sacerdote e o
levita (no episódio do bom samaritano), cumpridores dos deveres, sérios,
autoritários; representa os que estão envolvidos com responsabilidades, os que
têm cérebro, mas estão impedidos de ter coração (cf. Ez 36,25-28).
“Maria” significa “a excelsa”, elevada,
sublime: até pelo seu “nome” já se está aqui antecipando tratar-se de quem
“optou pela ‘parte’ boa - melhor”.
O texto diz: “Maria, sentou-se
aos pés do Senhor e escutava a sua palavra” (v.39). Esta frase tem um valor
teológico. A expressão indica a qualidade de discípulo, de alguém que escolheu
um mestre. No tempo de Jesus, a expressão significava que uma pessoa tinha entrado
para fazer parte do grupo dos discípulos de um rabino ou mestre e participava
das mesmas lições. Nos At 22,3, por exemplo, Paulo lembra com orgulho: “Eu
estive sentado aos pés de Gamaliel”, isto é “fui discípulo do mestre
Gamaliel”.
Maria, portanto, torna-se discípula
de Jesus, coloca-se publicamente em sua escola, com os Doze. É fácil, então,
compreender o escândalo, a carga explosiva deste gesto porque, na época de
Jesus, nenhum mestre/rabino teria aceitado como discípulo uma mulher. Os
rabinos até diziam que era melhor queimar uma Bíblia do que entregá-la nas mãos
de uma mulher(cf. também 1Cor 14,34-35 onde se diz que as mulheres devem estar
caladas nas assembléias). Podemos imaginar o murmúrio das pessoas que estão ali:
“Como, esta mulher, ao invés de estar na cozinha, vai à escola de teologia? O
que pretende? Quem pensa ser, o que deseja tornar-se, quais são suas
ambições?”. Sendo este o modo de pensar daquele tempo, é fácil entender quanto
foi revolucionário a escolha de Jesus de acolher entre os seus discípulos
também as mulheres. Não terá chegado para nós a hora de dar ao mundo sinais
evidentes de que uma nova sociedade surgiu, na qual a mulher, de fato,
recuperou toda a sua dignidade porque Jesus a levantou? Não terá chegado a hora
de romper e de acabar, decidida e claramente, com certas e muitas
discriminações que não derivam do Evangelho mas das nossas culturas bem
machistas?
“Maria sentou-se aos pés do Senhor,
e escutava a sua palavra”. Com efeito, o maior desejo de Jesus é dar, comunicar
a sua palavra. Maria realiza plenamente a bem-aventurança evangélica: “Felizes
aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. A riqueza, o valor
nutritivo da escuta de Jesus, que Maria está vivendo é uma escuta que faz
tremer, que compromete porque nos diz respeito e nos esclarece. Não é uma
escuta passiva. É descobrir o mistério de nós mesmos na escuta da Palavra de
Alguém, maior que nós, que tendo criado nosso coração, revela-nos os segredos.
A capacidade de escutar é o primeiro caminho para entender aquilo que o outro
diz. A virtude de escutar é dispensável ao discípulo, quer ele esteja
dialogando com o mestre, quer ele esteja dialogando com outro discípulo ou com alguém mais simples no
critério da sociedade.
Maria, sentada aos pés de Jesus para escutar
sua Palavra é imagem do homem que se auto-compreende, que atinge a
autenticidade, a clareza da posse cognitiva de si, colocando-se na escuta da
Palavra divina que nos revela e, ao mesmo tempo, nos plenifica. Escutar a
palavra do Senhor é condição para que o serviço, não se torne uma estéril
agitação no vazio de auto-gratificação. A única coisa que conta é o
relacionamento pessoal e fiel para com o Senhor, que antecipa desde já a plena
e definitiva comunhão de vida.
Na transparência captamos também
aqui o mistério do silêncio de Maria. O silêncio nos ajuda, de fato, a calarmos
em nós a fantasia, o nosso ser, e a limparmos da alma tudo quanto nos possa
perturbar. Cada um de nós é vítima da agressão externa de hordas de palavras,
de sons, de clamores, que ensurdecem o nosso dia e até mesmo, às vezes, a nossa
própria noite. Somos agredidos e envolvidos pelo multilóquio mundano que, com
mil futilidades, nos distrai e nos dispersa. Só depois do amor ao silêncio é
que despertará a nossa capacidade de escuta.
Jesus não responde à nossa maneira
de viver cheia de preocupações dizendo que não devemos nos ocupar tanto com os
negócios do mundo. Ele não tenta nos afastar dos múltiplos acontecimentos,
atividades e pessoas que constituem as nossas vidas. Ele não diz que aquilo que
fazemos não tem importância, é sem valor ou inútil. Nem tampouco sugere que nos
afastemos dos nossos envolvimentos e vivamos uma vida tranqüila e em paz, sem as
lutas do mundo. Mas ele pede que nos desviemos do nosso centro de gravidade,
que recentremos a nossa atenção, que modifiquemos as nossas prioridades. Jesus
quer que nos afastemos das “muitas coisas” para a que é “a única necessária”.
Jesus não fala em mudança de atividades, em mudança de contatos, nem sequer em
mudança de ritmo. Ele fala em mudança de coração. Essa mudança de coração torna
tudo diferente, mesmo que todas as coisas continuem a parecer semelhantes. O
que conta é onde colocamos o nosso coração. Jesus pede que coloquemos o nosso
coração no centro, onde todas as coisas se encaixam no lugar certo. Quando
compreendemos as palavras de Jesus como um chamado urgente para serem escutadas
é que conseguimos melhor o que está em jogo. É a Palavra de Deus que mostra o
que fazer e como fazer.
Portanto, a escuta da Palavra de
Deus é a rocha da nossa certeza. Que a Palavra de Deus existe para mim, posso
escutá-la, eu me nutro dela, cresço na fé, na certeza juntamente com tantos
outros irmãos. Assim, nos tornamos Igreja, somos formados pela Palavra de Deus
e a nós é proferida a Palavra de Jesus: “Esta parte melhor não lhe será
tirada”.
Para saber se somos verdadeiramente
capazes de escutar a Palavra divina, podemos nos perguntar: no meu dia, quais
são os momentos de escuta séria da Palavra? Sei fazer-me escutar? Isso é muito
importante porque, às vezes, há quem diz: “Ninguém me escuta”, porém, não se
questiona se sabe fazer-se escutar, se sabe manifestar e encontrar os caminhos
de verdade para este direito fundamental que é o fazer-se escutar?
2. Oração e Serviço Em Sintonia
Todos os relatos que falam de Marta
e de Maria sublinham a complementaridade de dois temperamentos: aqui, Marta se
ocupa dos preparativos da refeição, enquanto que Maria se ocupa de atender
pessoalmente o Convidado (Jesus). Essas duas funções são necessárias e
asseguram uma hospitalidade mais amável.
A função de Marta é útil. Seu
serviço é indispensável. Todo amor posto ao serviço dos demais honra a Jesus: “Me
destes de comer, me deste de beber... Venham os benditos do meu Pai” (Mt 25,34-35).
Mas se essa função ultrapassar o limite, haverá a repreensão de Jesus como
repreendeu Marta: “«Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas,
quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será
tirada». O Messias dos pobres não necessita de uma mesa abundante, apenas o
justo necessário para viver e assim se evitam a preocupação e inquietude
desnecessárias. Por isso, no evangelho de Lucas Jesus repete a mesma frase: “Não
andais preocupados...! ”(Lc 12,22-31; 8,14; 21,34).
“Maria escolheu a melhor parte que
não lhe será tirada”. Sim, a Palavra de Jesus passa adiante de qualquer
preocupação de ordem temporal. Uma preocupação demasiada dos assuntos temporais
pode nos desviar do essencial. Mas não se trata de opor “ação” e “contemplação”. Felizes os que unem ambas: os que escutam a Palavra
de Deus e a põem em prática (cf. Lc 8,21).
Cada cristão deve saber conjugar as
duas dimensões: a oração e o serviço. O mesmo Jesus sempre uniu as duas. Sempre
houve momentos de contemplação tanto nas sinagogas como nos lugares desertos
depois de seu trabalho intenso de evangelizar. A prática de Jesus não se
caracterizou pelo ativismo nem pelas obras espetaculares e custosas. Seu
trabalho se concentrou em formar comunidade de irmãos, transformar a
mentalidade das pessoas, celebrar os sinais do Reino de Deus, resgatar os
marginalizados e os empobrecidos e dar à mulher e ao homem um devido lugar na
comunidade humana.
Nosso trabalho ou serviço não poderá
ser bom se não tiver raiz, se não estivermos em contato permanente com Deus, se
não se basear na escuta de Sua Palavra. Jesus não desautoriza o amor de Marta
pelo trabalho, e sim ele dá uma lição de que não tem que viver em excessivo
serviço a ponto de se esquecer de viver e de conviver bem com os irmãos. Deve
encontrar tempo para a escuta da fé e da oração. É a lição de Jesus também para
todos os homens da era de modernidade e para todos os homens de todos os tempos
e lugares.
P. Vitus Gustama,svd
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