10/03/2015
Mt 18,20-35
Naquele tempo , 21Pedro aproximou-se de Jesus e
perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim?
Até sete vezes?” 22Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta
vezes sete. 23Porque o Reino dos Céus é como um rei que resolveu
acertar as contas com seus empregados. 24Quando começou o acerto,
trouxeram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. 25Como o
empregado não tivesse com que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como
escravo, junto com a mulher e seus filhos e tudo o que possuía, para que
pagasse a dívida. 26O empregado, porém, caiu aos pés do patrão, e prostrado,
suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei tudo’. 27Diante disso, o
patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. 28Ao
sair dali, aquele empregado encontrou um de seus companheiros que lhe devia
apenas cem moedas. Ele o agarrou e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me
deves’. 29O companheiro, caindo aos seus pés, suplicava: ‘Dá-me um
prazo! e eu te pagarei’. 30Mas o empregado não quis saber disso.
Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que ele pagasse o que devia. 31Vendo
o que havia acontecido, os outros empregados ficaram muito tristes, procuraram
o patrão e lhe contaram tudo. 32Então o patrão mandou chamá-lo e lhe
disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste.
33Não devias tu também, ter compaixão do teu companheiro, como eu
tive compaixão de ti?’ 34O patrão indignou-se e mandou entregar
aquele empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida. 35É
assim que meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de
coração ao seu irmão”.
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“Você quer ser feliz por um instante?
Vingue-se. Você quer ser feliz para sempre? Perdoe” (Tertuliano)
O texto
do evangelho lido neste dia faz parte do quarto grande discurso de Jesus no
evangelho de Mateus (Mt 18). Este discurso é conhecido como “Discurso
comunitário”, isto é, como devemos conviver como uma comunidade. Para Mateus o
pecado sempre existe, a fraqueza humana nunca conhece seu fim. Por isso, na
comunidade deve haver espaço para o mútuo perdão. Perdão mútuo é um dos temas
neste quarto discurso. Sem o perdão mútuo, a comunidade deixaria de existir. Os
que são capazes de perdoar mostram que são totalmente dominados pela
misericórdia de Deus apesar das ofensas recebidas. Se aplicar a lei de talião
“dente por dente” e “olho por olho”, o que vai resultar? Todos ficarão sem
dentadura e cegos. Para que todos possam continuar a enxergar a ação
misericordiosa de Deus deve haver o perdão mútuo.
“Até
sete vezes
devo perdoar meu
irmão ?” é a pergunta
de Pedro a Jesus que lemos no evangelho de hoje.
Pedro propõe um
número elevado
de oportunidades de perdão ,
considerando que isso
é uma atitude nobre .
Sete vezes
não são
poucas! Mas de qualquer
maneira , ele
se preocupa com os limites
da atitude fraterna .
Jesus lhe
corrige sua perspectiva
legalista. No lugar de um “sete ” é melhor setenta vezes
sete . No AT o numero 77 representava a vingança dos filhos
de Caim (Gn 4, 24). Jesus muda os términos e converte o número
de vingança em
símbolo da reconciliação. Logo Jesus propõe uma parábola
que mostra
a deficiente atitude
dos que estão pendentes
de contabilizar a misericórdia , o perdão
e a fraternidade .
Jesus fala
para Pedro que
no exercício da caridade
fraterna , especialmente
neste caso sobre
o perdão mútuo ,
não existe limites . O perdão
deve estender-se até onde chegou a dor
ou o desejo
de vingança . Em
outras palavras , o perdão
deve ser proporcional à dor
que sentimos causada por nosso semelhante ou
ao desejo de vingança
que temos contra
quem nos
fez mal . Quem perdoa e é perdoado hoje , sempre
tem possibilidade de voltar a pecar
amanha, porque nossa
fidelidade a Deus
pode não ser definitiva . No entanto ,
sempre que
nos convertermos e voltarmos
arrependidos, nós encontraremos um Pai bondoso e misericordioso para
nos acolher e
perdoar . A simples
consciência da imensidade
do perdão recebido de Deus deveria ser suficiente para motivar cada um de nós a perdoar . Ao contrário ,
a insensibilidade em
relação ao dom
recebido de Deus torna
impossível a concessão
de perdão ao próximo .
Perdoar não é somente dever moral, e
sim o eco da consciência de ter sido perdoado por Deus. Assim chega a ser uma
espécie de virtude teologal que prolonga o perdão dado por Deus a mim (cf. Cl
3,13; Mt 6,14-15; 2Cor 5,18-20).
O perdão
refaz as pontes , encurta as distâncias e desarma os espíritos .
Quando a pessoa
não perdoar , ela se torna refém do próprio ódio ou rancor , e conseqüentemente
perde a liberdade e perturba a convivência . O perdão
é que possibilita a própria
existência e a continuação
da comunidade ou
de uma convivência . Sem
perdão não
existe vida fraterna ,
vida conjugal, vida
familiar , vida
religiosa ou
vida comunitária
e social .
O perdão
é uma categoria fundamental
e radical no Evangelho
e é proposto por Jesus, para
a comunidade , como
um elemento
constitutivo da qualidade das relações . Perdoando o passado
doloroso se constrói um futuro cheio
de esperança. Trata-se de uma atitude positiva e otimista . O mal não tem a
ultima palavra porque
o homem e a mulher
podem mudar .
A tradição bíblica apresenta um Deus
que ama um povo apaixonadamente. Ele ama o povo não por sua grandeza cultural
nem por mérito, e sim porque Deus o ama loucamente. Não existe outra razão. “O
amor apaixonado de Deus pelo seu povo — pelo homem — é ao mesmo tempo um amor
que perdoa. E é tão grande, que chega a virar Deus contra Si próprio, o seu
amor contra a sua justiça. Nisto, o cristão vê já esboçar-se veladamente o
mistério da Cruz: Deus ama tanto o homem que, tendo-Se feito Ele próprio homem,
segue-o até à morte e, deste modo, reconcilia justiça e amor”, escreveu
o Papa Bento XVI (Carta Encíclica: Deus Caritas Est, no.10).
Deus que ama e perdoa se encarna em
Jesus. Da cruz Jesus faz um testamento sobre o perdão ao perdoar aqueles que o
crucificaram: “Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
Nós somos convidados a atuar nesta direção de gratuidade. Se nossa relação com
o próximo é vivida sob o sinal da maldade, não há razão para que nossa própria
relação com Deus se viva de outra maneira. Para amar verdadeiramente, temos que
aprender a perdoar a exemplo de Jesus Cristo.
O versículo final da parábola (Mt
18,35) considera o amor fraterno como uma condição para obter o perdão de Deus.
O amor dispõe ao homem para o perdão. O perdão fraterno significa submeter-se
completamente à ação misericordiosa de Deus. Neste sentido, perdoar o próximo é
sinal da plenitude da eficácia do perdão de Deus recebido. O perdão dado é o
perdão recebido.
O perdão é um ato de doação, tanto
para aquele que o recebe como para aquele que o brinda. Ambos se enriquecem com
o benefício da paz; ambos se libertam do cárcere que os aprisiona. Por isso, o
perdão é seguir avançando; é amparo e encontro. O perdão revela a graça. O ato
de perdoar é um ato da misericórdia de Deus que apaga os pecados (Am 7; Ex
32,12.14; Jr 26,19; Ez 36,29.33). No NT, reconciliação e perdão somente se
entendem a partir da cruz, do amor entregue e do sangue derramado pelo perdão
dos pecados (Mc 10,45; Hb 9,22; Rm 8,32; Mt 26,28...).
Deixemos hoje
as seguintes interrogações que podem complementar a
interrogação de Pedro: Quantas vezes eu tenho
que perdoar ?
O que tenho que
perdoar ? Quantas vezes
os outros devem me
perdoar ? O que
devem me perdoar ?
A vida nos oferece diversas ocasiões
para exercermos o mistério do perdão entre nós: na família, no trabalho, nas
relações pessoais e assim por diante. Cada sinal de perdão comunica também a
graça de Deus que atravessa todas as nossas ações. A reconciliação nos devolve
a verdadeira liberdade e a responsabilidade que nos permite acolhermos e
praticarmos novamente o bem, suscitá-lo ou restaurá-lo dentro de nós e ao nosso
redor. Ao cultivarmos a dimensão do perdão e da reconciliação entre nós temos a
esperança de construir um mundo novo sem violência. “O fraco jamais perdoa, o perdão é característica
do forte”
(Mahatma Gandhi). Quaresma é o tempo para se reconciliar e para o mútuo perdão para
podermos experimentar, por antecipação, a vitória da ressurreição sobre a morte
e sobre o que é mortal em nós.
P. Vitus Gustama,svd
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