sábado, 28 de março de 2015

31/03/2015
 
TRAIÇÃO MORTAL

Terça-Feira da Semana Santa

Evangelho: Jo 13,21-33.36-38

Naquele tempo, estando à mesa com seus discípulos, 21Jesus ficou profundamente comovido e testemunhou: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará”. 22Desconcertados, os discípulos olhavam uns para os outros, pois não sabiam de quem Jesus estava falando. 23Um deles, a quem Jesus amava, estava recostado ao lado de Jesus. 24Simão Pedro fez-lhe um sinal para que ele procurasse saber de quem Jesus estava falando. 25Então, o discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: “Senhor, quem é?” 26Jesus respondeu: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho”. Então Jesus molhou um pedaço de pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27Depois do pedaço de pão, Satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe disse: “O que tens a fazer, executa-o depressa”. 28Nenhum dos presentes compreendeu por que Jesus lhe disse isso. 29Como Judas guardava a bolsa, alguns pensavam que Jesus lhe queria dizer: ‘Compra o que precisamos para a festa’, ou que desse alguma coisa aos pobres. 30Depois de receber o pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite. 31Depois que Judas saiu, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. 32Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo. 33Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. Vós me procurareis, e agora vos digo, como eu disse também aos judeus: ‘Para onde eu vou, vós não podeis ir’”. 36Simão Pedro perguntou: “Senhor, para onde vais?” Jesus respondeu-lhe: “Para onde eu vou, tu não me podes seguir agora, mas seguirás mais tarde”. 37Pedro disse: “Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu darei a minha vida por ti!” 38Respondeu Jesus: “Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes”.
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É muito difícil compreender a profundidade dos sentimentos de Jesus na véspera de sua morte. Além disso, é bastante difícil chegar a saber que possa sentir o coração de Jesus quando para a sua morte iminente se acrescenta ainda mais a tração vinda dos próprios apóstolos. Trata-se da amargura atrás de amargura. É um grande alerta para todos os cristãos que a traição pode fazer ninho na alma dos chamados dirigentes.


O texto do evangelho deste dia produz uma emoção singular em qualquer leitor piedoso e sensível. Poucas passagens têm semelhança ao texto de hoje: por sua profundidade psicológica, pela força de seus símbolos, e pelas perspectivas teológicas que nos abrem.


Profundidade psicológica porque o Mestre está profundamente comovido pela magnitude da revelação que vai fazer: “Em verdade, em verdade Eu vos digo: um de vós me entregará” ou “um de vós vai me trair”. De fato, um discípulo com quem o Mestre compartilhou sua vida, dons e pregação, vai trair seu próprio Mestre.


A palavra “traição” é muito dura. Apenas a usamos em nosso vocabulário quando se trata de uma verdadeira relação. Falar da traição supõe fazer referência a uma relação de amor e fidelidade frustrada. Somente se trai o que se ama. “Quando se enfraquece o amor, também se enfraquece o fervor” (Santo Agostinho). Quem muito ama, muito sofre com a ingratidão ou com a traição do amado. No contexto do evangelho de hoje o traidor é um exemplo das trevas sobre as quais brilhou em vão a luz. Judas deixou de estar em sintonia com Jesus. “Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: ‘Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo’. Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demônio’”, disse Papa Francisco.
 

Nós traímos Jesus quando convertemos Jesus num objeto para alcançar nossos caprichos. Nós começaremos a atrair Jesus Cristo, se deixarmos de estar em sintonia com sua pessoa e com seus ensinamentos. Nós O trairemos quando Jesus nos oferece a amizade e não buscamos cultivá-la diariamente. Nós O traímos quando repetimos muito seu nome nas nossas orações, em nossos louvores e em nossos cantos, mas não estamos dispostos a nos deixar transformar por Ele. Nós trairemos Jesus quando usarmos as pessoas para valorizar dinheiro.


Cada um de nós tem que saber se cuidar para poder cuidar dos demais; tem que saber se valorizar para valorizar os outros; tem que saber colocar o ser humano acima das coisas, em vez de as coisas acima do ser humano. “Se você não é fiel a si mesmo, também nunca será fiel aos outros. Se você quiser ser fiel até a morte deve estar disposto a mudar durante toda a sua vida (René Juan Trossero).
  

Também é profundidade na surpresa dos discípulos. Os discípulos se sentem débeis, pobres, desagradecidos; porém na consciência de quase todos é inimaginável uma traição de tal qualidade que não tem piedade em entregar o próprio Mestre aos inimigos. Tem que ser muito pecador e muito traidor para fazer uma maldade desse tamanho. Judas desvaloriza o amor pelo Mestre para valorizar o dinheiro pelo qual ele vendeu o seu Mestre.


É profundidade também no gesto de amor. Jesus umedeceu um pedaço de pão no molho e deu a Judas. Nas refeições solenes, na época, dar um pedaço de pão umedecido no molho era sinal de carinho especial. Com este gesto, o evangelho dá a entender que Jesus ama extraordinariamente aquele que O trairá. Ou seja, Jesus ama Judas até as ultimas conseqüências. No entanto, Judas se recusa ao amor sem limites de Jesus. De fato, ele recebeu o pedaço de pão umedecido e saiu imediatamente do grupo. O evangelho não diz se ele comeu ou não esse pão.


Ao desprezar o amor de Jesus, Satanás toma posse do coração de Judas, privando-o de toda luz, pois ele é totalmente dominado pelas trevas. Por isso, o evangelista João conscientemente acrescenta esta expressão: “Era noite”. Para o evangelho de João “trevas” ou “treva” é tudo que se opõe ao projeto ou ao plano de Deus; é aquilo que oculta o homem do plano de Deus. Conseqüentemente, aquele que é dominado pelas trevas vive sem rumo e sem a alegria de viver. Mas aquele que aceita ser amado por Jesus vive na alegria apesar dos problemas encontrados no caminho da vida, pois Jesus é a Luz que ilumina a vida de cada um de nós (Jo 8,12).


No evangelho de hoje encontramos dois homens que falham: Judas e Pedro. Mas seu pecado tem origem diversa. O pecado de Judas é a avareza que odeia. A avareza é um desvio do significado do infinito para o que é relativo. O pecado de Pedro é a debilidade que ama. Por isso, o seu final é diferente. Judas se desespera e suicida. Pedro se arrepende porque ele não deixa o amor por Jesus morrer.


Temos sempre momentos de debilidade ou de fraqueza que nos faz desviarmos do caminho do Senhor. Mas que nosso amor por Jesus não morra como o amor de Pedro a Jesus. Esse amor nos devolverá a alegria de viver e a força para continuar nossa luta de cada dia pelo bem. É preciso que estejamos com Jesus, Luz do mundo (Jo 8,12) para que as trevas não nos dominem. Na ausência de Jesus, Luz do mundo, nossa vida se transforma em uma escuridão total.


“Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem a Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor”. (Papa Francisco)


Judas traiu seu Mestre. De que maneira você traiu Jesus? De que modo você traiu os ensinamentos de Cristo? Na Igreja de Jesus cada um deve estar consciente de que se esquecermos a justiça, a misericórdia, o perdão, a honestidade, a retidão e os demais ensinamentos do Senhor, nós trairemos o Senhor do mesmo jeito. Deixemos que a luz do Senhor brilhe sobre nós para que possamos descobrir nossas sombras. Somente a Luz do Senhor pode nos dizer em que estado nos encontramos e a ela vai nos mostrar o caminho pelo qual podemos sair de nossa escuridão.
 
P. Vitus Gustama,svd

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