SEXTA-FEIRA
SANTA
JESUS CARREGOU NOSSOS PECADOS
Gostaríamos de falar
de dois temas
nesta Sexta-Feira Santa .
Primeiro , os sofrimentos de Jesus à luz dos evangelhos .
A partir deste tema
cada um
pode verificar a própria
experiência em
relação aos sofrimentos. Quem sabe no fim
sairá da boca este
tipo de frase :
“Eu também
passei por esse
sofrimento, mas Jesus sofreu muito mais do que eu ”. Segundo , se falará um
pouco sobre
a teologia da cruz .
Neste tema queremos saber
por que
Jesus foi crucificado? Será que é necessário falar ainda da cruz enquanto Jesus já
ressuscitou ? Qual lição
podemos tirar deste tema ?
1. Os sofrimentos de Jesus à luz dos evangelhos
Como qualquer ser humano,
conseqüência da encarnação, Jesus sente na própria carne todas as dimensões do
sofrimento humano. Ele é participante de todos os sofrimentos humanos(cf. Salvifici Doloris de João Paulo
II). Sua vida inteira está marcada pelo sofrimento, e todo sofrimento vai
apontando para frente, para o seu triunfo final.
Mas para poder falar com
profundidade de Jesus como figura de homem sofredor é preciso destacar a
atitude da alegria de Jesus. Pois somente tem real capacidade de sofrer muito
quem tem a capacidade de gozar profundamente. A presença de uma coisa ou de uma
palavra supõe a existência da outra. Não pode se falar da liberdade quando não
existe a prisão; não se pode discutir sobre a paz quando não aconteceu a
guerra. A saúde existe porque existe a doença. O rico existe por causa da
existência do pobre. A fome faz alguém valorizar o pão. A presença da briga faz
alguém falar de reconciliação ou de perdão, assim por diante. Tudo isto
chama-se o paradoxo da vida. E isso se cumpre em Jesus de maneira privilegiada.
Nele se enquadra a imagem de Isaías do Servo sofredor precisamente porque
também lhe cai a imagem de libertador, de irmão, de amigo, de semeador da
esperança e de consolação e de alegria na existência humana. Jesus é o homem
das dores e ao mesmo tempo o libertador de toda dor.
Nosso mundo não sabe combater a dor
a não ser com anestesia. Retira da dor sua profundidade humana. Luta contra
lucidez na dor. Talvez por causa disso hoje as pessoas sofram menos, mas são
menos sensíveis, pois estão adormecidas, cheias de uma morfina ambiental que
seca seus corações. Por isso, compreendemos menos a dor e ela nos parece tão
absurda e intolerável.
Para Jesus não há necessidade de
anestesiar diante da dor a profundidade da consciência humana, pois o nível
mais alto de experiência dessa profundidade é a bondosa paternidade de Deus. No
mais profundo do nosso ser podemos sentir Deus como Pai querido(Abba).
Jesus sofre a partir de sua
experiência de Deus e a partir dessa mesma experiência encontra razões para um
extremo otimismo. A alegria de Jesus parte de uma experiência prazerosa de Deus
que lhe abre a capacidade de um
compromisso com os sofredores e pecadores. Dessa experiência nasce seu sorriso
para o publicano, o pagão ou a prostituta. Ele sabe ver em cada pessoa, apesar
das aparências contrárias, o que tem do Pai: suas semelhanças com Deus e o amor
que Deus lhe tem. Por isso, Jesus tem sua alegria profunda e extrema.
Jesus participou do sofrimento
humano desde o seu nascimento onde ele conheceu a fundo o que eram as provações
dos pobres. Compartilhou o doloroso nascimento dos mais pobres do mundo. Ele
sofreu a dor dos emigrantes por causa da perseguição de Herodes que viu em
Jesus uma ameaça e perigo para seus privilégios. Compartilhou a vida simples e
as privações do povo em Nazaré. Sofreu medos, dúvidas e tentações como qualquer
ser humano. O libertador do medo soube também o que é o medo(Mt 26,37-39). No
entanto, tendo sentido o mesmo medo que nós diante do compromisso, ele não se
deixou abater e nem deu jamais um passo para trás. Sempre se manteve fiel à
vontade do Pai(Jo 12,27). Ele sofreu a dor de desprezo: os escribas não
acreditavam nele porque era um homem sem estudos(Jo 7,15), vindo de uma região
má fama(Jo1,46;7,41.52),nem o povo em geral(Lc 4,22-29). Seus próprios parentes
o tomaram como louco(Mc 3,21). O povo gritou para pedir a sua morte(Mt
27,16-21). Na cruz sentiu os insultos das pessoas que passavam(Lc 23,35), dos
soldados(Lc 23,36-37) e ainda de um dos que foram crucificados junto dele(Lc
23,39). Com razão, no prólogo do seu evangelho, João comentou: “Veio para o que
era seu e os seus não o receberam”(Jo 1,11). Sentiu o peso do desânimo e o
cansaço pastoral(Lc 9,41; Mc 4,40; Jo 14,9;Mt 23,37-38). Chegou a lamentar-se
de que nenhum profeta é bem recebido em sua própria pátria(Mc 6,4). Sofreu
calúnias e perseguições: foi acusado como mentiroso(Mt 27,63); como enganador
do povo(Jo 7,47); como grande pecador(Jo 9,24), blasfemo(Jo 10,33), que fazia
milagre em nome do diabo(Lc 11,15). Sentiu a tensão psicológica de ser vigiado
e procurado para ser preso(Jo 7,30-32.44-46;10,39;11,57). Sentiu a solidão(Jo
6,67;Mt 26,40.56) e a traição(Jo 13,18.21; Mt 24,14-16; Jo16,31-32). E sofreu a
mais cruel das mortes: ele morreu tragicamente sozinho, traído até pelos seus.
A dor de Jesus não se encerra jamais
sobre si mesmo, ao contrário, está totalmente aberta ao próximo. Por isso, o
profeta Isaías citado por Mateus, resumiu: “Ele tomou as nossas enfermidades e
carregou as nossas doenças”(Mt 8,17). Tão profundamente sentiu a dor humana,
que dedicou sua vida para servir a todos, para aliviar suas penas e para
ensinar-lhes o caminho da superação e da irmandade(Lc 4,18-19). Sua existência
esteve totalmente orientada no sentido de aliviar a dor alheia. Serve a Deus
servindo a seu próximo. Não fechava seu coração para ninguém. Ele fazia cada um
ver o amor de Deus que Deus lhe tinha e seu próprio valor humano. Enquanto
outros encontram razões para condenar, ele as encontra para salvar.
Depois de mergulharmos nos dados
bíblicos acima mencionados chegamos à conclusão de que Deus não quer o sofrimento
humano. Nem tem como tarefa distribuir prêmios e castigos. Ele é o Pai de todos
e quer a felicidade e a realização plena de todo homem e mulher.
Mas por que sofremos, então ?
Simplesmente porque essa é condição do ser humano. A vida humana terrena é por
si mesma pequena, fraca e frágil. A morte e a dor são companheiras naturais de
nossa própria estrutura. O sofrimento chega a todos nós. Não lhe podemos
escapar. A lista é familiar: doença, angústia mental, velhice, solidão, dor,
desilusões, crueldade, a perda de alguém que se ama, sem dúvida, problema de
todos os dias, mas experiências penosas que podem consumir a nossa energia e
roubar-nos a alegria de viver. É fácil tornar-nos amargos e infelizes. Não
tentamos compreender e a dor é então pior.
As energias desta vida obedecem à lei biológica: elas vão se desgastando
progressivamente, ate se consumirem totalmente. Tudo isso não tem nada a ver
com nossos valores eternos de semelhança de Deus.
Mas embora a dor em si seja
inevitável, durante esta vida muitas dores e muitas mortes podem ser evitadas.
Deus não aceita a sociedade na qual uns homens desprezam e atropelam outros. As
cruzes que os homens levantam para seus irmãos são abomináveis aos olhos de
Deus. É preciso denunciá-las e lutar contra elas, pois Deus as detesta. Por
isso, vamos falar um pouco da teologia da cruz.
2.A cruz de Jesus: uma
rebeldia contra o sofrimento
A crucificação como pena era muito
difundida na antigüidade. Aparece sob várias formas entre numerosos povos do
mundo antigo. Para os gregos, ela era e permaneceu uma punição política e
militar. Para os persas era imposto basicamente a altos oficiais e comandantes,
bem como a rebeldes. Para os romanos, ela era aplicada sobretudo às classes
inferiores: escravos, criminosos violentos e elementos refratários em
províncias em rebelião. As três penas romanas supremas eram a cruz, o fogo e os
animais. Pela execução publicamente a
crucificação representava a mais profunda humilhação.
Popularmente, a cruz, com
freqüência, tem sido tomado apenas como símbolo da dor humana. Às vezes se tem
usado para induzir os homens a não se rebelarem, mas sim a negociar com a dor;
tem sido motivo para justificar o sofrimento e ainda como pretexto para certas
formas de repressão. Com esta concepção, a cruz foi afastada grosseiramente de
sua referência a Jesus. Quem procura Cristo sem a cruz acaba encontrando a cruz
sem o Cristo. Mas quem procura o Cristo com a consciência de encontrar a cruz
como conseqüência desta opção, encontrará Cristo ressuscitado e com Cristo ele
encontrará a páscoa.
A teologia
atual insiste em
que o NT foi elaborado com a base na experiência pascal :
o Crucificado está vivo . A expressão
“o Crucificado está vivo / ressuscitou” é
importante . Na palavra
“crucificado” percebemos a crueldade dos
homens mundanos
que sacrificam os inocentes ,
que eliminam os justos ,
que matam os honestos
em nome
da defesa dos próprios
interesses egoístas. Na palavra “está vivo ”
ou “ressuscitado” Deus
quer nos
mostrar que
o que triunfará na nossa
vida é o bem .
O mal ou
a maldade não
tem a última palavra ,
por poderosa
que pareça ser .
Quem tem a última
palavra é o próprio
Deus .
o Crucificado está vivo ou ressuscitou! Tudo
se esclarece a partir da luz
da ressurreição . Nunca
poderemos olhar para a cruz sem nos lembrarmos da ressurreição .
Sexta-Feira Santa
não tem qualquer
significado sem
o Domingo da Páscoa .
A morte e a vida
estavam entrelaçadas em conflito no Calvário .
A vida ganhou, porque
o amor era
mais forte
que a morte . Somente a partir dessa perspectiva se pensa ,
se corrige e se assume o símbolo da cruz . A redenção
é antes de tudo
uma vitória . Cristo
é o vencedor da morte . Ele
não veio
para glorificar a dor , mas sim para dar
um fim
a seu reinado .
Deus sempre
prepara o melhor
para o fim àqueles que
estiverem perseverantes no bem .
A vida é uma mistura de alegria,
felicidade e esperança, e também de tristeza, mágoa e dor. Cada um de nós
carrega sempre esse pequeno fardo. Mas quando nos damos conta do amor que Nosso
Senhor tem por nós, quando compreendemos que a sua vida nos revelou o amor que
Deus tem por nós, então temos de ficar cheios de esperança, de alegria e de
paz. Por isso, sei que a resposta se encontra olhando para Cristo crucificado.
Madre Teresa de Calcutá disse: “Se olhamos para a Cruz de Jesus sabemos muito
bem como ele nos amou. Quando olhamos para a Eucaristia, sabemos muito bem como
ele nos ama”.
Em alguns ambientes tem-se insistido
mais em falar exclusivamente da ressurreição. Eles pretendem tirar da cruz o
seu aspecto escuro. Falam de ressurreição sem mencionar a crucificação. Assim,
acabam se esquecendo do presente trágico da exploração, da injustiça e da dor
reinantes em qualquer lugar. Não se pode esquecer de que Jesus morreu porque o
ser humano não tolera a defesa do pobre, nem o desvelamento da hipocrisia, nem
a denúncia da injustiça, nem a ruptura das convenções e privilégios sociais e
religiosos. Jesus ao optar pelos desprezados e deserdados, está acusando quem
fundamenta sua prosperidade ou sua superioridade no desprezo e na exploração
dos demais. A desumanidade do homem para com o seu semelhante através da
história produziu pobreza, fome, sofrimento e morte. Entendida desse modo, a
imagem do Crucificado já não é a provação do sofrimento, mas sim a rebeldia
contra ele. Tudo isso, se olhamos a partir da perspectiva humana.
Da perspectiva de Deus, a cruz é a
revelação do Deus de amor. Ela revela o amor apaixonado de Deus pelos homens.
Deus não era outra coisa senão amor. Por isso, o calvário é a revelação de seu
amor num mundo de males e sofrimentos. O amor torna apto ao sofrimento e a
capacidade de sofrimento se consuma na entrega e na imolação. Na cruz Deus
passa diante da humanidade a prova do amor, para que depois possamos também
acreditar em seu poder, o poder triunfante de sua ressurreição. Assim, a
ressurreição de Jesus pode se transformar para os que sofrem em uma bandeira de
esperança. Sem a ressurreição, o amor não seria verdadeiramente poderoso; mas
sem a cruz, o poder não seria amor. Da união do amor e do poder divinos surge
nossa redenção.
3. Nossas cruzes e a
nossa cruz existencial sob a cruz de Cristo: um chamado à conversão contínua
A mãe
de Jesus acompanhava o filho Jesus que estava carregando a cruz
silenciosamente . A cruz
do filho é a cruz
da mãe . Ela
também carrega esta cruz
silenciosamente . A ressurreição
do filho é a ressurreição
da mãe . Na Mãe
de Jesus podemos ver tantas mães
do mundo . Sem
dúvida , muitas mães
carregam silenciosamente a cruz ao saber que seu filho se droga ou se perde no mundo
da criminalidade ou
sofre de alguma doença incurável .
Crucificadas, essas mães acompanham a cruz de seu (s) filho (s) com o amor incondicional como a Mãe de
Jesus que se encontrou ao pé da cruz com o amor incondicional .
Todos nós somos convidados a
refletir tais situações e outros tipos de cruz sob a cruz de Jesus ressuscitado
que transformou a cruz em momento de transfiguração cujo ápice é a sua
ressurreição. A partir de Cristo e somente com Cristo podemos sofrer, mas nunca
sofreremos em vão. Sem Cristo é que sofreremos em vão. Este tipo de sofrimento
tortura e angustia e não liberta.
Além das cruzes que encontramos na
vida, ou por nossa própria culpa ou como conseqüência de uma opção pelos
valores cristãos, carregamos também a cruz existencial. Gostaríamos de viver
eternamente nesta terra, e livres de qualquer contratempo, por um lado, mas os
nossos limites como criaturas não nos deixam sermos o que gostaríamos de ser,
por outro lado. Temos desejo infinito por vida ou pela vida, mas somos
obrigados a aceitar um fato brutal de que temos que morrer. A vida em si, em
sua estrutura, hospeda a morte. Jesus, o homem verdadeiro e o Deus verdadeiro,
participou da estrutura humana. Ele morreu não somente porque os homens O
mataram, mas também porque ele é o homem que morreu como todos nós morremos.
Mas para que esta estrutura de uma criatura limitada se torne em uma
transfiguração, precisamos ser despojados como Cristo para que o Deus da vida,
o Absoluto, o Eterno, o Infinito possa hospedar na nossa estrutura mortal para
transformá-la em uma estrutura imortal. Somente com isto teremos outra
concepção sobre a morte: morrer não é mais um fim de tudo(acabou tudo), e sim
uma peregrinação para a fonte da vida, para o Deus vivo que nos espera. Esta
consciência e a fé nesta certeza nos leva a dizermos que o homem nunca morre e
sim uma criatura que nasce duas vezes: nasce quando deixa o seio materno para
entrar num mundo maior onde ele se junta com outros companheiros de viagem rumo
para o outro nascimento que é a entrada na vida eterna.
A partir
do amor de Cristo ,
por nós ,
que foi levado
até o fim
percebemos que estávamos lá no Calvário .
Todos nós
estávamos lá na mente
e no coração de Cristo .
Ele nos
conhecia todos , sofria por todos , nos amava e nos
redimia a todos . Ele
“tomou as nossas enfermidades e
sobrecarregou-se dos nossos males ” (Is 53,4; Mt 8,17). Estávamos lá cravados na cruz
com Cristo ,
moremos com ele
e ressuscitamos com ele .
Olhando para
a Cruz de Cristo ,
a partir de nós ,
percebemos que a cruz
de Cristo é um
produto terrível
do pecado . Foi meu
pecado que
crucificou Jesus. Da cruz sabemos que o preço do pecado é a morte . Jesus
morreu porque o ser
humano não
tolera a defesa do pobre
e do inocente , nem
o desvelamento da hipocrisia ,
nem a denúncia
da injustiça , nem
a ruptura das convenções
e privilégios sociais
e religiosos . Jesus morreu porque era bom e não
compactou com a maldade ,
com a corrupção ,
com a desonestidade ,
com a exploração ,
com a deslealdade ,
com a injustiça ,
mas se colocou, do lado
dos oprimidos , dos justos ,
dos leais , dos honestos ,
dos inocentes sem
retroceder diante
das conseqüências . Cristo
prefere ser crucificado a trair
a verdade , o amor ,
a justiça , a honestidade .
Por isso
é que Ele
foi ressuscitado por Deus Pai .
P. Vitus Gustama,svd
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