domingo, 10 de junho de 2012

FESTA DE NASCIMENTO DE SÃO JOÃO BATISTA

Domingo, 24 de Junho de 2012

Texto de Leitura: Lc 1,57-66.80

Lucas usa uma dupla exposição para contar a história de Israel e da infância de Jesus ao mesmo tempo, com uma técnica bastante sutil. Zacarias e Isabel (os pais de João Batista) são retratados com muita semelhança a Abraão e Sara no Gênesis (o primeiro livro da Lei). Mensageiro da revelação é Gabriel, o anjo do fim dos tempos que aparece em Daniel (cf. Dn 9-10), o último livro das Escrituras hebraicas a ser composto: e assim Lucas cobre todo o âmbito do AT. As anunciações das concepções de João Batista e de Jesus são parecidas com as anunciações dos nascimentos do AT. Os quatro cânticos que se destacam nas narrativas da infância de Lucas (Magnificat,Benedictus, Glória in excelsis, Nunc dimittis) são um mosaico das lembranças do AT, com quase cada uma de suas linhas em paralelo com um verso dos profetas e dos Salmos. Para Lucas, os capítulos da infância ligam as Escrituras judaicas ao evangelho de Jesus uma ponte sobre a qual personagens do AT, tais como Zacarias, Isabel, Simeão e Ana, se encontram com figuras do evangelho, como João Batista, Maria e Jesus.

Lucas usa a anunciação do nascimento de João Batista para preparar o nascimento de Jesus: a anunciação da concepção de João precede a de Jesus, como também o seu nascimento precede o de Jesus. Este paralelismo Lucas articula cuidadosamente.

Mas Lucas vai muito mais além do paralelismo. Ele faz também um tempo tríptico da história do plano de Deus: 1). O tempo da Lei e dos Profetas é o período que os cristãos associam ao AT; 2). O tempo de Jesus que vai do batismo à ascensão (At 1,21-22) e é o assunto do próprio evangelho (os dois tempos são ligados pelas narrativas da infância em Lc 1-2, os capítulos-ponte que abrem o evangelho); 3). O tempo da Igreja que, dando testemunho de Jesus, vai da vinda do Espírito em Pentecostes, até a mensagem que alcança o fim dos tempos (At 1,8). E a peça central de todo o plano é Jesus: antes, a Lei e os Profetas dão testemunho dele (At 13,14b-23); depois, o Espírito e aqueles a quem Jesus escolheu (At 1,2). O tempo de Jesus e o da Igreja são ligados pelo reaparecimento de Jesus (Lc 24,51) para instruir aqueles a quem ele tinha escolhido; isto é descrito nos At 1-2, os capítulos-ponte que abrem o segundo livro de Lucas.

Lucas, na anunciação de João Batista, descreve Zacarias e Isabel como figuras impecavelmente honestas e justas, mas estéreis.  Muitos pais do AT eram estéreis, mas se tornaram capazes de gerar filhos pela intervenção divina. Observe bem o paralelismo entre o casal Abraão e Sara e Zacarias Isabel: a resposta de Zacarias ao anjo (Lc 1,18) e a de Abraão à divina revelação(Gn 15,8) e também a alegria de Isabel com seus vizinhos(Lc 1,58) lembra a de Sara com todos os que ouviam sua novidade (Gn 21,6).

Lucas também coloca Zacarias e Isabel como retratos muito semelhantes a um outro casal do AT, os pais (Elcana e Ana, pais de Samuel) cujo anseio por uma criança foi atendido por Deus. A abertura de Lc 1,5 nos relembra fortemente a abertura de 1Sm 1,1-2. A revelação a Ana de que daria à luz Samuel veio através do sacerdote Heli, durante a visita anual ao santuário para oferecer sacrifícios (1Sm 1,3-17); de modo semelhante, o futuro nascimento de João é revelado ao sacerdote Zacarias, no santuário do templo de Jerusalém. Em ambos as histórias, a criança que deveria nascer não beberia vinho nem outra bebida forte (Lc 1,15;1Sm 1,9-15) e assim seria um consagrado ao Senhor (Nm 6,1-21). Se a história de Abraão e Sara pertence à Lei, a história de Samuel pertence aos Profetas.

 Alguns pontos importantes deste texto para nossa reflexão

a). Zacarias tinha ficado mudo, logo depois da anunciação do anjo, porque não tinha acreditado (Lc 1,20); agora sua obediência em querer que a criança se chamasse João, como o anjo recomendara, mostra que, de fato, ele tinha acreditado; em conseqüência, sua mudez é revelada. Em outras palavras, quando Zacarias, finalmente, consente ou concorda com a instrução de Deus, seu castigo/punição é tirado e ele fica livre para falar. Suas primeiras palavras são em louvor a Deus. A soltura de Zacarias de mudez é expressa em louvor. Quando não acreditarmos na força de Deus , somos impedidos de falar dele e de louvar seu nome (ficamos mudos). A partir do momento em que acreditarmos, experimentarmos e vivermos a força de Deus, ninguém e nada nos impedirão de louvarmos Deus, fonte de nossa força.

b). O nascimento de João Batista é visto como um ato de “misericórdia” do Senhor na vida de Isabel. Na bíblia “misericórdia” não indica a compaixão para com uma pessoa indigna e desprezível (de fato, Zacarias e Isabel eram as pessoas justas e retas), mas se refere à generosidade e fidelidade de Deus. Deus quer mostrar como é grande o seu poder e gratuito o seu amor. O seio estéril de Isabel representa a condição humana sem vida, sem esperança e sem futuro, insustentável, triste e sem vida. E Deus intervém para dar-lhe vida, movido pela misericórdia. Tudo que se fala aqui é uma mensagem de esperança. Com Deus nem tudo é perdido e nada é pequeno; com Deus tudo se torna possível. Será que somos pessoas de esperança? Aquele que tem fé, também tem esperança; aquele que tem esperança tem perseverança e aquele que tem perseverança tem paciência por que ele sabe em quem acredita (cf. 2Tm 1,12).

c). Sobre a circuncisão.

No oitavo dia João foi apresentado ao templo para o rito da circuncisão. A circuncisão é o sinal da pertença ao povo da aliança. O circuncidado passa a fazer parte de Israel e se torna herdeiro das promessas feitas por Deus a Abraão e à sua descendência.  Este rito era determinado, para todos os judeus, no oitavo dia (Gn 17,12;Lv 12,3). Mas São Paulo afirma que a circuncisão não tem valor diante da promessa de salvação, pois o que é marca da carne fica na carne (cf. Rm 2,25-29; veja também At 15). Ela só tem sentido quando marca o coração, quando transforma a vida. Num caminho de evolução teológica, os cristãos substituíram este rito pelo batismo. Com o batismo, o batizado recebe a qualidade de discípulo de Jesus Cristo. O batismo torna a pessoa membro da comunidade cristã, independentemente de sua raça, cor ou posição social. Para ser cristão não precisa ser judeu (circuncisão).

d). Sobre o nome “João”
    
Como era costume, os vizinhos e parentes dão por ato que o menino se chamaria como o pai (Tb 1,9). Mas João não poderia se chamar “Zacarias”. Com isso, João não dá simplesmente continuidade à estirpe (tronco de família), mas assinala o início da nova época. Terminou o tempo em que se recordam as promessas (“Zacarias” significa “Deus se recorda” ou “Deus recorda” as suas promessas). Terminou  o tempo em que se recordam as promessas, chegou o tempo de ver em ação a bondade de Deus (João significa “o Senhor fez graça, manifestou sua bondade, a sua benevolência). A questão decisiva é, a partir dessa mudança de nome em não seguir o nome do pai: Qual é a vontade de Deus? Deus nem sempre escolhe o caminho da tradição, o velho costume, a trilha usada. Isabel escolhe o nome de João, pois conhecia, por espírito profético (Jo 1,41), a vontade de Deus. Os parentes julgavam tudo pelos usos e costumes. Isabel percebe o sopro de algo novo. Ela julga de maneira nova. E isto causa estranheza para os que estão totalmente enraizados nas coisas velhas. O Espírito interrompe por caminhos novos pois ele é aquele que renova a face da terra(cf. Ap 21,5), que nem sempre fáceis de compreensão. O Espírito nem sempre sopra segundo os planos dos homens, mas também até contra eles. A vontade e a Palavra de Deus colocam os homens escolhidos perante a necessidade de terem de abandonar a senda rotineira ou o curso normal de uma tradição(cf. Lc 5,39).  Essa atitude radical que destrói as linhas tradicionais de autoridade e continuidade, por certo está bem de acordo com a ação e mensagem de João. Mais tarde ele verá seus correligionários judeus como “raça de víboras”(Lc 3,7;Mt 3,7) que totalmente confiam em sua descendência de Abraão para protegê-los do próximo julgamento, quando na verdade nem a descendência de Abraão, nem a usual rotina do culto, mas apenas o arrependimento individual e boas ações podem salvar alguém da destruição(Lc 3,7-9 par.; Mc 1,4-5;12).

e). João não é o Messias, pois a interdição de beber vinho é antimessiânico. Os tempos messiânicos seriam caracterizados pela festa, pela alegria e pela ausência de jejuns. Assim João Batista expressa uma realidade mais vinculada ao AT, uma vez que insiste na penitência e nos jejuns, sendo um período de preparação. Quando Jesus inaugura o reinado messiânico, aproveita uma festa (Jo 2,1-12) e manifesta-se livre em relação à tradição, sendo acusado de comilão e beberão (Lc 15,33ss;7,34). Por isso, a missão do arauto é desaparecer, ficar em segundo plano quando chega aquele que foi anunciado. Por isso também, um erro grave de qualquer precursor ou evangelizador ou pregador seria deixar que o confundissem com aquele que esperam, ainda que fosse por alguns minutos ou por pouco tempo.

f). O nascimento dos santos/consagrados constitui alegria para muitos, porque o santo é um dom de Deus à humanidade, é um bem para todos. Todo ato de misericórdia traz a alegria não só a quem o recebe, mas também aos que sabem reconhecê-lo e estão prontos a exaltá-lo. A misericórdia e a alegria são alguns dos temas preferidos e fortes de Lucas. A mensagem da salvação percorre espaços sempre mais vastos. Não basta, por isso, participar nos acontecimentos salvíficos e ouvir falar deles. Os acontecimentos devem ser acolhidos no coração e quem os acolhe deve sintonizar-se interiormente com eles e espalha para os outros.

P. Vitus Gustama,svd

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