XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM DO ANO B
Mc 7,1-23 faz parte de uma seção de Mc 6,6b-8,30 onde se relata a revelação de Jesus e o reconhecimento inicial de seus discípulos através da profissão petrina (Mc 8,29).
O fracasso em Nazaré (o evangelho do domingo anterior ) não deixa Jesus ficar paralisado em sua missão . Ao contrário , Mc mostra Jesus plenamente mobilizado para a missão . Ele não desiste diante do fracasso por estar consciente da seriedade de sua missão de levar adiante a Palavra de Deus . Assim que ele foi rejeitado em sua pátria , Jesus começa a percorrer as redondezas e a ensinar nos povoados (Mc 6,6b) e não mais em sinagogas . Do mesmo modo , os doze serão enviados não para entrar nas sinagogas , e sim nas casas . Daqui em diante as sinagogas desaparecerão praticamente do Evangelho de Mc. As sinagogas serão recordadas como lugares em que os discípulos serão torturados por causa de Jesus.
Jesus deve seguir adiante para alcançar seu objetivo de ser reconhecido em sua verdadeira identidade . Abre-se, assim , a terceira etapa de seu ministério onde haverá a revelação de Jesus e reconhecimento inicial de seus discípulos (Mc 6,6b-8,30). A missão dos doze (Mc 6,7-12) prepara a missão do próprio Jesus. A tarefa dos doze é a de preparar , embora sejam enviados com alguns poderes de dominar os demônios para libertar os endemoninhados e para pregar a conversão . Como o fruto deste envio, Jesus recebe algumas resposta sobre a sua identidade : um profeta , João Batista ressuscitado (Mc 6,14-16) e outras opiniões relatadas em Mc 8,27.
Esta nova etapa começa de modo similar às etapas anteriores : Mc 6,6b narra Jesus como um Mestre itinerante que se segue de imediato um relato sobre o envio dos doze (Mc 6,7-13). O resto da narração será dominado pela seção que pode ser chamada “Seção dos pães ” (Mc 6,30-8,26), que aparece emoldurada em dois relatos interessados em apresentar as opiniões existentes sobre a pessoa de Jesus (Mc 6,14-29 e 8,27-30). A recusa e a incompreensão darão passo a um reconhecimento inicial da pessoa de Jesus por parte de seus discípulos . Apesar de sua cegueira os discípulos acabarão vendo algo com claridade . Pedro confessará Jesus como Messias (Mc 8,29).
Podemos dividir o texto em três partes : primeiro (vv.1-13), relata-se o conflito entre Jesus e os dirigentes judeus (fariseus e doutores da Lei ); segundo (vv. 14-16), Jesus anuncia a nova moralidade para a multidão ; e terceiro (vv. 17-23), relata-se a conversa particular entre Jesus e seus discípulos .
1. Conflito entre Jesus e os dirigentes judeus (fariseus e doutores da Lei ): vv.1-13
O similar confronto direto entre Jesus e os oficiais judeus pode-se encontrar em Mc 2,1-28 onde Jesus é desafiado pelos dirigentes a respeito da observância do Sábado ; e em Mc 3,1-6 Jesus faz o contra-ataque . Aqui , neste relato, Jesus é desafiado pelos dirigentes judeus em Mc 7,1.2.5; e Jesus faz o contra-ataque nos vv.6-13.
A questão levantada do Evangelho deste domingo diz respeito a um elemento central da religião judaica : as purificações ou o que torna profano o homem . E Marcos coloca no centro da seção a crítica que Jesus faz da tradição do judaísmo e, em oposição a ela , Jesus coloca o novo conceito do profano .
Na mentalidade do judaísmo , Israel era o povo consagrado por Deus (Dt 7,6;14,2; Dn 7,23.27); todos os demais povos eram profanos , quer dizer , não estavam vinculados, como Israel, com o verdadeiro Deus . Para os fariseus , a maneira de manter-se no âmbito do sagrado era a observância da Lei tal como eles a interpretavam, porque esta expressava a vontade de Deus . Daí é que , inclusive dentro do povo de Israel, eles estabeleciam a distinção entre “sagrado ” e “profano ” aplicada a pessoas : pertenciam ao povo “santo /consagrado” os que observavam fielmente a Lei ; e eram “profanos ”, separados de Deus , os que não se atinham minuciosamente a ela .
No Evangelho de hoje , os fariseus e os escribas parecem vir de Jerusalém só para observar a maneira como os discípulos comem. Escandalizados pela conduta dos discípulos , que romperam com a tradição dos antigos por não terem lavado as mãos antes de comer , os escribas e os fariseus se dirigem a Jesus para censurar ou fiscalizar a atitude desses discípulos através de uma pergunta “por que ?”.
Na sua resposta , Jesus se coloca na linha dos profetas para atacar a hipocrisia dos fariseus (e os escribas ). Ao citar Is 29,13, Jesus denuncia o culto vazio e acusa os fariseus (e os escribas ) abertamente de hipócritas , isto é aqueles que , desempenhando o papel de bons atores , fingem uma religião de exterioridade (lábios ) sem compromisso com a vida (coração ). O apego exagerado às tradições humanas, que foram criadas para facilitar o cumprimento da Lei divina , leva-os a esvaziar os mandamento de Deus . Eles têm apenas o conformismo falso . O conformismo falso vem da pressão externa . E o comportamento que resulta disto é a hipocrisia . E não existe uma hipocrisia mais sutil e perigosa do que aquela que tem sua origem na manipulação religiosa , pois ela usa a vontade de Deus como instrumento para controlar os mecanismos humanos de reação . Fazer tudo por motivo puramente humano o que é divino significa atentar contra a absoluta santidade de Deus .
2. O Anúncio de Jesus sobre a nova moralidade para a multidão (vv.14-16)
3. A conversa particular entre Jesus e seus discípulos sobre o puro e impuro (vv. 17-23)
O que nos chama atenção deste encontro é que os discípulos não compreendem nem entendem sobre o princípio de Jesus sobre o puro e o impuro . Muitas vezes os discípulos são apresentados como aqueles que não “compreendem” nem “entendem” (cf. Mc 4,9.12;6,52;7,14). Eles continuam a ser pessoas “de fora ” (cf. Mc 4,11-12), e continuam sendo dominados pela ideologia dos adversários de Jesus. Por isso , Jesus tem que explicar novamente o sentido de suas palavras .
Jesus enfatiza novamente que aquilo que entra na pessoa não vai ao coração para contaminá-lo e sim vai diretamente ao estômago (digestão ).O que faz uma pessoa pura ou impura é o seu coração . O coração , aqui , não é o sentimento , e sim consciência e sede das opções . Essa consciência será geradora de pureza ou de impureza de uma pessoa . Ela é a causadora dos projetos bons ou maus , de vida ou de morte .
O que podemos aprender como lição de tudo que foi dito ? Pela vida afora encontramos ou nós mesmos , muitas vezes , somos fiscais do comportamento alheio , gente sempre pronta a julgar o próximo a partir de detalhes , muitas vezes , mínimos . Muitos são do tipo semelhante ao nós chamamos de “macaco que não atenta para o tamanho do próprio rabo ”. Às vezes são até pessoas boas, que acabam estragando a convivência porque adoram exibir o seu estrito cumprimento de todas as regras , sociais religiosas, com o propósito de diminuir os demais . Muitas vezes também nós andamos a toda hora medindo a piedade alheia pelos padrões das nossas próprias normas , sem perceber que , ao fazermos isso , estamos bloqueando o acolhimento , o testemunho de comunhão tão mais importante na Igreja e na vida cotidiana .
Jesus não nega o valor dos atos exteriores . Ele surge daquilo que está no coração das pessoas que age (vv.20-23). A grande tentação é viver de atos exteriores que podemos controlar . Mas a vida no Espírito é antes uma realidade interior . A partir daí, o exterior é manifestação de uma verdade mais profunda .
O Espírito age no interior das pessoas , e faz com que a comunidade também tenha uma comunicação sincera nas coisas . A comunidade não se cria por decreto . Ela nasce quando as pessoas têm um coração que sabe amar e respeitar aos outros e quando fazem circular um espírito novo , de união e de preocupação mútua pelo crescimento dos outros .
Se queremos cumprir a lei de Deus , devemos ter em vista sempre , em primeiríssimo lugar , os objetivos do projeto de Deus . Ele quer mais vida , mais amor , mais compaixão e misericórdia , mais partilha, mais igualdade e mais justiça . Esse é o critério mais evangélico para avaliar a legitimidade do nosso modo de seguir a lei ou a tradição , ainda hoje . Somos Igreja para nos ajudarmos uns aos outros a crescer , não para virarmos fiscais das virtudes e da vida alheias. Somos chamados a construir um mundo mais humano e fraterno , pois Deus é o Pai de todos .
A todos nós que queremos nos aproximar do Senhor , Jesus pede uma única purificação : um exame de consciência para verificar quais os sentimentos que nós alimentamos em relação aos irmãos .
P. Vitus Gustama,svd
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