XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM DO ANO B
No Evangelho de hoje é Jesus quem pergunta aos discípulos , num momento de crise , se eles também querem ir embora : “Vós também vos quereis ir embora ?” (v.67) É hora da verdade , onde cada um tem que se posicionar porque a resposta é uma escolha que terá conseqüências sérias. Ninguém pode ficar indiferente diante da pergunta de Jesus. Em quem acreditamos? Em quem podemos apostar nossa vida ? E por que apostamos a vida neste ou naquele?
O texto do evangelho deste domingo é a última parte do discurso de Jesus sobre o Pão da Vida que é ele mesmo . Os interlocutores de Jesus, ao longo de todo o relato: a multidão (Jo 6,22), os judeus (Jo 6,41) e os discípulos , que depois o abandonarão, são as mesmas pessoas com distintos nomes . Os distintos nomes designam àqueles que se entusiasmaram com Jesus num primeiro momento , considerando-lhe como um profeta de Nazaré, filho de José (Jo 1,45;6,42), mas que não se decidiram a dar o passo requerido pela fé cristã: a aceitação de Jesus como o Filho de Deus , Aquele que vem do alto , o Pão descido do céu cujos sangue e carne são a verdadeira comida para quem come deles com muita fé . A cena , então , registra um momento de crise causado pelas palavras de Jesus na pequena comunidade .
Podemos dividir o texto em duas partes de acordo com os grupos que reagem diante do discurso de Jesus: nos vv. 60-66 relata-se a reação dos discípulos e nos vv.67-71 a dos doze.
O discurso de Jesus é muito duro para os discípulos , não só porque é difícil de compreender , mas porque o consideram ofensivo . Mesmo sabendo que Jesus deve falar em termos figurativos ao dizer “comer sua carne e beber seu sangue ”(Jo 6,56), para os discípulos esta linguagem é insuportável . Por causa disso, muitos discípulos deixam de seguir a Jesus. Para eles , a proposta de Jesus foi ficando cada vez mais exigente : “Muitos dos discípulos que O tinham escutado diziam: ‘Esta linguagem é difícil ; como podemos aceitá-la?’...A partir daquele momento , muitos discípulos o abandonaram e não mais andavam com ele ” (v.60.66). Este abandono mostra que esses discípulos não eram verdadeiros. Por isso , não se perseveraram no seguimento de Jesus. Eles seguiram a Jesus por motivos superficiais e não para se comprometeram com a causa de Jesus. Eles não estavam buscando uma vida de sabedoria mais alta . Talvez Epicteto tenha razão quando diz: “Aqueles que buscam uma vida de sabedoria mais elevada , que procuram viver de acordo com princípios espirituais , devem estar preparados para serem ridiculizados e condenados. Se você se mostrar inabalável , as pessoas que o ridiculizaram passarão a admirá-lo”. Jesus foi ridiculizado, mas mais tarde Jesus será admirado por muitos . Os discípulos que abandonaram Jesus esqueceram que se o seguimento de Jesus é exigente , quem o propõe tem garantia de Deus a oferecer . E Deus só pode propor o que traz mais felicidade e um jeito mais humano de viver .
Ao dizer que os discípulos “não mais andavam com ele ”, o evangelista quer dizer que eles não somente abandonaram Jesus em seu ministério itinerante , mas também não estavam com ele em espírito . Eles não abriram mão de suas idéias para aderir-se às de Jesus. Se eles soubessem quem era Jesus, eles tinham abandonado qualquer idéia . Quantas vezes não abrimos mão de nossas idéias para ficar no nosso mundo tão pequeno . Como é importante saber abandonar-se nas mãos de quem é maior do que nós : Jesus Cristo .
Ao saber da reação desses discípulos , Jesus faz uma pergunta retórica seguida por uma afirmação: “Isto vos escandaliza?...O Espírito é que dá a vida , a carne não serve para nada ” (vv.61.63). Para entender o significado da afirmação de Jesus precisamos ter na mente o que Jesus afirmou na conversa com Nicodemos: “O que é gerado da carne é carne , o que é gerado do espírito é espírito ” (Jo 3,6). A carne é o princípio natural incapaz de compreender as profundezas do mistério de Deus . Ela designa a condição terrestre na sua precariedade : somente o sopro de Deus assegura seu ser (cf. Jo 4,24; 6,57; Rm 8,11 etc). Só o espírito , isto é, o princípio divino , é capaz de levar o homem a compreender e aceitar a vida que lhe oferecida em Jesus. O Espírito é a fonte do novo nascimento (cf. Jo 3,3-8). E as palavras de Jesus são espírito porque procedem de Deus . Elas são a revelação da vida divina . Elas são como pão da vida , um alimento que comunica ao homem a vida divina .
A reação negativa de alguns dos discípulos (v.66) faz Jesus dirigir sua palavra para os Doze para saber qual é sua opção : “Vós também vos quereis ir embora ?” (v.67). Com esta pergunta , Jesus coloco os Doze diante de uma decisão . Sua opção é radical : crer ou não crer ; permanecer ou afastar-se de Jesus. Sem dúvida , esta pergunta causa uma tensão profunda nos Doze. Apesar disso, os muitos que seguiram Jesus com generosidade descobriram que valeu a pena . Descobriram um sentido para a sua vida , uma tarefa que lhes trouxe crescimento em humanidade , em ternura com todos os outros filhos de Deus .
Na nossa vida diária ou no mercado de trabalho , propostas nunca faltam, com promessas de paz , prosperidade e sucesso . Em busca de uma solução para sua angústia de viver , muitos se deixam levar às vezes até sem perceber a quem estão seguindo, sem notar que podem estar sendo usados para favorecer algum esperto que manipula as necessidades do povo .
A pergunta séria que Jesus faz aos seus discípulos também é para nós , para cada um , para cada família . Não dá para fugir dela. Um dia todos vamos ter que dar conta da resposta que demos ou que fingimos dar .
Há na vida de cada um de nós , seguidor de Jesus, momentos em que se apresenta uma situação e pergunta semelhante à do Evangelho de hoje . Que Deus seguimos, ou que ídolo adoramos ? Continuamos com Jesus ou o abandonamos ? Quando nos cansamos de seguir o bem , a verdade , o amor e a justiça ; quando estamos fartos de ir à missa ou nos enfastia este ou aquele sacerdote ; quando nos pesa a fidelidade conjugal e a família ; quando o mal nos rodeia e assedia; quando a dúvida e a incredulidade nos oprimem, quando numa palavra , a doutrina de Jesus torna-se para nós muito dura , Jesus vem nos perguntar : “Também você (s) quer (em ) ir e me deixar ?”
Há pessoas que estranhamente dizem: “Eu creio em Deus , mas não pratica a religião ”. É certo que não basta assistir ao culto , se falta a comunhão plena com Jesus e com os irmãos . Mas um cristão que se diz livre , sem missa nem prática religiosa , nem comunhão , não pode ter uma fé viva que salva . Porque a vida está em Cristo , que é o Caminho , a Verdade e a Vida (Jo 14,6). Ele diz nesse discurso sobre o Pão da vida : “Em verdade , em verdade , vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue , não tereis a vida em vós . Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna , e eu o ressuscitarei no último dia . O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo ”(Jo 6,53-54.51).
Na comunhão eucarística, diferente do processo alimentar normal , o pão que comemos não o assimilamos, mas ele nos assimila, porque Cristo é mais forte do que nossa debilidade. De sorte que pode ser verificado o que dizia São Paulo: “Já não sou eu quem vive: é Cristo que vive em mim (Gl 2,20). E se Deus está do nosso lado , quem estará contra nós ?(cf. Rm 8,31). Quando comungamos o Pão eucarístico, sabemos muito bem que devemos concordar com aquilo que Jesus ensinou e viver a vida que Ele vivia. Esta opção exige a conversão e a perseverança.
Dizemos que somos seguidores de Cristo . Será que já percebemos bem o que isso quer dizer ? Fizemos de fato a escolha do caminho de Jesus? Será que realmente acreditamos do fundo de nosso coração que só Ele tem palavras de vida eterna ? Adesão a Jesus pela metade não leva nada . A vida é coisa muito séria para a gente deixar passar sem se posicionar .
P. Vitus Gustama,svd
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