A proclamação do dogma da Assunção de Maria à glória dos céus , em alma e corpo , pertence ao século XX: foi declarado solenemente por Pio XII em 01 de Novembro de 1950 na bula Munificentissimus Deus . No entanto , a liturgia da Igreja universal , tanto no Oriente quanto no Ocidente , celebrou por muitos séculos esta convicção de fé . No século V celebrava-se em Jerusalém no dia 15 de agosto uma festa importante que tinha por objeto a excelência da pessoa da Mãe de Deus , eleita por supremo conselho para desempenhar uma missão muito especial na história da salvação. Entre o V e VI século , a narração apócrifa sobre o Trânsito de Maria da vida terrena à glória eterna alcançou uma difusão extraordinária : a conseqüência foi o desejo natural dos peregrinos que ocorriam a Jerusalém de honrar o túmulo da Virgem . Durante o século VII, com o nome de Assunção foi acolhida na Igreja de Roma, juntamente com as festa da Apresentação , Anunciação e Natividade , para as quais o Papa Sérgio I (+ 701), instituiu uma procissão preparatória para a missa , celebrada na Santa Maria Maior . No fim do século VII encontra-se uma antiga oração romana composta para a procissão que introduz a celebração mariana do dia 15 de agosto : “Venerável é para nós , Senhor , a festa deste dia em que a Santa Mãe de Deus sofreu a morte terrena , mas não permaneceu nas amarras da morte , ela que , do próprio ser , gerou, encarnado , o teu Filho , Senhor nosso ” (Sacramentário Gregoriano Adrineu, no.661)
A bula da definição dogmática não fala de argumentos bíblicos, pois a Escritura não afirma a Assunção de Maria. Discute-se se Maria morreu ou não . Por isso , o texto dogmático , cautelosamente , diz “terminado o curso de sua vida terrestre ”. Nós , por isso , afirmamos que Maria morreu, pois só assim se pode falar , verdadeiramente, de ressurreição , porquanto somente um morto pode ressuscitar . Maria morreu pelo fato natural da morte que pertence à estrutura da vida humana , independentemente do pecado . Maria, livre e isenta de todo o pecado , pôde integrar a morte como pertencente à vida criada por Deus . A morte não é vista como fatalidade e perda da vida , mas como chance e passagem para uma vida mais plena em Deus .
Maria foi assunta ao céu em corpo e alma . Aqui não se trata de dogmatizar um esquema antropológico (corpo e alma ). Utiliza-se esta expressão , compreensível à cultura ocidental , para enfatizar o caráter totalizante e completo da glorificação de Maria. Maria vê-se envolvida na absoluta realização . “Assunta ao céu ”, ela se nos apresenta como as primícias da redenção , tendo já consumado em si o que ainda se realizará em nós e na Igreja . O corpo de Maria, enquanto ela perambulava por este mundo , foi somente veículo de graça , de amor , de compreensão e de bondade . Não foi instrumento de pecado , da vontade de auto-afirmação humana e de desunião com os irmãos . O corpo é forte e frágil , cheio de vida e contaminado pela doença e morte . Por isso , é exaltado por uns até a idolatria e odiado por outros até a trituração. Maria vive e goza , no corpo e na alma , quer dizer na totalidade de sua existência , desta inefável realização humana e divina .
Algumas mensagens da leitura evangélica desta festa
No quarto domingo do Advento (Ano “C”) já foi comentada a primeira parte do evangelho (vv.39-45). No momento tiramos algumas mensagens da segunda parte , o Magnificat (vv.46-55). Mas antes de tirar algumas mensagens , precisamos saber que diz-se que o texto de Magnificat reflete redação pós-pascal: indício disso é o uso dos verbos no passado . As expressões cantadas pela comunidade primitiva como “Agiu com a força de seu braço , dispersou os homens de coração orgulhoso , depôs poderosos de seus tronos , e a humildes exaltou”(vv.51-52), revelam a situação vital de quem conheceu a vitória da ressurreição- exaltação sobre a morte- humilhação do Filho de Maria, Jesus Cristo . Porém , não se pode pôr em dúvida que Lucas tenha usado fonte pre-evangélica (1Sm 2,1-11;Sl 88,9.11;110,2.3.5).
As palavras de saudação e agradecimento dirigidas por Isabel a Maria despertaram nela uma maravilhosa profissão de fé . Coisa semelhante acontece com cada um de nós . Lemos ou escutamos a Palavra de Deus ou lemos um bom livro espiritualmente . E quantas vezes tudo isso nos toca o coração e faz brotar dos lábios uma oração de louvor . Maria reconhece que o amor misericordioso do Senhor a tocou; e tocando-a, tocou a humanidade inteira . Por isso é que Isabel a proclama “bem-aventurada ”. Por Maria e nela, todos os homens reconhecem o amor infinito e misterioso de Deus (Jo 3,16). Todos nós temos necessidade de que um outro nos revele a nós mesmos . É grande graça na vida de uma pessoa encontrar um mestre de espírito que lhe indique o seu nome , a sua vocação , a sua missão .
2.Viver a partilha
Na anunciação Maria tornou-se a primeira discípula , entre os primeiros cristãos , ouvindo a Palavra de Deus e aceitando-a . Na Visitação, ela se apressa em partilhar esta palavra do evangelho com os outros e, no Magnificat, temos sua interpretação dessa palavra que se assemelha à interpretação que seu Filho tinha dado em seu ministério . A primeira discípula cristã exemplifica a tarefa essencial de um discípulo . Depois de ouvir a Palavra de Deus e aceitá-la, devemos reparti-la com os outros , não simplesmente repetindo-a, mas interpretando-a, de modo que todos possam vê-la como uma Boa Nova .
3. Ser santo
Neste Magnificat Deus é proclamado como “Santo ”. Santo significa aquele que está para além de tudo quanto pudermos pensar e imaginar ; é totalmente outro que habita numa luz inacessível (v.49). Mas não vive numa soberana distância dos gritos dolorosos de seus filhos , pois este Deus santo é também misericordioso. Possui um coração sensível aos míseros (miseri-cor-dioso) e protesta contra a injustiça e a exploração e opressão . O texto chama-nos a atenção que os orgulhosos , os detetores do poder e os ricos fechados para si não possuem a última palavra como sempre pretendem, pois cada um tem que prestar contas diante de Deus . Escapa da justiça humana , sobra a justiça divina . Aí é que ninguém escapa . Pela sua fé no poder ilimitado de Deus (v.37), Maria reconhece que a situação provocada pela prepotência , opressão e exploração não é desejada por Deus e, por isso , espera que não seja definitiva . Esta intervenção de Deus é vista como um ato de fidelidade para com o povo da aliança .
O Deus a quem o Magnificat proclama está orientado para os homens , em especial para os fracos , os pobres , os infelizes , os desgraçados , os oprimidos ; privilegia o humilde , o humilhado, aqueles aos quais não se concede o direito à existência . Quem reconhece a Deus como seu Senhor , deve estimar todo homem como irmão .
4. Sobre o encontro de duas mulheres abençoadas por Deus
Duas mulheres abençoadas por Deus , unidas por laços familiares se encontram na marca divisória dos dois Testamentos . O plano divino de salvação uniu seus destinos e o de seus respectivos filhos . Isabel simboliza o povo do Antigo Testamento , onde outras mulheres também sem esperança de sucessão /geração conseguiram como ela uma maternidade impossível , como puro dom de Deus . E o filho de Isabel será Precursor do Messias e o maior dos profetas .
Maria, ao contrário , abre o Novo Testamento e representa não só o Povo da Nova Aliança , mas toda a humanidade redimida. Ao aceitar o seu “faça-se/Fiat” a mensagem do Senhor , Maria se converteu na Mãe de Jesus, Nosso Senhor (LG 56). Por esta fé Maria é a primeira crente e discípula de Cristo , a primeira cristã da Igreja (Marialis Cultus de Paulo VI, nn.35-36). Jesus vai declarar mais tarde a bem-aventurança da fé , relativizando até certo ponto os vínculos de sangue com Maria, Sua Mãe , ao dizer : ” Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a põe em prática ” (Lc 11,28),porque esses são meu irmão e minha irmã e minha mãe ” (Mc 3,35). Maria é feliz porque acreditou e cumpriu a Palavra e a vontade de Deus que aceita sem reservas com um sim incondicional . Nossa Igreja , por isso , reverencia a Mãe de Jesus como modelo de fé e de fidelidade a Deus .
Jesus declara feliz quem escuta e coloca em prática a palavra de Deus . Até neste ponto , será que somos felizes ?
5. Sobre o Canto de Maria ou Magnificat.
E no Magnificat Maria anuncia que os poderosos serão derrubados de seu tronos . Não se trata de punição nem vingança , pois o Deus de Jesus não é vingativo . Descer do trono é condição de salvação. É preciso descer do trono para aprender a ser irmão , a ser solidário , a servir , a criar relações horizontais . É preciso despojar-se de auto-suficiência e reconhecer-se necessitado de salvação.
Estamos acostumados a reverenciar o poder , de várias maneiras . É só alguém “subir na vida ” que logo começa a receber um tratamento mais respeitoso . É como se o posto que cada um ocupa mudasse a qualidade humana das pessoas . Não será por isso que alguns são chamados de “excelência ” mesmo quando não têm atitudes tão excelentes assim para com os outros ? Por esses e outros motivos o poder fascina e muita gente vive correndo atrás dele.
O peso do prestígio do poder invade até o campo religioso . Usamos para Deus freqüentemente as mesmas imagens com que idealizamos o poder humano : Deus sentado no trono , Maria com coroa de rainha . Aliás , a Bíblia também faz isso , refletindo a cultura da época . O problema não está exatamente aí . O perigo está no jeito de utilizar essas imagens . Com essa noção de poder é possível até tentar dominar os outros , autoritariamente, em vez de dialogar e servir . Deus vê essa questão de outro jeito que nem sempre nós estamos preparados para entender .
Os “poderosos ” não são os outros . Cada um de nós pode fabricar seus próprios “tronos ” e olhar o próximo de cima , de forma opressora, indiferente ou superior .
Se somos realmente Igreja servidora, como Jesus sempre quis, temos que “descer ” de muitos “tronos ” que criamos e tratar o irmão , qualquer irmão , como um igual , digno de respeito e precioso como filho de Deus .
Maria também proclama que Deus está bem atento e quer saciar os famintos : “Encheu de bens os famintos , e despediu os ricos de mãos vazias”. “De mãos vazias” porque começam a aprender a compartilhar . Repartir significa prolongar a generosidade de Deus criador . Quando se libera do egoísmo humano , sobra para cobrir a necessidade de todos . Ninguém é pobre quando sabe amar . Quando não for capaz de amar , embora uma pessoa seja rica , na verdade ela é muito pobre .
Temos famintos de todo tipo : gente com fome de pão , de saúde , de respeito , de afeto , de cidadania , de perdão e d Deus . Jesus e Maria nos chamam a ser Igreja que vai ao encontro de todas as fomes e carências humanas, sendo sinal da presença desse Deus que Maria anunciou em seu canto , Magnificat.
P. Vitus Gustama,svd
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XX DOMINGO DO TEMPO COMUM DO ANO B
A palavra que se repete no texto deste dia , dentro do discurso de Jesus sobre o Pão da vida é “carne ”. A palavra “carne ” designa tudo o que constitui a realidade do homem com suas possibilidades e debilidades (Jo 1,14;3,16;8,15). A carne designa aqui o ser humano , considerado sob o aspecto de ser material , sensível e perceptível.
A eucaristia proporciona uma comunhão real de vida e de destino com a pessoa de Jesus. Seu corpo nos faz participarmos na ressurreição , nos faz vivermos por Cristo que é vida para sempre .
Há três efeitos da Eucaristia que o discurso sobre o Pão da vida nos indica:
“Quem come minha carne e bebe meu sangue tem vida eterna e Eu o ressuscitarei”. Na Eucaristia comungamos o Cristo vivo ressuscitado. E este corpo ressuscitado passa a ser em nós “semente ” de vida divina . No momento da Ceia Jesus falará do banquete celestial onde reunirá de novo seus amigos : “Não beberei mais do fruto da vinha até o dia em que beberei convosco o vinho novo no Reino do meu Pai ”. Vamos caminhando até este encontro feliz .
“Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele”. Nós sabemos muito bem o que significa o estar com alguém a quem se ama . É ser feliz com ele . A vocação de todo homem é estar com Deus , permanecer em Deus e estar com os irmãos . É o tema fundamental da Aliança , que se expressou, ao curso da história da salvação, na Sagrada Escritura , por fórmulas cada vez mais intimas: “Vós sereis meu povo , e Eu serei vosso Deus ”, “Meu amado está comigo e Eu estou com ele ”, “Permanecei em Mim e Eu em vós ”.
“Assim como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai , assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim ”. Jesus consagrou sua vida ao Pai , viveu totalmente para Ele . Por sua vez , ele nos pede vivermos para Ele para alcançar a comunhão plena com o Pai .
P. Vitus Gustama,svd
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