XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM
Domingo, 08 de Julho de 2012
Texto: Mc 6,1-6
O episódio no evangelho de hoje tem um significado profundo para o evangelista Mc. O evangelista coloca este episódio cuidadosamente neste ponto do seu evangelho . Uma situação pungente no início da Igreja era , de fato , que os pagãos aceitavam a Boa Nova , enquanto que os judeus a recusavam (cf. Rm 9-11). Logo no início deste evangelho Jesus enfrentou a dura oposição das autoridades (Mc 2,1-3,6). Além disso, Jesus foi mal-entendido pela própria família (Mc 3,20-35). Agora , perto do ministério da Galiléia, seus próprios conterrâneos são desafiados para mudar sua mentalidade diante da reivindicação de Jesus. Mas eles o recusaram. A recusa de Jesus é uma antecipação de sua rejeição pela nação judaica (Mc 15,11-15). Essa rejeição é o fruto da cegueira do homem diante da revelação divina que já tem sido presente desde o início : “...o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu e os seus não o receberam”(cf. Jo 1,10-11).
O episódio do Evangelho de hoje é narrado com matizes diversos pelos três Evangelhos (Mt 13,53-58;Lc 4,16-30). Em Marcos , o texto sobre o qual meditamos neste domingo , a narração é curta e concisa . Resume-se praticamente aos pontos essenciais do relato
O episódio acontece numa sinagoga na pátria de Jesus (não se menciona Nazaré). Em Mc Jesus aparece três vezes na sinagoga com suas próprias conseqüências de cada aparecimento . Primeiro , Mc 1,21-28 relatou o aparecimento de Jesus na sinagoga e houve um grande sucesso . Neste episódio os ouvintes se maravilhavam pois ele ensinava como quem tem autoridade . Além disso, ele libertou um possesso na sinagoga . Segundo , em Mc 3,1-6 houve uma grande tensão entre Jesus e os fariseus junto com os partidários de Herodes a ponto de eles quererem matar Jesus, só porque ele curou uma pessoa de mão seca no Sábado . Terceira , Mc 6,1-6 relatou a última vez que Jesus foi à sinagoga onde os seus conterrâneos tentaram desmoralizar totalmente as palavras e ações de Jesus.
Por que Jesus não entraria mais na sinagoga ? Porque as sinagogas eram redutos dos doutores da Lei e dos fariseus . Embora todo judeu tivesse direito na sinagoga de tomar a palavra para instruir a assembléia , essa palavra acabava sendo monopólio dos doutores da Lei (Mc 12,39), que impunham suas idéias na cabeça do povo . Toda a reação negativa do povo perante Jesus era fruto da doutrinação dos doutores da Lei e fariseus . Por trás das perguntas feitas pelo povo a Jesus na última vez que Jesus estava na sinagoga estavam os doutores da Lei e fariseus .
Nos vv. 2-3 relata a ofensa contra Jesus. Como ele tinha feito em Cafarnaum (Mc 1,21-28;3,1), agora para sua pátria Jesus traz seu ensinamento novo e cheio de autoridade divina sobre a vinda do reino de Deus (Mc 1,14-15) no serviço de Sábado na sinagoga . Como o povo na sinagoga em Cafarnaum ficava maravilhado com o ensinamento de Jesus(Mc 1,22), assim também o povo na sua pátria reage da mesma maneira diante do mesmo . Mas na sua admiração , eles levantam vários questionamentos retóricos em forma de uma ironia dramática . Da admiração pelo ensinamento de Jesus brota a pergunta sobre sua identidade . Os ouvintes ficam admirados por sua origem , seu ensinamento e sua sabedoria . Marcos não menciona o teor da mensagem de Jesus na sinagoga . Apenas as conseqüências . Os compatriotas se maravilham de sua sabedoria . Eles tinham ouvido sobre suas grandes obras , mas eles mesmos não conseguem chegar a acreditar na grandeza e na missão de Jesus que é um deles. Para seus compatriotas Jesus é simplesmente “esse homem ”. Mas esse desprezo ignorante é contraditório o que os leitores sabem a respeito de Jesus como “Filho de Deus ”(Mc 1,1.11.24;3,11) e que a sabedoria que ele ensina e os milagres que ele fez têm sua origem em Deus .
Quais são as razões pelas quais Jesus foi rejeitado pelos próprios compatriotas ?
Primeiro, porque Jesus não freqüentou nenhuma escola formadora de doutores da Lei . Por isso , eles perguntam: “De onde lhe vem tudo isso ? E que sabedoria é esta que lhe foi dado ?”(v.2bc). Eles tentam desmoralizar Jesus por não ter “título acadêmico ”, como os doutores da Lei e os outros .
A formação acadêmica é importante . Mas o mais importante é como traduzir , na vida cotidiana , essa experiência acadêmica em atos concretos : como bondade , solidariedade , compreensão , compaixão . Como eu posso fazer do meu conhecimento acadêmico em amor ao próximo . Não precisamos ser “superiores ” desprezando o “inferior ”. Uma lata vazia normalmente faz muito mais barulho do que outra que tem conteúdo . A grandeza do homem consiste em fazer os outros grandes , em levantar os caídos , em viver com sabedoria na convivência com os outros , e não em demonstrar o que não deveria ser demonstrado, ou em mostrar o que não é. Como diz René Juan Trossero, um escritor e psicólogo argentino: “Se te dizes filósofo, não me fales de filosofia : mostra-me teu amor à verdade . Se te dizes teólogo , não me fales de teologia : mostra-me o que significa Deus em tua vida . Se te dizes pensador , não me fales do que pensam os pensadores : mostra-me o que pensas tu . Se te dizes bom , não me fales da bondade : mostra-me como amas . Se te dizes crente , não me fales de teu credo ou de tua religião : mostra-me teu modo de viver . Convenhamos em não nos enganarmos fugindo, com o ruído de palavras ocas , da vertigem que nos causam os vazios de nossa vida ”.
Segundo, eles questionam os milagres operados por Jesus: “E como se fazem tais milagres por suas mãos ?”(v.2b). Esta pergunta tem objetivo de desmoralizar Jesus. Quem está por trás desta pergunta são os doutores da Lei . Para entender esta pergunta temos de voltar para Mc 3,22 onde os doutores da Lei diziam que Jesus era possuído de Belzebu , príncipe de demônios , e por isso , conseguiu expulsar os demônios . É uma calúnia em forma de pergunta retórica . A difamação ou calúnia , como já sabemos, presta-se somente a humilhar quem errou, a irritá-lo. A difamação pode destruir o homem , como diz o Eclesiástico : “Um golpe de chicote deixa marca , mas um golpe de língua quebra completamente os ossos ”(Eclo 28,17). A difamação (língua ) pode matar um irmão , pode arruinar uma família e pode destruir um casamento e qualquer convivência .
Terceiro, porque para eles , Jesus é apenas um deles(de origem humilde ). Por isso , não merece nenhuma credibilidade : “Não é este o carpinteiro , filho de Maria...? E ficaram escandalizados por causa dele”. “Carpinteiro ” em grego (tékton) não significa apenas a pessoa que trabalha com madeira , mas também com ferro (serralheiro ) e pedra (pedreiro ). Tudo isto é uma informação que Jesus trabalhava com estas coisas , pois Nazaré era uma aldeia insignificante com pouca oferta de trabalho . Para os seus compatriotas , Jesus é simplesmente “este homem ”. Os compatriotas não conhecem a identidade profunda de Jesus a não ser somente sua família de Nazaré, e não são capazes de ingressar-se na verdadeira família de Jesus. Eles não conseguem ultrapassar o obstáculo à fé . Eles param no habitual e por isso , não chegam ao extraordinário . Os compatriotas não são capazes de abrir-se ao novo que se manifesta em sua prática sem precedentes. Jesus, na verdade , convida qualquer um a ir além do aspecto cotidiano para encontrar o sentido mais profundo do mesmo , da superficialidade à profundidade . “Avança mais para o fundo ” “Duc in altum!”(Lc 5,4), diz Jesus a Simão.
Na sua pátria Jesus não fez nenhum milagre por causa da incredulidade dos compatriotas . A origem dessa incredulidade é a incapacidade de acolher a manifestação de Deus no quotidiano em nome de um pretenso respeito pela dignidade e prestígio divinos , onde , porém , a dignidade de Deus é pretexto para o próprio prestígio . Esta pretensão hipócrita faz com que os dirigentes judaicos condenarão Jesus à morte . A incredulidade se constitui em obstáculo decisivo à atuação de Jesus. Para acontecer milagre deve ter uma relação íntima de correspondência entre milagres e a fé de quem dele se aproxima.
Os homens querem ver a Deus só nos sinais e prodígios muito maravilhosos . Mas Deus escolhe revelar-se de maneira simples , nos gestos da vida até nas nossas fraquezas , como diz São Paulo: “Pois é na fraqueza que a força de Cristo se manifesta . Por isso , quando me sinto fraco , é então que eu sou forte ”(2Cor 12,9-10). A nossa própria debilidade ajuda-nos a confiar mais , a procurar com maior presteza o refúgio divino , a pedir mais forças , a ser mais humildes . Felizmente , Cristo Jesus é mais forte do que nossa fraqueza , maior que nossas limitações , mais audaz que nossos medos e mais luminoso que nossa obscuridade . A fé em Jesus é luz para perceber as cores das coisas e da vida . Cristo é a luz que se deixa ver por quantos sabem olhar seus semelhantes com sinceridade , pureza , amor no olhar , sem julgamento e com fraternidade . Toda graça e salvação nos vêm dele, que faz filhos de Deus a quantos o aceitam pela fé . Pois , nenhum outro pode nos salvar (At 4,12). Deus se revela no Homem de Nazaré que é a palavra do Pai . É esta simplicidade da revelação que as pessoas não aceitam. Portanto , elas mesmas impedem que a Palavra poderosa de Deus se manifeste com toda a sua grandeza .
Jesus usa de seu poder para as pessoas que vêm até Ele com um ato de fé : o milagre nunca é um meio de forçar a fé : quando muito é um sinal indicativo . Sem a fé Jesus não pode fazer milagre (Mc 6,5). A fé é muito mais importante do milagre . Ela é o maior milagre de todos os milagres . A base da incredulidade é a cegueira e o egoísmo do próprio homem que livremente não quer aceitar que Deus venha até ele na humanidade e simplicidade .
Muitas vezes o escândalo dos judeus se repete em nossos dias . Por termos uma mentalidade de megalomania é que acreditamos que só o extraordinário possa trazer uma mensagem . Muitas vezes não somos capazes de crer que Deus escolhe também o “pequeno ” para se glorificar , o humilde para se manifestar . Marcos mostra exatamente que o inaudito está no cotidiano , o extraordinário na ordem simples de cada dia , o Deus transcendente está entre quatro paredes de uma casa de cada família . Lá pode acontecer qualquer milagre se nessa casa tem espaço para Jesus. Às vezes também falamos de Deus só oscilando entre os extremos , falando como se não soubéssemos do mistério divino que se revela no fundo de cada ser humano , de cada família , de cada coisa que tem o aspecto cotidiano . A revelação divina não precisa do super-homem , mas do homem mais humano . Será que sabemos parar para pensar e para refletir , assim que poderemos captar mensagem de Deus em cada acontecimento ou experiência , em cada homem etc.
A ternura da graça de Deus pode nos dar o privilégio de termos em alguém da própria família ou da própria comunidade um verdadeiro amigo espiritual : um irmão , a mãe , o pai ou outro parente . Como é belo ver , de forma mais visível e mais patente a verdade da divina mensagem que encanta a nossa vida , na existência consagrada de um amigo ou amiga a Cristo . Também Jesus experimentava a mais plena beleza do Reino de Deus na sua própria mãe e nos seus amigos fiéis ao pé da cruz e na pecadora convertida.
P. Vitus Gustama,svd
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