VIGILÂNCIA
COM RESPONSABILIDADE
XIX
DOMINGO DO TEMPO COMUM “C”
11 de Agosto de 2012
Texto de Leitura: Lc
12,32-48
Naquele tempo, disse Jesus a seus
discípulos: 32“Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai
dar a vós o Reino. 33Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se
estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a
traça corrói. 34Porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso
coração. 35Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. 36Sede como
homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para
lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater. 37Felizes os
empregados que o Senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade eu vos
digo: Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar à mesa e, passando, os servirá. 38E
caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão, se assim
os encontrar. 39Mas ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o
ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. 40Vós também, ficai
preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o
esperardes”. 41Então Pedro disse: “Senhor, tu contas esta parábola para nós ou
para todos?” 42E o Senhor respondeu: “Quem é o administrador fiel e prudente, que
o senhor vai colocar à frente do pessoal de sua casa, para dar comida a todos
na hora certa? 43Feliz o empregado que o patrão, ao chegar, encontrar agindo
assim! 44Em verdade eu vos digo: o senhor lhe confiará a administração de todos
os seus bens. 45Porém, se aquele empregado pensar: ‘Meu patrão está demorando’,
e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se,
46º senhor daquele empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista,
ele o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis. 47Aquele
empregado que, conhecendo a vontade do Senhor, nada preparou, nem agiu conforme
a sua vontade, será chicoteado muitas vezes. 48Porém, o empregado que não
conhecia essa vontade e fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas
vezes. A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito
mais será exigido!”
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O texto deste domingo, como também o
do domingo anterior, se encontra na parte do evangelho de Lucas chamada de “Lições
do Caminho”. Jesus saiu da Galileia e vai caminhando até Jerusalém onde será
crucificado, morto e ressuscitado. O evangelista Lucas não tem pressa em narrar
a chegada de Jesus em Jerusalém. Durante o caminho Lucas dedica esta parte para
falar das ultimas lições de Jesus para seus discípulos.
O texto do evangelho se encontra no
conjunto de Lc 12,1-52. Lc 12,1-53 fala da situação e do modo de proceder dos
discípulos na comunidade. Encontram-se nesse texto várias unidades literárias
menores que podem ser divididas nas seguintes unidades: vv.22-32 falam da
superação das preocupações temporais através da fé na providência divina;
vv.33-34 falam da exortação de Jesus ao desprendimento dos bens materiais;
vv.35-40: a exortação sobre a vigilância com uma parábola; vv.41-48: a explicação da parábola através de
outra parábola que ao mesmo tempo fala da responsabilidade; e vv.49-53: a
prioridade do Reino.
1. O Senhor Não Abandona Seu Rebanho
A sentença do v.32 é exclusiva de
Lucas: “Não tenhais medo, pequeno
rebanho, porque o Pai achou por bem dar-vos o Reino”. No AT era o povo
eleito que constituía o “rebanho” de Deus (Sl 78,52;Ez 34,3-22); agora é o pequeno
grupo dos discípulos, “pequeno” tanto em número como em importância aos olhos
dos homens. Os discípulos são poucos e fracos diante de um mundo hostil, mas
importantes aos olhos de Deus que houve por bem confiar-lhe o Reino.
As palavras de Jesus são
confortadoras. A despeito das ameaças e das perseguições sofridas pelo
“rebanho” (cf. At 20,29), os seguidores deveriam saber que Deus lhes deu o
Reino (cf. Lc 22,29). Tendo essa certeza, os discípulos devem ter a coragem de
seguir o exemplo de seu Mestre.
Lucas manda o mesmo recado para nós
hoje. Naquele tempo, como hoje, ser cristão poderia significar remar contra a
maré dos valores de grande parte da sociedade em nossa volta. Mas nem por isso,
devemos perder a paz interior, pois a segurança do rebanho (Igreja) não está no
seu poder nem no seu prestígio e sim na graça e no Espírito do Senhor que cuida
dele. A cabeça da Igreja é o próprio Senhor. Jesus garante que tudo o que se
constrói em Deus está seguro contra todo tipo de ameaça. A segurança da vida
está no beneplácito do Pai. O pior inimigo do cristão é, por isso, o medo.
2. Somos Chamados a Viver No Despojamento
Depois do consolo, vem a exortação
de Jesus ao desprendimento dos bens materiais (vv.33-34). Esta exortação liga-se ao tema do evangelho do
domingo anterior. É certo que precisamos possuir alguns bens materiais para
viver, mas não são a fonte da vida nem está neles a chave e o segredo para ser
pessoa e para ser salvo. Aquele que somente acredita no que possui, fecha o
caminho à esperança e à partilha com os outros. É preciso estarmos conscientes
de que, neste mundo, temos apenas o direito de usufruto e este direito cessará
assim que partirmos deste mundo. A confiança nas riquezas impede a confiança em
Deus. Quando isto acontece, as posses ficam sendo uma barreira fatal à vida, “Porque onde está o vosso tesouro, aí estará
também o vosso coração” (v.34).
O coração e o tesouro vão juntos. O
coração do homem está sempre com seu tesouro, i. e, as coisas às quais dá mais
valor. Uma sociedade de consumo que favorece o ter sobre o ser, aliena as
pessoas. Agir dessa maneira é confundir o ter coisas com ser pessoa. No final
de nossa vida, o que podemos levar a não ser o que investimos no amor a Deus e
ao próximo? É preciso fazer dos bens um meio de viver melhor e de servir melhor
aos outros. Quem coloca seu coração nos bens vive em função dos mesmos. Somente
quem ama e vive em solidariedade e abertura aos outros, dando-se a Deus e ao
próximo, tem uma vida autêntica e feliz porque descobriu a alma do projeto de
Deus. Amar em profundidade, como Cristo nos amou, é essa a base da
solidariedade e da partilha; nisso se nota o ser ou não cristão, o ser ou não
ser feliz. A felicidade humana não consiste mais do que na nossa plenitude
enquanto pessoas, como filhos de Deus e como irmãos dos outros homens. O
sem-sentido da vida surge quando o homem se fecha a Deus e aos irmãos, pois sem
relação com os valores perenes que Deus, Cristo e o próximo representam, as
coisas e os bens carecem de sentido e em si mesmos não possuem valor para
causar a felicidade autêntica para um ser humano. O ser humano precisa de
dinheiro, ninguém pode negar, mas ele não vai conversar com seu dinheiro. Ele
precisa de outro homem com quem possa desabafar e partilhar suas alegrias e
tristezas. Essencialmente, ele é sociável; sozinho não pode nem ao menos
satisfazer suas necessidades mais elementares nem realizar as suas aspirações
mais elevadas; ele pode obter tudo isso apenas em companhia dos outros.
3. Somos Chamados a Estar Vigilantes Permanentemente
A exortação ao desprendimento aos
bens materiais é seguida pela exortação à vigilância (vv.35-40). O tema da vigilância cristã é objeto da nossa
atenção nos primeiros domingos do Advento e nos últimos do ano litúrgico em
cada um dos três ciclos. “Que vossos rins
estejam cingidos e as lâmpadas acesas”, disse Jesus (v.35).
Esta exortação talvez seja uma
alusão aos israelitas na celebração da primeira Páscoa para estarem prontos
para um êxodo do Egito e para a chegada do anjo destruidor (Ex 12,11.22-23).
Mas, na verdade, a expressão era uma instrução comum, no AT, para sublinhar a
importância de prontidão ou de serviço (cf. 1Rs 18,46;2Rs 4,29;9,1;Jó
38,3;40,2;Jr 1,17; veja também no NT, Lc 17,8; Ef 6,14;1Pd 1,13).
Os rins representavam a parte frágil
do corpo, a parte mais suscetível a golpes e ferimentos. Em épocas onde tudo
era disputado pelo gládio, o ventre era parte mais fraca e mais visada para
desferir lançadas, golpes de espada e ataques com objetos cortantes. Ter os
rins cingidos era estar em posição de prontidão, com o ventre enfaixado ou
coberto por proteção de metal.
A lâmpada acesa quer acentuar
vigilância; estar em condições de atuar independentemente da situação (cf. Ex
27,20;Lv 24,2; veja também Lc 8,16;11,33). Sobre a vigília, dividia-se a noite
em quatro vigílias, e cada vigília durava três horas: a primeira aconteceu das
18 às 21 horas; a segunda, das 21 às 24 horas; a terceira, do “O” às 03 horas
de madrugada; a quarta, das 03 às 06 horas da manhã.
Todo o tempo é um tempo de
vigilância. Lucas aponta para seus leitores estimulando-os a vigiarem sempre. A
parusia ou o tempo do Reino é sempre um tempo presente. Não há um tempo
determinado para fazer o bem. Para um cristão verdadeiro, qualquer momento pode-se
transformar em momento da graça (kairós).
Ele tem consciência de estar inserido na história da salvação como receptor e
como cooperador. Ele vive profundamente imerso na história da salvação, isto é,
no aqui-e-agora, descobrindo tudo o que lhe oferece e o que lhe exige o momento
presente. Quem está vigilante, vê nos momentos mais espinhosos não só fadigas e
perigos, mas até descobre, com surpresa, oportunidades preciosas (como os
americanos dizem: “Watch for big
problems! They disguise big opportunities), enquanto os demais só encontram
razões para se lamentarem. A vigilância também significa, naturalmente, atenção.
Aquele que está atento não tropeça nos obstáculos. E se evita as pedras de
tropeço.
Um cristão não pode ser nem estar
alienado. Ele deve estar em alerta constante, sempre pronto para a ação, e
preparado para servir dia e noite. Servir para o cristão não é opcional, é lei
constitutiva da vida cristã. O Senhor voltará com toda segurança no nosso
encontro derradeiro. O discípulo não pode ficar adormecido. Ele deve permanecer
alerta, sempre em tensão e em atenção. Somente assim ele assegurará a comunhão
com o Senhor no gozo e no amor.
4. A Responsabilidade Está de Acordo Com Os Dons Recebidos ou
Com O Privilégio
“É para nós que tu estás dizendo
isso?” (vv.41-48) É a
pergunta de Pedro. A quem se aplica esta parábola?
Os Apóstolos gozam de posição
privilegiada na comunidade de Jesus. Mas também pesa sobre eles particular
responsabilidade. Jesus, então, responde a continuação da parábola
transformando o que poderia ser privilégio em responsabilidade. Considera-se
exatamente a posição de responsabilidade dos Apóstolos sob o prisma da volta do
Senhor para o julgamento (cf. 1Pd 5,1-4 sobre a responsabilidade pastoral).
A pergunta surpreendente de Pedro (v.41)
é pergunta de todo o cristão praticante. A prática de alguns ritos, orações e
devoções podem não ser tudo o que se espera de alguém pronto para dar a vida
pelo Reino.
Depois Jesus conclui toda essa seção dizendo:
“A quem muito foi dado, muito será
pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido”(v.48b). Em
outras palavras: Deus chega para todos, mas os que se intitulam cristãos e
líderes têm a responsabilidade maior de serem sinais visíveis desse estado de
alerta que capacita para realizar boas obras sempre que a vida apresenta um
desafio do que os outros. A responsabilidade sobre o que cada um recebeu é como
uma semente colocada com muito cuidado na terra. Dela se espera um fruto
correspondente. A responsabilidade recai sobre aqueles que muito receberam(cf.
Am 3,2). Nota-se nesse último versículo que os homens são castigados não
simplesmente por praticarem o mal, mas também por deixarem de praticar o bem,
como diz São Tiago: “Aquele que souber
fazer o bem, e não o faz, peca”(Tg 4,17). Os cristãos devem fazer todos os
esforços possíveis para descobrir qual é a vontade de Deus, e cumpri-la. Todos
somos responsáveis.
Podemos resumir tudo que foi dito de
outra forma: entre o tempo da ação salvadora de Jesus e o tempo de sua volta
decorre o tempo da Igreja. Os cristãos, que vivem neste tempo da Igreja, olham
para trás, vendo a atuação de Jesus; olham para a frente, prevendo a volta de
Jesus. As atitudes exigidas de cada cristão e líder são: fidelidade, pois o
cristão e o líder devem agir de acordo com a vontade do Senhor ou os
ensinamentos do Senhor; prudência e vigilância porque o Senhor pode voltar
repentinamente e pedir contas. Fidelidade e prudência/vigilância protegerão os
cristãos, se eles tiverem em mente a volta do Senhor; se eles contarem com a
volta do Senhor a qualquer momento; se refletirem que têm de prestar contas
diante do Senhor. Para qualquer “cargo” ou tarefa/responsabilidade
na comunidade requerem-se fidelidade e sensatez. Fidelidade porque cada um é
apenas um administrador pelo qual deve trabalhar conforme a vontade do Senhor. Sensatez
porque não deve perder de vista que o Senhor pode vir repentinamente e pedir-lhe
contas.
Este evangelho é um convite para
todos os dirigentes de nossas comunidades para fazerem um sério exame de
consciência e para verificar se eles agem como bons administradores/coordenadores
ou não, como servos ou como senhores que só sabem mandar e impor, são
vigilantes ou estão dormitando?
P. Vitus Gustama,svd
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