Quarta-Feira Da IV
Semana Do Tempo Comum
Naqueles dias, 2disse o rei Davi a Joab e aos chefes de seu exército que estavam com ele: “Percorrei todas as tribos de Israel, desde Dã até Bersabeia, e fazei o recenseamento do povo, de maneira que eu saiba o seu número”. 9Joab apresentou ao rei o resultado do recenseamento do povo: havia em Israel oitocentos mil homens de guerra, que manejavam a espada; e, em Judá, quinhentos mil homens. 10Mas, depois que o povo foi recenseado, Davi sentiu remorsos e disse ao Senhor: “Cometi um grande pecado, ao fazer o que fiz. Mas perdoa a iniquidade do teu servo, porque procedi como um grande insensato”. 11Pela manhã, quando Davi se levantou, a palavra do Senhor tinha sido dirigida ao profeta Gad, vidente de Davi, nestes termos: 12“Vai dizer a Davi: Assim fala o Senhor: dou-te a escolher três coisas: escolhe aquela que queres que eu te envie”. 13Gad foi ter com Davi e referiu-lhe estas palavras, dizendo: “Que preferes: três anos de fome na tua terra, três meses de derrotas diante dos inimigos que te perseguem, ou três dias de peste no país? Reflete, pois e vê o que devo responder a quem me enviou”. 14Davi respondeu a Gad: “Estou em grande angústia. É melhor cair nas mãos do Senhor, cuja misericórdia é grande, do que cair nas mãos dos homens!” 15E Davi escolheu a peste. Era o tempo da colheita do trigo. O Senhor mandou, então, a peste a Israel, desde aquela manhã até o dia fixado, de modo que morreram setenta mil homens da população, desde Dã até Bersabeia. 16Quando o anjo estendeu a mão para exterminar Jerusalém, o Senhor arrependeu-se desse mal e disse ao anjo que exterminava o povo: “Basta! Retira agora a tua mão!” O anjo estava junto à eira de Areuna, o jebuseu. 17Quando Davi viu o anjo que afligia o povo, disse ao Senhor: “Fui eu que pequei, eu é que tenho a culpa. Mas estes, que são como ovelhas, que fizeram? Peço-te que a tua mão se volte contra mim e contra a minha família!”
Evangelho: Mc 6,1-6
Jesus voltou com os seus discípulos
para a cidade de Nazaré, onde ele tinha morado. No sábado começou a ensinar na
sinagoga. Muitos que o estavam escutando ficaram admirados e perguntaram: - De onde é que este homem consegue tudo isso? De onde vem a sabedoria dele?
Como é que faz esses milagres? Por acaso ele não é o carpinteiro, filho de
Maria? Não é irmão de Tiago, José, Judas e Simão? As suas irmãs não moram aqui?
Por isso ficaram desiludidos com ele. Mas Jesus disse: - Um profeta é respeitado em toda parte, menos na sua terra, entre os seus
parentes e na sua própria casa. Ele não pôde fazer milagres em Nazaré, a não ser curar alguns doentes, pondo as
mãos sobre eles. E ficou admirado com a falta de fé que havia ali.
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Até agora o número de pessoas que
recorrem a Jesus fica cada vez maior. Essas pessoas vêm de toda parte da
Palestina, inclusive do território pagão (Mc 3,7-8). As pessoas se reúnem em
torno de Jesus a ponto de Jesus e seus discípulos não terem tempo nem para
comer (Mc 3,20). Eram tão numerosas essas pessoas que faz Jesus subir a uma
barca para ensinar (Mc 4,1). Que pensa de Jesus todas essas pessoas? Quem é
Jesus para elas? Será que elas crêem nele? Que crêem nele? O Evangelho não nos
dá nenhuma resposta explícita para essas perguntas. Percebemos apenas o
entusiasmo e a admiração do povo sobre o ensinamento de Jesus (Mc 1,27).
Agora Jesus está de volta para sua
terra, Nazaré. Mais ou menos durante trinta anos vivendo em Nazaré, convivendo
com as pessoas comuns de Nazaré, vivendo com elas e Ele era tão comum como seus
conterrâneos. Mais ou menos trinta anos mantendo-se tão semelhante àquele povo
que não se notava diferença alguma entre Ele e Tiago, José, Judas ou Simão.
Mais ou menos durante trinta anos morando num lugar desconhecido e desprezado.
Até um dos futuros discípulos de Jesus, Natanael, lançará esta pergunta: “De
Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,46). Jesus está de volta para Nazaré
depois que instituiu os Doze (Mc 3,13-19). Ele volta para suas raízes antes de
continuar sua missão itinerante. Agora é a hora de se manifestar e de receber o
juízo de seu povo sobre ele. O que pensa o povo de Nazaré sobre Jesus? Quem é
Jesus para seus conterrâneos? Será que Deus tem um aspecto tão humano? Será que
é possível Deus estar tão próximo dos homens comuns como os de Nazaré? Será que
Deus não pode estar tão perto dos homens no seu dia a dia como em Nazaré? Ou
onde está Deus? Onde Deus habita? Para o povo, onde Deus mora? Onde fica Sua
morada?
É preciso abrir os olhos e a mente,
e deixar o coração aberto para poder experimentar Deus e sentir Sua presença no
cotidiano, no aspecto cotidiano da vida. Deus está aqui e agora. Sinta e
experimente Sua presença! Aprenda a saborear o momento, mesmo que ele não dure
para sempre. Há momentos de nossas vidas que podem ser eternos mesmo que não
sejam permanentes, por causa da presença da própria eternidade que é Deus. Deus
está presente permanentemente como o silêncio está sempre presente, mas somos nós
que preenchemos o silêncio com barulho. Assim que o barulho cessar o silêncio
volta a reinar novamente o ambiente. Deus sempre nos surpreende, porque na sua
atuação ele não tem esquemas prévios, métodos preestabelecidos, lógica precisa
ou raciocínio bem lógico. Pode desistir de uma lógica, mas não desista da vida
cuja origem está em Deus! Deus está sempre acima de nosso raciocínio, “Pois
meus pensamentos não são os vossos, e vosso modo de agir não é meu” diz o
Senhor (Is 55,8). Por isso, onde menos O esperamos, onde O menos imaginamos,
Ele aparece, comunicando-se conosco e convivendo conosco (Jo 1,14). “No meio
de vós está quem vós não conheceis”, alerta-nos o evangelista João (Jo
1,26). Deus habita e está no homem e não nas paredes de um templo ou de uma
igreja (cf. Mt 25,40.45). Os animais não questionam o sentido da vida, mas as
pessoas sim porque em cada um de nós há uma dimensão divina e somos imagem de
Deus (Gn 1,26) que nos faz perguntar por que estamos vivos. Nós somos homens
com dimensão transcendente e por isso somos capazes de ir e de ver além da aparência.
Deus quer encontrar seu povo onde este vive e atua.
A encarnação de Deus em um
carpinteiro de Nazaré nos descobre que Deus não é um exibicionista que se
oferece em espetáculo. Deus não é o Ser todo-poderoso que se impõe, mas propõe
e convida. Podemos descobrir Deus nas experiências mais normais de nossa vida
cotidiana: em nossas tristezas inexplicáveis, na felicidade insaciável, na
solidão em busca da comunhão, em nosso amor frágil, mas apaixonante, na saudade
de uma presença de quem se foi, mas que está presente fortemente na sua
ausência, e nos sonhos de uma vida de paz e serenidade, na reconciliação por
amor, nas perguntas mais profundas sobre a vida e seu sentido, em nosso pecado
mais discreto, nas nossas decisões mais responsáveis, na nossa busca sincera do
bem e da verdade, no nosso “bom dia, boa tarde, boa noite” endereçado para as
pessoas para o seu bem, no nosso “obrigado” pelo bem que o outro fez por nós,
no nosso agradecimento pelo novo dia que nos é dado por puro amor de Deus. Por
isso, a raiz da incredulidade é precisamente esta incapacidade de acolher a
manifestação de Deus no cotidiano.
O que necessitamos são uns olhos
mais limpos, simples e menos preocupados em possuir coisas e em ter poder. As
coisas são meios e elas jamais são fim de nossa vida. As coisas continuam
alheias a nós, pois não são nossos semelhantes (cf. Gn 2,20-23). Um ônibus é um
meio que me leva até o centro da cidade, mas o ônibus não é o centro da cidade.
O que necessitamos é uma atenção mais profunda e desperta para o mistério da
vida que não consiste somente em ter “espírito observador” e sim em saber
contemplar e acolher com simpatia as inumeráveis mensagens e chamadas que a
mesma vida irradia permanentemente. Deus não está longe dos que O buscam. Deus
está no centro de nossa vida. Deus nos visita (Lc 1,68; 7,16) como visitou seu
povo em Nazaré que jamais ele abandonou. É preciso abrir a porta de nosso lar e
de nosso coração para a visita do Senhor como a própria sinagoga em Nazaré
aberta para o Senhor entrar nela e falar das coisas essenciais da vida para seu
povo reunido nela.
Em Nazaré o povo ficou admirado
pelo ensinamento de Jesus, mas ficou desiludido por causa de sua origem: “De
onde é que este homem consegue tudo isso? De onde vem a sabedoria dele? Como é
que faz esses milagres? Por acaso ele não é o carpinteiro, filho de Maria? Não
é irmão de Tiago, José, Judas e Simão? As suas irmãs não moram aqui? Por isso ficaram desiludidos com ele”. Quando seus conterrâneos falam dele,
não pronunciam seu nome, o designam somente com pronomes depreciativos para sua
pessoa e sua atividade (ele, este etc.). Os nazarenos, apesar de conhecer as
Escrituras, não conseguiram recordar aquilo que Moises havia dito: “O
Senhor, teu Deus, te suscitará dentre os teus irmãos um profeta como eu: a ele
que deveis ouvir” (Dt 18,15). Os nazarenos não conseguiram captar a
novidade de Deus em Jesus; não reconheceram nele o enviado de Deus. Somente são
os discípulos que fazem a seguinte pergunta: “Quem é este?” (Mc 4,41), mas a
multidão nunca e os nazarenos nem sequer
sonhavam uma pergunta semelhante, pois eles sabiam quem era Jesus: um artesão,
o filho de Maria; conheciam seus parentes. Mas não quiseram ir além disso; eles
ficaram presos em juízos puramente humanos; eles encontraram em Jesus um obstáculo
para a fé.
E Jesus “ficou admirado com a
falta de fé que havia ali”. O amor
oferecido é recusado. Mas o amor não pode resignar-se diante da recusa. O amor
continua a existir mesmo tendo a recusa, pois é eterno. “Deus é amor”, afirmou São
João (1Jo 4,8.16). Diante dessa recusa, Jesus precisa ir a outras aldeias onde
o amor é bem acolhido.
O evangelista Marcos acrescenta um
provérbio citado por Jesus para explicar a incompreensão e a falta de fé de
seus conterrâneos: “Um profeta é respeitado em toda parte, menos na sua
terra, entre os seus parentes e na sua própria casa”. A fé não se adquire
por ativismo ou por herança. A fé precede aos milagres, nunca ao contrário. Por
isso, é inútil montar uma apologética para “provar” a divindade de Jesus
partindo da existência de uns fatos superiores às forças da natureza. Quem vive
sua vida profundamente e com muita consciência, quem leva seu ser a sério, não tem
como não ter fé em Deus que está muito além da inteligência humana.
Reconhecer em Jesus o Messias, o
Ungido de Deus, não é fácil. Somente quem crê, O reconhece, aceita suas
palavras e admira suas obras. Muitos olham sem ver e ouvem sem escutar. Cristo
continua desconcertando: sua palavra escandaliza, sua mensagem gera oposição e
sua vida e obras criam conflitos. Outros O conhecem, O aceitam e sua vida
adquire um novo sentido. A fé madura caminha à descoberta e não evita as
perguntas e a obscuridade. Hoje o Senhor nos pede mais fé n’Ele para realizar
coisas que superam nossas possibilidades humanas.
Para Refletir:
“Ele não é o
carpinteiro, filho de Maria?”
“Se o orgulho nos faz
sair, a humildade nos faz entrar… Como o médico, depois de estabelecer um diagnóstico,
trata o mal em causa, tu, cura a raiz do mal, cura o orgulho; então, já não haverá
mal algum em ti. Para curar teu orgulho, o Filho de Deus se abaixou, se fez
humilde. Por que tu te orgulhas? Para ti, Deus se fez humilde. Talvez tu tenhas
vergonha de imitar a humildade do homem; imita pelo menos a humildade de Deus.
O Filho de Deus se humilhou fazendo-se homem. Tu, homem, conhece que és homem.
Toda sua humildade consiste em conhecer quem és.
Escuta a Deus que te
ensina a humildade: ‘Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a
vontade daquele que me enviou’ (Jo 6,38). Ele, humilde, veio para ensinar a
humildade, como Mestre de humildade. Aquele que vem a Mim se faz um comigo; se
faz humilde. Quem se aderir a mim será humilde. Não fará sua vontade e sim a
vontade de Deus. E não será tirado fora (Jo 6,37), como quando era orgulhoso”. (Santo Agostinho [354-430] bispo de Hipona)
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