SER PROFETA E MÁRTIR
Sábado da XVII Semana Comum
02 de Agosto de 2014
Evangelho: Mt 14,1-12
1 Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do
governador Herodes. 2 Ele disse a seus servidores: “É João Batista, que
ressuscitou dos mortos; e, por isso, os poderes miraculosos atuam nele”. 3 De
fato, Herodes tinha mandado prender João, amarrá-lo e colocá-lo na prisão, por
causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. 4 Pois João tinha
dito a Herodes: “Não te é permitido tê-la como esposa”. 5 Herodes queria
matar João, mas tinha medo do povo, que o considerava como profeta. 6 Por
ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de
todos, e agradou tanto a Herodes 7 que ele prometeu, com juramento,
dar a ela tudo o que pedisse. 8 Instigada pela mãe, ela disse: “Dá-me
aqui, num prato, a cabeça de João Batista”. 9 O rei ficou triste, mas,
por causa do juramento diante dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela.
10 E mandou cortar a cabeça de João, no cárcere. 11 Depois a
cabeça foi trazida num prato, entregue à moça e esta a levou a sua mãe. 12 Os
discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram. Depois foram contar
tudo a Jesus.
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Na passagem do Evangelho deste dia fala-se da identidade de
Jesus, relacionada à de João Batista. O motivo dessa colocação é sempre o
mesmo: para entender Jesus há que entender antes quem é João Batista, pois João
Batista é o Precursor de Jesus. O destino de João Batista preanuncia o de
Jesus.
O evangelho nos relatou que a fama de Jesus estava cada vez
mais espalhada ao seu redor. Por isso chegou também aos ouvidos de Herodes que
já tinha mandado decapitar João Batista. A presença e a fama de Jesus incomodam
a consciência de Herodes: “É João Batista, que ressuscitou dos mortos; e,
por isso, os poderes miraculosos atuam nele”, pensou Herodes. Herodes que já tinha mandado decapitar João Batista, por instigação
de Herodiades, ficou sem a consciência tranqüila.
A partir da reação de Herodes é que se conta o drama da vida
de João Batista que denunciou Herodes por ter se casada com Herodíades,
ex-mulher de seu irmão, pois era proibido pela Lei (cf. Lv 18,16).
A adúltera Herodíades não gostou da denúncia de João Batista
em nome de seu prazer e interesse pessoal, e procurava algum meio para
surpreender João Batista e esperava momento certo para vingar-se. Quando chegou
o momento oportuno ela pediu, através de sua filha (como meio), a cabeça de
João Batista (vingança).
João Batista é o último profeta do
Antigo Testamento. Ele enfrenta abertamente os governantes da nação para
chamá-los à mudança e para exigir um comportamento ético. O deserto, lugar de
sua pregação, é símbolo de sua oposição à cidade e ao templo. Ele quer reviver
a experiência do êxodo e recordar seu povo que o destino depende completamente
da fidelidade a Deus. No entanto, como qualquer profeta, João Batista pagou o
preço alto de sua denúncia: a própria vida. Herodes, ainda que tivesse respeito
pelo João Batista, se submeteu diante das pressões da adúltera Herodíades que
pediu a cabeça de João Batista.
A morte de João Batista antecipa a
morte de Jesus como mártir. Ambos são encarcerados injustamente, ambos rubricam
com seu sangue a verdade de Deus. Jesus espera o mesmo destino de João Batista.
Um profeta autêntico não é somente recusado em sua própria pátria (cf. Mt
13,57), mas também essa recusa termina, muitas vezes, com sua morte.
A denúncia de João Batista nos
mostra que o Evangelho não é neutro. Diante de certos grandes problemas, o
Evangelho toma posição com o risco de conduzir os crentes para o martírio pelo
fato de defender a verdade, a justiça, a honestidade e assim por diante.
A figura de João Batista é admirável
em sua coerência, na lucidez de sua pregação e de suas denúncias. João Batista
é valente e comprometido. Diz a verdade ainda que desagrade. É figura também de
tantos cristãos que morreram vitimas da intolerância pelo testemunho que davam
contra situações injustas e insuportáveis do ponto de vista da justiça e da
honestidade. Os “profetas mudos” prosperam, mas os autênticos terminam pagando
tudo com a própria vida.
A verdade continua sendo a verdade,
embora o pregador da verdade possa ser eliminado por aqueles que vivem na
mentira e na falsidade. E por isso é que a verdade não pode ser eliminada ou
enterrada. O tempo vai mostrar que a verdade vencerá tudo e todos.
Toda vez que celebramos o martírio
de um discípulo de Cristo tocamos o próprio núcleo de nossa fé. A Igreja de
Cristo é a Igreja dos profetas e dos mártires. Por ser profeta o cristão se
torna mártir, isto é, aquele que testemunha a verdade e paga com seu sangue a
verdade proclamada. A função profética é uma das funções de qualquer batizado.
No dia em que é ungido com o óleo de crisma no momento de seu batismo, o
cristão recebe as três funções: profética, sacerdotal e real. Ele é batizado
para proclamar a verdade, praticar o bem e não para compactuar o mal e a
maldade. O cristão se santifica vivendo de acordo com a verdade e o bem. Ele
vive e prega os valores do Evangelho como a verdade, a honestidade, a justiça,
a caridade, a solidariedade, partilha, igualdade e assim por diante.
Mas o que acontece é que estamos tão
acostumados com o comodismo. Muitas vezes nos sentimos instalados comodamente
no acampamento capitalista ou nas avenidas do hedonismo. Ninguém vai nos
perseguir se não vivermos nosso martírio, nosso verdadeiro testemunho dos
valores ensinados por Jesus Cristo.
A vida do cristão deve ser iluminada
e conduzida pela verdade. A vida iluminada pela verdade ameaça quem está na
sombra da desonestidade, da corrupção e da falsidade, e este reage
violentamente diante da verdade em nome da defesa dos seus interesses e
prazeres individuais. Toda vez que os cristãos se arriscarem para adentrar-se
nos territórios obscuros, eles vão pagar o preço com sua própria vida, como
João Batista. Toda vez que a Igreja abrir a boca contra a injustiça, a
desonestidade, a corrupção, a exploração do ser humano, ela será perseguida.
Mas dar a vida é a única maneira de dar vida. Ser verdadeira Igreja de Cristo
não dá para parar de sofrer enquanto ela viver seu verdadeiro martírio, seu
profundo testemunho de valores. A verdadeira Igreja de Cristo é a Igreja dos
mártires, das testemunhas de Cristo.
Jesus nos diz que devemos ser luz,
sal e fermento deste mundo (cf. Mt 5,13-14). Ou seja, profetas. Ser cristão é
estar disposto a tudo. Profetas são os que interpretam e vivem as realidades
deste mundo a partir da perspectiva de Deus e denunciam quando há injustiça ou
desonestidade nelas. Ele faz tudo isso não para eliminar os pecadores e sim o
pecado, pois o próprio Deus ama o pecador e odeia o pecado. Deus não quer a
morte do pecador, mas que se converta (Ez 18,19-32).
Geralmente não gostamos de escutar
as críticas que nos recordam o lado escuro de nossa vida. Sempre temos
dificuldade para escutar um profeta. Mas mesmo que não gostemos de ouvir o
profeta, suas palavras continuam a conter a verdade e a verdade nos liberta
(cf. Jo 8,31-32), e torna nossa vida mais leve e nosso sono mais sadio. Mesmo
que eliminemos o profeta, mas suas palavras continuam a ressoar ou a incomodar
nossa consciência, como aconteceu com Herodes. Viver na verdade ou de acordo
com a verdade, com a justiça, com a desonestidade, etc. é viver na serenidade.
O Senhor nos reúne em torno d’Ele
nas nossas celebrações não para celebrar alguns ritos mágicos e sim para que
renovemos diante d’Ele nossa aliança de amor, aliança com a verdade e voltemos
a fazer nosso o compromisso de viver e de proclamar Seu Evangelho e construir
Seu Reino de amor e de fraternidade entre nós.
Herodes ouvia com agrado João
Batista, mas não lhe obedecia. Seu coração estava dividido. Herodes ouvia João
Batista que despertava sua consciência, mas, ao mesmo tempo, ouvia Herodíades,
sua amante e se embriagava em paixão por ela. Herodes estava na
encruzilhada entre a lucidez e a paixão cega; entre o prazer mortal e a paz da
consciência. Ele estava totalmente dividido dentro de si próprio. Da divisão de seu coração nasce
a morte de João Batista. De sua divisão saiu a divisão entre o corpo e a cabeça de João Batista.
Herodes foi incapaz de obedecer para aquele que pregava a verdade e a salvação, mas o
matou; incapaz de escutá-lo, o silenciou para sempre neste mundo; incapaz de
segui-lo, mas o deteve na prisão para depois eliminá-lo em nome do prazer
passageiro.
Acontecerá a divisão dentro de nós
mesmos e entre nós toda vez que estivermos desunidos de Cristo. E essa divisão
pode produzir morte nosso próximo como aconteceu com Herodes. Estamos divididos
todas vez que aplaudimos um corrupto, pois fazemos parte da corrupção. Estamos
divididos toda vez que admiramos Cristo e seus ensinamentos, no entanto não
fazemos caso de tudo isso. Estamos divididos se pregamos uma moral para o uso
próprio em nome de nossos prazeres. O caso de Herodes nos chama a sermos
vigilantes. Em qualquer momento podemos perder a razão para agir em nome do
prazer e da emoção. O espírito de Herodes não morre.
P. Vitus Gustama,svd
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