sexta-feira, 25 de julho de 2014

 
VIVER EM FUNÇÃO DA BUSCA DA PÉROLA PRECIOSA

XVII Domingo Do Tempo Comum Ano “A
27 de Julho de 2014
 

Evangelho: Mt 13,44-52


Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 44 “O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo. 45 O Reino dos Céus é também como um comprador que procura pérolas preciosas. 46 Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola. 47 O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. 48Quando está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam. 49 Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, 50 e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes. 51 Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim”. 52 Então Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”.
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Continuamos a acompanhar o terceiro grande discurso de Jesus sobre o Reino de Deus em parábolas no evangelho de Mateus. Desta vez o Evangelho nos traz as três últimas parábolas do discurso de Jesus sobre o Reino dos Céus: a dupla parábola do tesouro escondido e da pérola preciosa (Mt 13,44-46), e a parábola da rede de pesca (Mt 13,47-50). E Jesus termina o discurso com uma conclusão (Mt 13,51-52). As três parábolas são próprias de Mt (também se encontram no Evangelho Apócrifo de Tomé). Os três têm exatamente a mesma introdução, que revela seu propósito: manifestar o mistério do Reino de Deus.


1. A Dupla Parábola e Sua Mensagem (Mt 13,44-46)


A experiência do amor de Deus por nós é um dom incalculável


As inúmeras guerras, que aconteceram em Palestina, levavam muitas pessoas a enterrar seus tesouros valiosos por motivo de segurança contra os ladrões. Pode acontecer que o proprietário do tesouro morra sem revelar a ninguém o lugar onde foi escondido o tesouro.    


Os personagens das duas primeiras parábolas (tesouro escondido e pérola preciosa) são respectivamente um “homem” (v.44) e um “comerciante” (vv.45-46). Ambos descobrem um bem extraordinário: um tesouro em um campo, no primeiro caso, e uma pérola, no segundo. O primeiro descobriu, por acaso, o tesouro ao trabalhar em um campo. Para dizer que o descobrimento do Reino de Deus não é devido ao esforço humano, mas à revelação ou ao descobrimento de Jesus, entendido como projeto que leva à plenitude a própria existência. Jesus sai ao nosso encontro. O segundo procura, intencionalmente, a pérola preciosa e a encontrou. Para dizer que é preciso a participação do próprio homem na descoberta do valor do Reino de Deus. O homem deve sair ao encontro de Jesus para ter a experiência com Deus a fim de chegar à própria plenitude como ser humano.  


Na experiência dos dois personagens o descobrimento de um valor precioso muda a vida de ambos, e os leva para a mesma decisão: “vender tudo o que tinham” e “comprar” o objeto que “encontraram”. E o dito objeto relativiza o resto. Para o homem da primeira parábola representa uma fonte de alegria por ter encontrado um valor incomparável. Para o comerciante significa o abandono de sua profissão porque, com a aquisição da pérola preciosa que ele procurava, deve interromper a cadeia de sua atividade.


Assim também é em relação com a vida do homem diante do Reino de Deus. Somente o Reino de Deus, o Reino de amor, descoberto como o supremo valor da existência, coloca o homem na possibilidade de descobrir o sentido dos restantes bens que se possui. A vida em Deus ou ser filhos e filhas de Deus é um valor incalculável, um dom do céu, e quem desfruta dele, por meio da fé, é um autentico afortunado. A possessão, desta forma, se apresenta como algo relativo. A experiência do amor de Deus relativiza o resto sem desprezar seu valor no seu próprio lugar. A partir deste tesouro que é o Reino de Deus, todo o resto se ordena e adquire o seu valor próprio. Como aquele que encontrou a pérola preciosa foi capaz de colocar todas as demais coisas em uma escala justa de valores, de relativizá-las em relação com a pérola preciosa. E ele o fez com  extrema simplicidade porque, ao ter como pedra de comparação, a pedra preciosa, sabe compreender melhor o valor de todas as demais pedras.  Quem encontrar o valor supremo de sua vida, a experiência de fazer parte da família de Deus em Jesus Cristo não desprezará outros valores, mas coloca-los-á em seu devido lugar. O bem relativo pode ser, mais ou menos, importante para a satisfação das necessidades humanas, porém, deve ser sempre confrontado com o bem supremo que é a experiência do amor de Deus, a experiência de serem filhos e filhas de Deus. Desta forma, as parábolas do tesouro escondido e a pérola preciosa conectam com a primeira bem-aventurança: “Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o Reino dos céus” (Mt 5,3).


Onde está teu tesouro, aí estará também teu coração


Do ponto de vista de um homem que busca o sentido de sua vida, o tesouro de sua existência ou de sua vida é como uma utopia: não sabe onde está, nem sequer sabe se está em algum lugar ou em nenhum lugar. A busca é um esforço para encontrar algo que não se tem. Quem busca reconhece uma carência de algo. É uma atitude humilde por si mesma.


Nesta busca o homem somente conhece a inquietude de seu coração, porque “onde está teu tesouro, ai estará também teu coração” (Mt 6,21). Um homem que ainda não encontrou seu tesouro fica inquieto e busca incessantemente um sentido para sua vida. O coração errático do homem, sua vontade, pode, nestas circunstancias, fixar-se em qualquer coisa e agarrar-se a ela como se tivesse encontrado seu tesouro. Mesmo assim, ele continua inquieto, pois o tesouro do homem não é qualquer coisa. O homem pode ter tudo, mas se carecer o essencial, ele continuará inquieto.


A busca do Reino de Deus é compreender uma certa carência essencial em nossa vida, carência que nos impulsiona a sair de nós mesmos e não repousará até que encontremos essa realidade que faz completo nosso ser. Por isso, não é a riqueza, nem o êxito, nem o poder, nem a fama, mas o próprio Deus é o tesouro supremo do homem que o faz completo. Escondido no nosso mundo, coberto pela carne crucificada de Jesus de Nazaré, perdido entre os pobres, identificado com eles, está o tesouro do homem. Jesus é o “lugar de Deus”, e o irmão, o próximo é o “lugar” de encontro com Jesus. O próximo se transforma, então, em ocasião de salvação. Não é nada que o homem pode alcançar por si mesmo e somente para si mesmo, pois ele foi feito por Deus e para Deus na convivência fraterna com os outros. Por isso, Santo Agostinho rezava: “... Senhor, inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti” (Confissões I,1). O homem só se encontrará, somente chegará à sua plena realização na medida em que ele buscar e viver e conviver de acordo com o Amor que é Deus (cf. 1Jo 4,8.16).


O homem que encontrou o sentido de sua vida em Deus é um homem alegre e dinâmico , como os dois homens na parábola que encontraram seu tesouro. Por este tesouro, ele é capaz de se desprender de tudo, de se despojar de tudo, de compreender a fraqueza do outro, de perdoar, de reconciliar-se com todos, de ser justo e honesto nos seus negócios, de ser correto e coerente no seu modo de ser, pois sua vida é direcionada por este supremo valor. A busca do Reino de Deus modifica nosso esquema de vida e não pode ser levado adiante sem uma absoluta sinceridade de coração. A busca do Reino de Deus é compreender uma certa carência essencial em nossa vida.


Nesta parábola, nem o homem que encontrou o tesouro nem aquele que descobriu a pérola sentem falta do que antes possuíam e que venderam. A riqueza do que acharam é de tal ordem que compensa tudo o que tinham. A mesma coisa acontece com os que descobrem ou encontram o seu caminho pessoal para Deus: abandonam tudo e encontram tudo, porque Deus é tudo. Quem, pela mensagem de Cristo, encontra Deus, renuncia jubilosamente a tudo. Tal verdade somente pode ser experimentada pela própria vida. Por isso, eles podem renovar tudo, acabar com a rotina de sua vida e começam a olhar mais longe e mais alto. E quem encontra Cristo expande a alegria e o otimismo para todos.


A vocação de seguir Jesus, Deus-conosco que é o nosso supremo tesouro sempre exige renúncia e uma mudança na conduta com alegria. Implica a entrega a Deus daquilo que se tinha reservado para si, e se abandonam os apegos, as fraquezas que se supunham intocáveis e que, no entanto, é preciso destruir para adquirir o tesouro sem preço. Se Jesus nos chama, também ele nos dá as graças necessárias para segui-lo durante a nossa vida.


A eucaristia é também um tesouro escondido. Tanto que passa despercebida, inclusive para nós que freqüentamos a missa com assiduidade. Escondida em coisas triviais como pão e vinho está nada menos que todo insondável amor de Deus a todos nós. Só teremos a experiência do amor de Deus, se nós começarmos por demonstrar amor a nossos irmãos, especialmente aos mais débeis. Se descobrirmos a eucaristia como tesouro, se a apreciarmos, estaremos plenos de alegria e a nossa eucaristia resultará verdadeiramente em festa, em ação de graças.


E nós, já descobrimos esse tesouro? Desde que descobrimos Cristo, o que mudou na nossa vida, no nosso modo de pensar e de falar, e no nosso relacionamento com os outros e com as coisas? Que renúncias que temos que fazer ainda? “Onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração” (Mt 6,21). Será que por algum bem material, ou alguma posição social abandonamos Cristo, o nosso tesouro incalculável? Muitos são os esforços que fazemos para encontrar o que nos falta: trabalho, dinheiro, prazer, cultura e assim por diante. Hoje podemos nos perguntar se existe o mesmo esforço para encontrar a Verdade no sentido de uma verdadeira visão da vida. Sem dúvida nenhuma, esta é uma das crises mais profundas de nossa cultura: tem-se de tudo, mas carece-se do essencial: uma visão geral do homem no cosmos que lhe permite situar-se como homem.


2. A Parábola Da Rede e O Alerta Sobre Nossa Liberdade Sem Rumo (Mt 13,47-50)     


Esta parábola praticamente no seu conteúdo repete a parábola do joio no meio do trigo (Mt 13,24-30). As duas parábolas orientam-se para o fim dos tempos, pois as duas tratam do julgamento final.


A imagem da pesca ilustra a dinâmica do Reino de Deus feita de perdas e ganhos. Uma vez a rede lançada ao mar, a pescaria já não depende da vontade do pescador. Cada lançada de rede é uma surpresa. A seleção será feita somente no final da pescaria, quando os peixes bons são colocados em cestas, enquanto os não comestíveis são jogados fora. Na lista dos animais impuros que os israelitas não tinham direito de comer (Lv 11) está dito que se pode comer tudo o que se move na água e que tenha escamas e barbatanas; os outros animais aquáticos são impuros e portanto proibidos (Lv 11,9-12). Uma parte dos peixes jogados fora deve ter classificado como animais aquáticos proibidos (impuros).


A pesca representa a oferta do Reino que se faz a todos. São muitos os que entram nele, mas a chave está no como se vive a vida. No Reino de Deus, como no mundo e na Igreja, é inevitável a presença simultânea de bons e maus. Todos podem ser batizados e nominalmente se chamam cristãos e a todos se oferece o Reino de Deus através do Evangelho e do seguimento de Cristo. É inevitável também a variedade de respostas de uma para outra pessoa. A seleção acontecerá no fim.     


Jesus diz que “assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são bons. E lançarão os maus na fornalha de fogo. Aí eles vão chorar e ranger os dentes” (vv.49-50). A expressão “choro e ranger de dentes” se repete várias vezes em Mt (8,12;13,42.50;22,13;24,51;25,30) e uma vez apenas em Lc (Lc 13,28). Esta expressão sublinha a frustração definitiva do homem pela perda da vida eternamente. A parábola propõe, então, aos seguidores de Jesus a sorte final, para orientá-los na decisão presente. O paraíso é a certeza para quem responde a chamada de Deus para sua plena realização gradativamente. Com efeito, a não-salvaçao é apenas uma possibilidade para quem opta por ele. O problema não está em Deus, mas está no homem que não sabe lidar com a própria liberdade. 


Mas Deus tem paciência para salvar. Ele não quer precipitar o julgamento. Ele aguarda a colheita, não diminuída por prematuras intervenções de escolha. Só então, no fim, haverá a colheita, com base na realidade de ser peixe bom ou mau, de ser trigo ou joio. É uma advertência eficaz, embora tácita: Deus é paciente com todos e deixa a todos tempo para amadurecer sua conversão; Deus sabe esperar a livre decisão do homem. Cabe a cada um escolher ser peixe bom ou peixe não comestível, ser trigo ou joio. No fim, a bondade, o amor, a justiça, a compaixão é que têm valor. Um homem que é livre para amar e para dar a vida é o homem que é livre para ganhá-la. Para ele tudo tem sentido porque sabe onde está seu coração.

P. Vitus Gustama,svd

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