sexta-feira, 4 de julho de 2014

 

VIVER NA SIMPLICIDADE E NA MANSIDÃO


XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”
06 de Julho de 2014
 

Evangelho: Mt 11,25-30


Naquele tempo, Jesus pôs-se a dizer: 25 “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. 26 Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. 27 Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. 29 Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. 30 Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.

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No texto do evangelho de hoje o evangelista Mateus reuniu três sentenças de Jesus que provavelmente tiveram uma origem independente (fonte Q): 1ª. Uma oração de ação de graças (vv.25-26) que vem logo depois das ameaças de Jesus contra as cidades da Galiléia (Mt 11,20-24). A introdução é breve e se dirige ao Pai como Senhor do céu e da terra. O ato de Jesus chamar a Deus de Pai(Abba) reflete a confiança e proximidade que tem com ele. Os primeiros cristãos conservaram essa palavra(Mc 14,36; Gl 4,6s; Rm 8,15), que se encontram detrás de quase todas as orações de Jesus(Mc 14,36 e par. ; Jo 12,27s;17; Lc 23,34.46). 2ª. Trata da revelação de caráter profundamente cristológica (v.27). Esta sentença explica em que consiste a revelação aos simples. E a 3ª sentença(vv.28-30) é muito parecida ao convite a fazer-se discípulo da sabedoria que lemos nos livros sapienciais: vende a mim (Eclo 24,19;51,23); tomai meu jugo (Eclo 6,24s;51,26); encontrareis descanso (Eclo 6,28). Jesus apresenta-se aqui como a Sabedoria de Deus que convida os homens a virem a ele para que sejam humildes e mansos de coração (v.28).


Deus Se Revela Aos Simples
  

Jesus afirma que os simples têm vantagem sobre os entendidos, mesmo sobre os teólogos, se estes forem apenas sábios auto-suficientes, possuídos pelo orgulho doutrinal: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos”(v.25). Os sábios e entendidos, neste contexto, são os escribas e os fariseus que conhecem a Lei de Moisés, mas recusam a Jesus; eles estão fechados na sua auto-suficiência (cf. Is 29,14 onde Deus recrimina a hipocrisia na relação com ele). Os simples, ao contrário, sabem receber a revelação e acolhem Jesus (cf. também Mt 13,11 e Is 28,9) e se tornam os beneficiários do acontecimento da graça divina. Trata-se de compreender o sentido das obras de Jesus, de ver nelas a atividade do Messias que salva a humanidade.
     

Por que os simples têm vantagem? Quais são as características de um simples?
      

O simples não se louva nem se despreza. Ele é o que é, sem desvios, sem afetação, faz o que faz, mas não vê nisso matéria para discursos ou para comentários. É a vida sem mentiras, sem exagero, sem grandiloqüência. Ele acolhe o que vem, sem nada guardar como coisa sua. Ele ocupa-se do real, não de si. O presente é sua eternidade e o satisfaz. Ele é aquele que não simula, não presta atenção em si nem na sua imagem ou reputação. Ele não calcula, sem artimanhas nem segundas intenções. Ele aprende a desprender-se: de  tudo e de si mesmo. De certa forma, poderíamos dizer que ele é esse desprendimento. Se para Deus tudo é simples, para o simples tudo é divino.
       

A simplicidade é despojamento, liberdade, leveza, transparência. É ausência de cálculo, de artifícios, de composição. É esquecimento de si, de seu orgulho. A simplicidade é o contrário do narcisismo, da pretensão, da auto-suficiência, da duplicidade, da complexidade. A simplicidade é quietude contra inquietude, alegria contra preocupação, ligeireza contra seriedade, verdade contra pretensão.  É nisso que a simplicidade é uma virtude para ser conquistada.
   

Deus quer que os homens não se ocupem de si mesmos para que ele possa ter espaço neles para suas graças, pois aquele que se enche de si não sobra espaço nem para Deus nem para os outros. Em outras palavras, que os homens voltem a ser simples.
    

Deus se revela certamente àquele que se despoja de si mesmo e de tudo, ao simples, àquele que vive segundo o Espírito, àquele que tem um olhar e o coração limpos. O coração limpo e a ausência de todo interesse torcido permitem o simples discernir nas obras realizadas por Jesus a mão de Deus. Por isso, o simples é capaz de entender Deus e sua vontade. Os simples são os que, ao se esvaziarem de si mesmos, se abrem a Cristo e aos irmãos. Por isso, eles são preferidos de Deus. Por isso também, pode acontecer que os simples tenham mais fé em Deus do que os teólogos ou os que pertencem a uma elite consagrada. Por essa mesma razão, podemos encontrar pessoas simples, sem estudos e de muito poucos recursos intelectuais, mas de grande fé, que compreendem as coisas de Deus e intuem a sua vontade. Santa Teresa de Ávila foi declarada doutora da Igreja não por seus estudos de Teologia numa universidade, mas por ter alcançado uma sabedoria espiritual. O ideal  poderá se tornar realidade, se fé e ciência, sabedoria e humildade de espírito andarem juntas.


O Jugo De Jesus É Leve

     
Tomai sobre vós o meu jugo..., pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (v.29), disse Jesus.


No seu sentido literal, o jugo é uma barra pesada feita de madeira que é posta e presa nos ombros (nucas) dos animais (boi: 1Sm 11,7;Jó 1,3; vaca: 1Sm 6,7; ou cavalos/burros: Is 21,7). Pôr o jugo sobre um boi significa usá-lo pela primeira vez, daí profaná-lo. Enquanto os bois destinados para o uso sagrado, por ex., para puxar a arca (1Sm 6,7) ou para expiar um homicídio (Dt 21,3ss) não podiam ter sido atrelados ao jugo.


No seu sentido figurado, o jugo é símbolo da submissão tanto no sentido positivo como no negativo. O jugo pode simbolizar a submissão a Javé, neste caso ele tem sentido positivo (Jr 2,20). O jugo pode ter um sentido negativo: opressão (Gn 27,40;Lv 26,13;1Rs 12; 2Cr 10; Is 9,3;14,25;Jr 30,8;10,27;Os 11,4); o jugo pode ser a dependência de um escravo no sentido literal (1Tm 6,1) ou religioso no sentido de escravo da Lei judaica (At 15,10;Gl 5,1); o jugo é também o símbolo da imposição de uma carga pesada, uma submissão forçada à tirania, mostrando soberania de quem manda (2Cr 10). Na LXX, “jugo” freqüentemente assume o sentido de justiça. O vocábulo grego para “jugo”, zugos, também pode ser o contrapeso no prato da balança. Pode haver falsos “pesos” (zugoi), que permitam às pessoas enganarem ou roubarem no mercado ou no comércio. O livro de Provérbios fala de um peso justo (zugos) que tem o favor de Deus (Pr 11,1), e os pesos falsos desagradam a Deus (Mq 6,11;Ez 45,10).
   

Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo...Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” é o convite de Jesus. Trata-se aqui (cansados e fatigados sob o peso) da opressão moral e religiosa, provocada pelo formalismo de uma religião estéril. Os “cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos” aqui são os pobres e famintos, ignorantes e pequeninos, os míseros e os doentes. Além do peso de sua vida oprimida e trabalhosa, eles carregam também a carga de uma interpretação insuportável da Lei, uma carga insuportável de centenas de determinações detalhadas da Lei interpretadas pelos escribas e fariseus. Ninguém conseguia cumpri-las, nem os próprios escribas e fariseus (Mt 23,4). O legalismo judaico era sufocante, uma moral sem alegria. Assim, a religião fica longe de ser motivo de liberdade e alegria, pois ele é reduzida a uma carga pesada. O ser humano se torna animal, pois a quem se impõe “jugo” e “carga”, se não aos animais?
     

Pelo contrário, o jugo de Jesus é suave e a sua carga é leve. Os adjetivos “suave” e “leve” não invalidam os substantivos “jugo” e “carga”. Jugo suave e carga leve não falam do laxismo (doutrina que restringe excessivamente a obrigação moral, do latin “laxare” = tornar frouxo, relaxar), mas de prática possível. O cristianismo e a moral cristã não são uma imposição. A lei de Cristo é libertação, é lei de liberdade, lei do Espírito que  dá vida, lei de relação filial com Deus, Pai Nosso e amigo da vida. Ao lado de Cristo, todas as fadigas se tornam amáveis e tudo o que poderia ser mais custoso no cumprimento da vontade de Deus se suaviza. Quem se aproxima de Jesus, encontrará repouso para suas aflições. Jesus veio, certamente, para libertar o ser humano de todo tipo de escravidão, mostrando-se manso e humilde de coração e recusando-se a multiplicar normas religiosas. Jesus reduziu tudo ao essencial: amor e misericórdia. A religião torna-se, assim, prazerosa por respeitar a liberdade e ser humanizadora.
    

Para tudo isso se tornar possível, há uma chave principal: o amor, tanto como um dom recebido de Deus, pois ele nos amou primeiro (1Jo 4,19), como uma responsabilidade (cf. Jo 15,12), como Cristo que se dá a si mesmo a Deus e aos irmãos (cf. Jo 15,13). Quem ama não sente a lei de Cristo como uma obrigação pesada. Pela experiência sabemos que quando se ama de verdade  muitas coisas se tornam fáceis e suportáveis  e que seriam difíceis e até insuportáveis sem o amor. O amor torna tudo leve. Por amor um pai ou uma mãe é capaz de fazer até o impossível.
     

Depois de ouvir o convite de Jesus “venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar suas cargas pesadas”, vem pergunta: como você está? Como tem passado ultimamente? Sente-se cansado, desanimado, abatido por qualquer negócio malfeito, por qualquer doença em casa, por falta de entusiasmo ou de objetivos? Talvez você não tenha experimentado ainda ser simples como Jesus pede. Não se sinta arrogante que acha que já sabe de tudo, por isso não precisa de ajuda de ninguém. É melhor parar para verificar seu barco que talvez esteja furado e pode afundar a qualquer momento. Jesus está oferecendo ajuda. Não tenha medo de recomeçar!
      

“Venham a Mim!”. Precisamos nos aproximar de Jesus para que Ele possa nos inspirar com Sua palavra e ganhemos nova força dele. Ir para Jesus é descarregar o fardo aos seus pés, olhá-lo nos olhos, renunciando às nossas pequenas idéias sobre a questão e preferindo seu pensamento ao nosso. Para encontrá-lo assim, vamos pegar o Evangelho para lê-lo.


Jesus, Revelação E Fonte Da Mansidão
      

O modo de viver de Jesus  e sua maneira de tratar ao povo com compaixão e misericórdia nos indica claramente que Jesus é a revelação suprema da mansidão de Deus (Is 42,1-4/Mt 12,18-21). Por isso, Jesus é a fonte da nossa mansidão: “...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração...”(v.29).


O humilde é aquele que tem o sentido da total doação a Deus; o manso é a pessoa boa nas relações com os outros. Jesus se proclama o Mestre “manso e humilde de coração”, pois ele é totalmente aberto a Deus e bom com os outros ao ponto de compartilhar de sua existência. E Jesus declara bem-aventurado quem vive a mansidão: “Bem- aventurados os mansos, porque herdarão a terra”(Mt 5,4). E segundo o Eclesiástico,  além da fé, o que agrada a Deus é a mansidão (Eclo 1,34). Por tudo isso, a palavra “mansidão” é elevada. Ela é fruto do Espírito (Gl 5,23) e sinal da presença da sabedoria do alto (Tg 3,13.17). É a virtude a ser invocada e conquistada por quem pretende seguir fielmente a Jesus manso.
      

Todos nós sabemos como é fácil combater a ira com a ira, a cólera com a cólera, a raiva com a raiva. A mansidão, pelo contrário, rompe esse círculo vicioso, cumprindo aquilo que é justo diante de Deus. A mansidão é a força que resiste e domina a ira, transformando-a, no máximo, em uma excitação justa para acabar com aquilo que não serve. A ira à qual a mansidão se opõe aqui é aquela excitação que quer o mal do outro, ou seja, a cólera no sentido negativo e destrutivo. A mansidão é a virtude que modera a ira e conserva a caridade. Quem a possui, é amável, prestativo e paciente. Até os pecadores mais endurecidos não resistem diante de quem tem a virtude de mansidão. A um coração manso e humilde como o de Cristo, os homens se abrem. A mansidão sabe esperar o momento oportuno e matiza os juízos e impede que falemos ou comentemos precipitadamente  ou usemos palavras ferinas.
    

Por isso, a mansidão não é característica dos fracos; pelo contrário, ela exige uma grande fortaleza de espírito. A mansidão é uma atitude submissa a Deus baseada na fé em sua misericórdia e compaixão. Aquele que é dócil a Deus, é manso para com os outros, especialmente para os necessitados. A mansidão é a arma dos fortes.
     

Da falta dessa virtude provém as explosões de mau humor, irritação, frieza, impaciência, violência e ódio entre as pessoas que vão corroendo gradativamente amor.
      

Somos convidados a escutar atentamente o convite de Jesus para imitá-lo na sua mansidão: “...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, encontrareis descanso para vossas almas...”(v.29). Imitar Jesus na sua mansidão é o remédio contra as nossas irritações, impaciências e faltas de cordialidade e de compreensão. Esse espírito sereno e acolhedor somente alcançaremos a partir do momento em que procurarmos permanecer em Jesus, revelação e fonte da mansidão, como ele sempre está com o Pai.

P. Vitus Gustama,svd

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