Jo 17,1-11
Estamos ainda no discurso de despedida de Jesus dos seus discípulos no Evangelho de João (Jo 13-17). Nos grandes textos de despedida na Bíblia (cf. Dt 32-33; At 20,17-35), o herói termina seus discurso por uma prece , hino ou bênção . O evangelho de João segue esse modelo . Neste sentido Jo 17 é considerado como ponto alto do discurso da despedida de Jesus neste evangelho .
Na sua oração que concluiu seu discurso , Jesus interpreta sua morte como passo para a vida , seu aparente fracasso como verdadeiro êxito . Jesus manifesta em sua oração uma confiança inquebrantável no Pai e um amor entranhável para seus discípulos , e uma esperança que sabe se sobrepor e ninguém pode dominá-Lo. Jesus é livre e libertador . Somente quem é livre pode libertar os outros . Quem foge é porque não está livre .
A oração é sempre uma práxis de libertação , porque orar é recorrer ao Pai sem esquecer-se dos homens , nossos irmãos ; orar é abrir-se ao Outro e conseqüentemente , a qualquer outro ; orar é libertar-se do egoísmo para o amor . Quem entra em oração está em comunhão com Deus . quem ora , acredita e quem acredita, precisa orar . Depois da ascensão de Jesus ao céu , a pequena comunidade de seus discípulos se reúne em oração (cf. Lc 24,50-53). A Igreja aprende na oração o caminho da liberdade e é uma das expressões da liberdade .
Na sua oração Jesus roga , primeiramente por si mesmo , para que se realize plenamente a missão que lhe foi confiada (vv. 1-5). Por seis vezes Jesus repete a palavra “Pai ” na oração . Neste sentido , a palavra “Pai ” é um nome que qualifica Deus como origem , da qual tudo provem como dom , amor e proteção . Jesus se sente inteiramente Filho e quer continuar vivendo esses momentos transcendentais de sua vida a partir de seu ser de Filho . Por isso , diante de sua morte iminente Jesus está completamente tranqüilo , pois ele sabe de sua vitoria sobre o mundo (cf. Jo 16,33). Com esta oração Jesus nos ensina que o caminho da glorificação é a obediência aos mandamentos de Deus que se resumem na vivência do amor fraterno . Na cruz o amor de Deus por nós aparece em toda sua plenitude , seu esplendor e sua força vitoriosa . Só o amor justifica a cruz . Por isso , não é o poder que há no mundo e que normalmente se transforma em opressão e domínio de uns homens sobre outros e sim o poder-serviço (Jo 13,12-17) que surge do amor e se manifesta em obras em favor dos homens , o poder que brota do coração e cria comunidade de irmãos . O amor sempre resulta na formação de uma comunidade de irmãos . Sem amor não haverá comunidade .
Nesta oração Jesus pede: “A vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro , e àquele que tu enviaste, Jesus Cristo ”. Aqui na se trata de um conhecimento intelectual e sim experiencial, imediato , pessoal e vital ; um conhecimento que só pode ser adquirido na intimidade do amor ; um conhecimento que é vida . Neste sentido , conhecer Deus , plenitude de vida para sempre , se identifica com a vida eterna . Deus é o verdadeiro presente e futuro do homem , pois não há nada no mundo que possa encher e preencher seu coração . Conhecer Jesus significa imitar seu modo de viver , tê-lo como único modelo a seguir . Nesse seguimento , encarnado na vida diária , vamos conhecendo o único Deus : na completa entrega a Ele , demonstrada no serviço-amor aos que nos rodeiam.
“Não te peço que os tire do mundo , mas que os guarde do maligno . Eles não são do mundo , como eu não sou do mundo . Consagra-os na verdade ; a tua Palavra é verdade ” (Jo 17,15-17).
E o mundo , entendido como criação , é algo bom e bendito por Deus (cf. Gn 1,1ss). É o cenário da realização humana . O mundo é o único cenário onde cada ser humano decide sua salvação ou sua perdição . No entanto , o mundo pode ser dominado pelas forças do mal , e então , se converte em terreno onde se pratica o egoísmo e exploração da vida alheia e por isso , onde se encontram muitas pessoas sem coração . Neste tipo de mundo é que os cristãos se encontram. E neste terreno é que os cristãos devem se tornar o sal da terra e a luz do mundo . Cada cristão é enviado para relembrar todos que somos concidadãos dos santos e membros da família de Deus , como diz São Paulo aos efésios: “Vós sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus , edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas , tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus” (Ef 2,19-20).
A tarefa de cada cristão e dos cristãos em geral é instaurar um modelo alternativo da convivência humana . Os cristãos estão no mundo não para marginalizar-se dele e sim para dar testemunho de um caminho de salvação. Este testemunho se verifica em sua opção pelo Deus da vida . Para isso , os cristãos necessitam ser preservados das forças negativas do egoísmo e da exploração dos demais em função do próprio interesse . Estar preservado das forças do Maligno é impedir que a consciência do cristão seja contaminada pelo poder do egoísmo . Onde há o egoísmo , não há o amor . O onde não há o amor , também não há Deus , pois “Deus é amor ” (1Jo 4,8.16). Por isso , onde não há o amor , também não há a salvação.
Vitus Gustama, SVD
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