Leitura: Jo 17,11-19
O longo discurso de despedida de Jesus (Jo 13-17) termina com uma oração . A oração é a expressão mais viva da fé . Quem tem fé precisa orar e quem ora precisa ter fé . Através da oração Deus se revela a quem reza ou a quem medita sua Palavra . Por isso , a oração é também o momento ou lugar da revelação de Deus . Somente no diálogo é que conhecemos melhor nosso parceiro de diálogo . No seguimento de Jesus a oração sustenta a caminhada cristã. Por isso , empobrecer a oração significa empobrecer toda a teologia . Na medida em que o cristão reza, sua vida se transforma de acordo com a vontade de Deus , pois rezar significa estar em sintonia com Deus e Sua vontade . Podemos dizer que a oração nos faz familiares de Deus . Dentro de uma família um conhece bem o outro membro por causa de uma convivência permanente e um contínuo diálogo . A oração é imprescindível na vida de cada cristão quando ele vive seriamente a verdade do seu ser como cristão e como criatura . A oração é indispensável e necessária , porque é o clima em que nasce e madura a fé e a vida . A oração fortalece a esperança cristã que não podemos confundir com a simples espera de algo que se realize. Se a oração é a forma habitual de alimentar nossa comunhão com Deus e com os homens , deixar de orar significa deixar de ter o “sentido de Deus ” nos acontecimentos e deixar-nos alienados d’Ele . Se um cristão não rezar , vai errar muito o caminho .
Lemos neste dia a segunda parte da oração de Jesus em Jo 17 na sua despedida dos seus discípulos . A segunda parte da oração de Jesus se centra em três pontos principais : Viver na verdade , viver na unidade e viver no mundo sem ser do mundo .
A Palavra de Deus é verdade . Jesus transmite esta palavra a seus discípulos para que sejam consagrados na verdade : “Consagra-os na verdade : a verdade é a tua Palavra . Assim como Tu Me enviaste ao mundo , Eu também os envio ao mundo . Eu consagro-Me por eles , a fim de que também eles sejam consagrados na verdade ” (Jo 17,17-19). Para são João “verdade ” significa a realidade eterna . Quando Cristo pede ao Pai que consagre seus discípulos na verdade , ele quer dizer com isto que sejam santificados no plano da realidade absoluta . Para são João os discípulos devem alcançar o mesmo nível da santidade de Deus , já que são colocados por Cristo no mesmo plano de Deus (veja também Mt 5,48); são filhos de adoção eleitos pelo Pai e dados por ele ao Filho . Esta consagração na verdade , este acesso à santidade do Pai deve proporcionar-lhes a plenitude da alegria , a mesma alegria de Cristo : “Agora vou para junto de Ti. Entretanto , continuo a dizer estas coisas neste mundo , para que eles possuam toda a minha alegria ” (Jo 17,13).
“Consagrar ” tem o mesmo significado que “santificar ”. A idéia cristã de santidade é chamada à transcendência e também separação . Santificar significa eleger e separar . Os que recebem a Verdade ficam santificados, isto é, separados e eleitos para cumprir no mundo e diante do mundo uma missão em nome de Deus .
“Guarda-os em Teu Nome ”. Aqui “nome ” significa pessoa , seu ser , sua presença e seu agir .
“Eles não pertencem ao mundo , como Eu não pertenço ao mundo ”. A palavra “mundo ” aparece 11 vezes nos vv.11 a 19. Para o evangelista João, como para todo o NT, “mundo ”, neste contexto , não se refere a este planeta onde habitamos e sim ao conjunto das três grandes ambições humanas: a ambição inerente à condição humana (concupiscência humana ), a ambição dos olhos , e a arrogância da fortuna , como afirma o próprio São João na sua primeira Carta : “Porque tudo o que há no mundo — a concupiscência humana , a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza — não vem do Pai , mas do mundo ” (1Jo 2,16). No entanto , os discípulos de Cristo , os cristãos não devem ser puritanos , no sentido de separar-se ou fugir do mundo e sim devem ser puros , no sentido de não deixar-se contaminar pelo ambiente hostil . O cristão deve trabalhar como o fermento : discreto , mas efetivo . É saber-se posicionar como cristão . A presença de um cristão no mundo deve ser uma presença interrogante. A tarefa de cada cristão e dos cristãos em geral é instaurar um modelo alternativo da convivência humana . Para isso , os cristãos necessitam ser preservados das forças negativas do egoísmo e da exploração dos demais . Estar preservado das forças do Maligno é impedir que a consciência do cristão seja contaminada pelo poder do egoísmo . Onde há egoísmo , não há amor . O onde não há amor , também não há Deus , pois “Deus é amor ” (1Jo 4,8.16).
Reflitamos as palavras de Santo Agostinho:
“O amor ao mundo corrompe a alma ; o amor ao Criador do mundo a purifica” (Serm. 142,3,3). “Amando a Deus nos tornamos divinos ; amando ao mundo nos tornamos mundanos ” (Serm. 121,1).
“O mundo combate contra os soldados de Cristo com duas armas e táticas diferentes . Uma arma é a sedução ; sua tática , criar angústia . A outra é o medo ; sua tática , semear desânimo ” (Serm. 276,2,2).
Vitus Gustama, SVD
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