sexta-feira, 21 de novembro de 2014

 
SEREMOS JULGADOS SOBRE O AMOR FRATERNO

XXXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM
23 de Novembro de 2014
 

Evangelho: Mt 25,31-46

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 31“Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. 32Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. 34Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! 35Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; 36eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar’. 37Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? 38Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? 39Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te visitar?’40Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!’ 41Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos. 42Pois eu estava com fome e não me destes de comer; eu estava com sede e não me destes de beber; 43eu era estrangeiro e não me recebestes em casa; eu estava nu e não me vestistes; eu estava doente e na prisão e não me fostes visitar’. 44E responderão também eles: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, ou nu, doente ou preso, e não te servimos?’ 45Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo: todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!’ 46Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.

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O evangelho deste último domingo do Tempo Comum do Ano litúrgico “A” fala do julgamento final. Uma das páginas do Evangelho que sempre temos mais medo é a da parábola do “Juízo final”. Trata-se do momento supremo do homem, do momento em que deverá prestar contas ao seu Criador, porque todos Lhe pertencem e que Ele esteve presente na história de todos. Por isso, fala-se de condenação e de salvação, de bênção e maldição, de chamada e de repulsa: de eternidade.   
  

No julgamento final, Jesus nos revela um Deus que não se pode medir com os nossos cálculos matemáticos, legais ou rituais, um Deus que, apesar de ser o mais próximo de nós, também é o mais afastado porque é o “diferente”, o “diverso”, o “outro”.
  

Alguém chamou a esta parábola de a “parábola dos ‘ateus’, porque nesse dia, todos, cristãos ou não cristãos, descobrirão que não tinham conhecido verdadeiramente a Cristo, visto que todos fazem, estranhados, a mesma pergunta: “ Senhor, quando foi que te vimos?”.     
  

Esta impressionante descrição do juízo final é a conclusão das três parábolas precedentes. Nelas aparecem dois grupos de pessoas cujo comportamento tem sido bem diferente antes do retorno de Jesus. Nas parábolas fala-se repetidas vezes do juízo para exortar à vigilância(Mt 24,47-51;25,10.12.21.23.30), mas agora o dito juízo aparece em primeiro plano.
   

Na visão de Mt, a segunda vinda de Jesus no final dos tempos será, antes de tudo, um ato de discernimento em que aparecerão as conseqüências do comportamento que tem tido enquanto se aguarda a vinda do Senhor. Nesse momento aparecerá claramente a diferença entre o trigo e o joio(Mt 13,24-30), entre os peixes bons e não comestíveis/peixes maus, ruins(Mt 13,47-50), entre as virgens prudentes e insensatas(Mt 24,45-51), entre os servos fiéis ao seu senhor e os que não foram(Mt 25,14-30).
      

Mt convida a sua comunidade a recriar a solidariedade recíproca que deve reinar a nova família convocada por Jesus. A exortação das parábolas precedentes a estar vigilante e atento adquire  uma grande força à luz desta cena final. Estar vigilante e preparado consiste principalmente em viver segundo o mandamento do amor, pois no juízo final a medida que se utiliza será a atitude de amor ou indiferença feita aos irmãos mais pequenos de Jesus que se encontra numa situação de extrema necessidade: faminto, sedenta, desnudo, estrangeiro, doente, e encarcerado. A razão última está na íntima solidariedade que existe entre estes e Jesus: o que se faz com eles, faz-se com Jesus. Mt quer despertar e recordar os cristãos que o destino de cada homem se decide na atitude que tem perante os necessitados neste tempo que precede a segunda vinda do Senhor.
   

O último discurso de Jesus, segundo Mateus, termina com a apresentação do julgamento final(juízo final). Mas o que é o julgamento ? Quando isso vai acontecer ? Qual é critério para o mesmo ?
    

Nossa fantasia costuma imaginar sentenças e castigos catastróficos. Julgamento, na Bíblia, é a revelação da verdade onde todas as coisas perdem sua máscara e se mostram realmente são diante de Deus, que é espelho perfeito onde tudo pode se refletir e se conhecer. O julgamento do Rei Jesus apenas mostra a verdade. Quem julga e dá a sentença somos nós mesmos, porque diante da evidência não há como escapar.
 

Além disso, costumamos imaginar que o julgamento final vá acontecer no final da história, depois que este mundo acabar. Isto não é inteiramente errado, mas talvez parcial. Depois do testemunho dado por Jesus em sua vida terrestre, o mundo inteiro começou a entrar no julgamento final. O testemunho de Jesus Cristo colocou(a) a humanidade em estado de julgamento, pois Ele revelou quem é Deus e quem é o homem, imagem de Deus. Assim, esta cena do Evangelho de Mateus continua hoje e sempre como o espelho que reflete para Deus a verdade de todos e de cada um.


O Evangelho de Mateus é o único Evangelho que fala do conteúdo ou do critério do julgamento final. Jesus revela, através deste discurso, uma verdade nua e crua sobre quem é, realmente, cristão e quem não o é; quem vai entrar para sempre no Reino de Deus e quem será abandonado para sempre fora dele.
  

O critério usado no julgamento final é o AMOR ao próximo, de modo especial o bem feito aos pobres e marginalizados, pois o cerne da religião bíblica é a prática ou a vivência do amor. Todo o mais, por mais belo e importante que seja, como o conhecimento e a fé em Deus parecem ter valores apenas “parciais”. Mesmo o testemunho do sangue não significa nada em comparação com o amor ao próximo(cf. 1 Cor 13,1-13). Mas não se trata do bem, feito para atrair sobre si a bênção de Deus, ou com a esperança duma recompensa, servindo-se do próximo como instrumento da benevolência divina, mas trata-se do bem, feito ao homem pelo homem: o amor pelo amor. O ateu pode percorrer as ruas do mundo sem encontrar Deus, mas não pode deixar de cruzar-se com o seu próximo e com o próximo mais pobre, menos livre, mais oprimido, mais só.  O modo de amar, de abraçar, de aceitar o meu irmão mais pequeno e mais oprimido é uma participação evidente da intimidade mesma de Deus- Amor, um valor absoluto em si próprio. Tudo o que é amor já é de Deus. Um critério que servirá, então, para crentes e ateus será a lei do amor, escrito no interior de cada ser humano, aos irmãos, impulso para o bem, a chamada à fraternidade. Porque alguém pode ter fé em Deus sem amar ao próximo e alguém pode se considerar ateu mas sabe amar ao próximo. Por isso, no Sermão da Montanha Jesus diz categoricamente: “Não é quem me diz: Senhor, Senhor, que entrará no Reino dos céus, mas só quem faz a vontade do meu Pai celeste”(Mt 7,21s).  Então, Deus não castiga ninguém por ter cometido a violência ou criminalidade; Ele também não salva ninguém por não ter cometido algum crime. Mas Deus “castiga”(o homem que se castiga) por não ter feito bondade ou caridade. Se formos castigados um dia, não pelo mal que deixamos de cometer, mas pelo bem que não praticamos. Não importa se somos cristãos(católicos ou evangélicos), ou budistas, ou hinduístas, ou sei lá o quê. Não importa se nos classificamos como crentes ou ateus. E podemos dar a Deus o nome que quisermos, mas a sua vontade e o seu projeto permanecem: Ele quer o amor e é diante disso que seremos julgados. Julga-se a capacidade humana de sair do próprio egoísmo e ir ao encontro do próximo, das carências dos nossos semelhantes. O Rei Jesus sente-se pessoalmente tocado  e O faz  sorrir com cada gesto de amor: “...a Mim o fizeste”. Então, o cumprimento ou a omissão de um gesto de amor sempre diz respeito a Jesus. Quem possui e vive um amor verdadeiramente autêntico para com o próximo, possui e vive algo do próprio Deus, pois “Deus é amor”(1Jo 4,8.16).


O amor humano é, segundo a sua natureza e inevitavelmente, uma imitação e uma espécie de repetição do amor de Deus, que de modo perfeito e em sentido perfeito é criador. O amor de Deus é essencialmente um “dar”. Ele é Aquele ser que consiste exclusivamente no amor. Por isso, tudo que Deus é e faz tem seu fundamento e seu sentido exclusivamente no amor. O amor é o “último motivo”. Não se pode dar um fundamento mais profundo. Ele não pode doar nada que não seja Ele mesmo, porque Ele é tudo, é amor.


Por isso, a santidade obtida por meio das observâncias religiosas, mas sem o amor essencial, se mostrará inútil no encontro derradeiro com o Senhor. E qualquer tipo de religiosidade que não conduz ao amor ao próximo é falsa e não tem nada a ver com o cristianismo. E a salvação não depende de experiências místicas elevadas, nem de títulos honoríficos ou funções de destaque na Igreja ou na sociedade e muito menos da nobreza de origem. Pelo contrário, a ela se chegará por um caminho aparentemente simples: o caminho do amor; o encontro solidário com o irmão sofredor, no qual se conhece a presença de Jesus. Tudo começa com a saída de si mesmo e do próprio comodismo, para se deixar interpelar pelo outro. O sentir-se motivado a ir ao encontro do outro e a fazer um gesto concreto que supere a ameaça à vida humana, é fruto da ação da graça salvífica de Deus no coração humano. O gesto de partilhar, acolher, solidarizar-se é o caminho que se apresenta a cada cristão, para quem a salvação é um desafio. Mas dele é que decorre a salvação. Salva-se quem se dispõe a solidarizar-se com os semelhantes, vindo ao encontro de suas necessidades, tornando-se encarnação de Deus em suas vidas, de forma a revelar-lhes o quanto são amados por Deus-Pai. O amor fraterno é o único meio que atinge a comunhão com Deus. E o critério do amadurecimento real é a capacidade de amar. O amor ao próximo é a medida do amor que se tem por Deus. Mas o amor cristão deve ser sempre desinteressado. Como indica um pormenor nesta parábola: nenhum dos que cumpriu as obras de caridade em favor do irmão se deu conta de tê-las prestado a Jesus Cristo(vv.37-39).
   

Portanto, o julgamento final, ao revelar quem é quem, provocará inúmeras surpresas. Muitos que não contavam com a salvação, como relatou o Evangelho, serão salvos por terem vivido o mandamento do amor.
     

A partir deste texto, devemos começar a ler a Bíblia de modo novo com mais fé do que antes. E a fé, quando profunda, se expressa através de gestos concretos de caridade, de respeito, de solidariedade, de partilha etc. A religião bíblica, a partir do ensinamento de Jesus Cristo, é a prática de amor aos nossos próximos. Por isso, é pura ilusão pensar que podemos encontrar a Deus sem trombar com o nosso semelhante ou próximo, especialmente os injustiçados e marginalizados.


Portanto, vamos nos perguntar a partir desta da parábola sobre o juízo final: será que verdadeiramente somos cristãos?

P. Vitus Gustama,svd

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