SENHOR, QUE EU VEJA
COMO TU VÊS
Segunda-Feira da XXXIII
Semana Comum
17 de Novembro de 2014
Evangelho: Lc 18,35-43
35 Quando
Jesus se aproximava de Jericó, um cego estava sentado à beira do caminho,
pedindo esmolas. 36 Ouvindo a multidão passar, ele perguntou o que estava
acontecendo. 37 Disseram-lhe que Jesus Nazareno estava passando por ali. 38
Então o cego gritou: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” 39 As pessoas
que iam na frente mandavam que ele ficasse calado. Mas ele gritava mais ainda:
“Filho de Davi, tem piedade de mim!” 40 Jesus parou e mandou que levassem o
cego até ele. Quando o cego chegou perto, Jesus perguntou: 41 “Que queres que
eu faça por ti?” O cego respondeu: “Senhor, eu quero enxergar de novo”. 42
Jesus disse: “Enxerga, pois, de novo. A tua fé te salvou”. 43 No mesmo
instante, o cego começou a ver de novo e seguia Jesus, glorificando a Deus.
Vendo isso, todo o povo deu louvores a Deus.
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Continuamos escutando as ultimas e
importantes lições dadas por Jesus no seu caminho para Jerusalém (Lc
9,51-19,28).
No Evangelho deste dia o evangelista
Lucas conta como Jesus, depois de anunciar sua Paixão e ressurreição, curou um
cego dentro do contexto de uma subida para Jerusalém. A incredulidade dos
apóstolos é um tema freqüente nos anúncios da Paixão e da subida para
Jerusalém. Os apóstolos ficam como que cegos diante deste anúncio. Jesus não
para de dar lições para que os apóstolos possam entender o sentido da missão de
Jesus que, um dia, eles devem levá-la adiante.
Por isso, a intenção do evangelista
Lucas é bem clara ao colocar este episódio aqui: para compreender o mistério da
Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é preciso abrir os olhos da fé para poder
entender as Escrituras. Os meios humanos são inadequados. É preciso deixar-se
conduzir por outro para descobrir a Luz.
Como Deus é Luz, ele colocou seus
olhos nos olhos de Jesus para poder olhar para nosso mundo como ninguém neste
mundo. E como Jesus é a Luz do mundo (cf. Jo 8,12), ele devolveu a visão para o
mendigo cego: “Enxerga, pois, de novo. Tua fé te salvou!”, disse Jesus
ao cego.
Um provérbio árabe diz: “Vem a mim
com teu coração e eu te darei meus olhos”. Jesus também nos diz: “Vem a mim com
teu coração!”. Temos que nos aproximar de Jesus com nosso coração, com nossa
coragem de ver, de vê-Lo todo e de ver o mundo e os outros homens como Deus os
vê: com amor e compaixão. A fé também é um grito de socorro: “Jesus, tem
piedade de mim!”. Jamais podemos desistir de gritar a Jesus para pedir socorro,
como pediu o cego mendigo. Somente os olhos de Jesus podem nos fazer ver com
alegria a vida até nas suas dores.
Não há nada que seja mais belo ou
formoso na vida do que poder ver: ver o rosto da mãe ou do pai, ver o sorriso
de uma criança, ver os olhos da pessoa amada, ver uma passagem, ver o sol, a
natureza, a obra dos homens, ver “as obras dos dedos de Deus” (Sl 8,4) e assim
por diante. Jesus nos chamou para ver: “Venham e vejam!” (Jo 1,39), disse Jesus
aos dois discípulos de João que mais tarde se tornarão discípulos seus. É para
ver a vida a partir de uma perspectiva especial para poder caminhar na direção
certa.
O olhar é um dom precioso e
fascinante legado pelo Criador. É uma das áreas humanas que mais chama a
atenção das pessoas. O olhar é como uma bússola a guiar nossos passos, nossos
gestos, nossas atitudes. O olhar sempre está aí atento a um ou outro detalhe.
Os olhos determinam um pouco ou muito do que somos. E o olhar é sempre anterior
às nossas palavras.
É tão natural olhar, que nem nos
damos conta desse misterioso gesto. Muitas vezes olhamos; poucas vezes, porém,
nos encontramos. Alguns se limitam a olhar os outros para anotar seus possíveis
defeitos. Não deixa de ser a mais trágica expressão de nossa crueldade. O olhar
superficial jamais enxerga alguém; os outros são objetos de curiosidade, de
conversa.
O cego da nossa história está
sentado à beira do caminho e pede esmola. O estar sentado significa acomodação,
instalação, conformismo. Ele está privado da luz e da liberdade e está
conformado com a sua triste situação, sabendo que, por si só, é incapaz de sair
dela. E o pedir esmola indica a situação de escravidão e de dependência em que
o homem se encontra.
Num diálogo público com o cego,
Jesus pergunta ao cego sobre o que ele quer: “O que queres que eu faça
por ti?”. E o cego sabe muito bem daquilo que ele quer: “Senhor,
que eu veja!”. “Enxerga, pois, de novo. Tua fé te salvou” é a resposta
de Jesus. E aconteceu o milagre. A Palavra de Jesus devolve ao cego a vista
como símbolo da fé. Por isso, o evangelista Lucas nota que esse homem, depois
que ficou curado, “seguia a Jesus”. É um corte radical com o passado, com a
vida velha, com a anterior situação, com tudo aquilo em que se apostou
anteriormente, a fim de começar uma vida nova ao lado de Jesus.
Diante de Jesus e com Jesus não há
situação por difícil que seja que não haja solução. É preciso, no entanto, que
não nos fechemos no nosso egoísmo e na nossa auto-suficiência, surdos e cegos
aos apelos de Deus; é preciso que as nossas preocupações com os valores
efêmeros não nos distraiam do essencial; é preciso que aprendamos a reconhecer
os desafios de Deus nesses acontecimentos banais com que, tantas vezes, Deus
nos interpela e questiona.
Uma das razões que nos impedem de
sermos autenticamente nós mesmos e encontrar nosso caminho é não compreender
até que ponto estamos cegos. Mas a tragédia está no fato de que não estamos
conscientes de nossa cegueira. Vivemos num mundo de coisas que captam ou chamam
nossa atenção e se impõem. O que é invisível, ao contrário, que não se impõe,
nós devemos buscá-lo e descobri-lo. O mundo exterior pretende nossa atenção.
Enquanto que Deus se dirige a nós com discrição.
Ser incapaz de perceber o invisível,
ou ver somente o mundo da experiência significa ficar-se fora do mundo da
experiência, significa ficar-se fora do pleno conhecimento, significa ficar-se
fora da experiência da realidade total que é o mundo de Deus e Deus no coração
do mundo.
Além de ser incapaz de perceber o
invisível, o egoísmo reduz o homem a seus próprios desejos e interesses, lhe
fecha os olhos e o coração, o paralisa à margem do caminho por onde percorre a
vida. O homem que vegeta em seu egoísmo tem um coração demasiado estreito para
acolher o próximo e demasiado estreito para receber Deus.
O encontro com o próximo é
indispensável para o encontro com Deus, pois isto é o primeiro que cremos: que
Deus se fez homem (Jo 1,14). Não é possível escutar a Palavra de Deus, se não
estamos dispostos a escutar os homens. Por isso, a dificuldade da fé não é
outra coisa que nosso próprio egoísmo, nossa auto-suficiência, porque a fé é
abertura, encontro, aceitação.
O cego que voltou a ver é o símbolo
de todos os homens que desejam ver, caminhar e viver. Sobretudo é um símbolo
para todos em tempos de crise, de obscuridade, de desorientação. É um símbolo
para o homem que, apesar de tudo, busca e continua buscando sua direção ou seu
guia para sua vida. Junto ao homem que busca, Jesus passa como a Vida, a Luz e
o Caminho para o homem. Com Jesus o homem se encontra consigo mesmo e com Deus
que direciona a vida para sua plenitude. A fé em Jesus é uma luz que ilumina a
vida. A luz da fé ilumina e dá sentido à nossa vida porque põe claridade na
origem, de onde viemos e no término, no fim de nosso destino.
O cego não pede outra coisa a não
ser a capacidade de enxergar de novo: “Senhor, que eu possa enxergar de novo”.
A luz divina que opera nele não lhe permite ver outra coisa na vida a não ser o
caminho que Jesus traçou que ele precisa trilhar para chegar à vida eterna.
E os nossos olhos servem para
enxergar o caminho de Jesus ou para ver os defeitos dos outros? Quem enxerga
apenas os defeitos dos outros é porque a luz divina ainda não operou na sua
vida. Precisamos rezar com o cego mendigo: “Senhor que eu possa enxergar de
novo!”.
P. Vitus Gustama,svd
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