USAR
OS BENS SEM SER POSSUIDOS POR ELES
Sábado Da XXXI Semana
Comum
Evangelho: Lc 16,9-15
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos: 9“Usai
o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão
nas moradas eternas. 10Quem
é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas
pequenas também é injusto nas grandes. 11Por
isso, se vós não sois fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o
verdadeiro bem? 12E se
não sois fiéis no que é dos outros, quem vos dará aquilo que é vosso? 13Ninguém pode servir a dois
senhores: porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará
o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 14Os fariseus, que eram amigos do
dinheiro, ouviam tudo isso e riam de Jesus. 15Então Jesus lhes disse: “Vós gostais de parecer justos
diante dos homens, mas Deus conhece vossos corações. Com efeito, o que é importante
para os homens, é detestável para Deus”.
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“Possuamos as coisas terrenas sem deixar-nos possuir por
elas. Que não nos deslumbre sua multiplicação nem nos afunde sua carência.
Façamos que com elas nos sirvam sem fazer-nos seus servidores” (Santo
Agostinho: Epist. 15,2).
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Continuamos a escutar as ultimas
lições do Senhor no seu caminho para Jerusalém (Lc 9,51-19,28). E estamos na segunda
parte de Lc 16 onde podemos encontrar o convite de Jesus a usarmos o dinheiro
ou os bens materiais corretamente. É o tema central de todo capítulo 16 deste
Evangelho.
O dinheiro é uma faca de dois
gumes, conforme se usa para o bem ou para o mal, isto é, para Deus e para os
outros, ou apenas para si próprio, excluindo os outros. Para viver como filhos
da luz (cf. Lc 16,1-8), como filhos de Deus, temos de ser irmãos dos outros,
algo impossível para o que idolatra o dinheiro. Uma vez um economista escreveu:
“Capitalismo é um sistema que funciona, porque se baseia no egoísmo humano”. E
sabemos que o egoísmo é o contrário do plano de Deus, pois a alma do projeto de
Jesus Cristo é a partilha. Com efeito, o Reino de Deus se alicerça no amor que
produz a justiça e transborda em fraternidade e partilha para que todos tenham
liberdade e vida (cf. Jo 10,10). O reino do dinheiro, ao usá-lo erradamente,
repousa no egoísmo que produz a injustiça e transborda em não-fraternidade e
não-partilha, que dá origem ao poder que oprime e que dá origem à riqueza que
explora. O dinheiro dá muito “poder” para quem o tem. E normalmente o dinheiro
é usado para oprimir os mais fracos e pode ser usado para qualquer tipo de
crime.
A advertência de Jesus sobre o
perigo do dinheiro não é exclusivamente para os ricos. É para todos, pois todos
têm o impulso natural que leva cada um a desejar alguma coisa ou dinheiro. O
dinheiro é um deus que tem altar em quase todos os corações, tanto num adulto
realista como num jovem idealista, tanto no rico como no pobre, tanto no leigo
como no religioso/sacerdote. Até as crianças são educadas para ganhar dinheiro
ao escolher bem uma profissão futura. Além disso, muitas vezes as brigas numa
comunidade, seja familiar, seja civil, seja eclesial, surgem ou partem desse
deus que se chama dinheiro. Por isso, Martinho Lutero observou astutamente:
“Três conversões são necessárias: a conversão do coração, a da mente e a da
bolsa”.
A segunda parte deste texto começa
dizendo: “E eu vos digo: Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando
acabar, eles vos receberão nas moradas eternas” (v.9). Usar “o dinheiro da
iniqüidade” para fazer amigos é metáfora de “dar esmolas”, isto é, dar aos
necessitados. “vocês serão recebidos nas moradas eternas” é a promessa de Deus.
A palavra “dexontai” (grego) é empregada aqui na forma passiva e
refere-se ao ato de Deus (veja também Lc 6,32-36; 14,7-14). Por isso, podemos
ler da seguinte maneira: “Usai o dinheiro injusto para fazer amigos (=esmola)
para serdes recebidos por Deus nas moradas eternas” (cf. Mt 25,34-40). “Os famintos, os maltrapilhos, os
mendigos, os peregrinos, os prisioneiros, os doentes... são teus “batedores” no
Reino dos céus”, dizia Santo Agostinho (Serm. 11,6).
Esta segunda parte termina com esta frase:
“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v.13b; cf. também Mt 6,24). Aqui
não há meio-termo: ou servir ao Senhor Deus ou servir ao senhor dinheiro. Um é
incompatível com o outro, porque cada um tem as suas próprias regras. E não se
diga que o Evangelho é ingênuo, porque ele não está criticando uma cédula de
dinheiro, mas o capital, o acúmulo de dinheiro. “Servir a Deus” é uma
dependência que nos faz livres para servir aos mais necessitados, enquanto que
“servir ao dinheiro” é uma escravidão que esmaga à pessoa e perverte nossas
relações com Deus e com os demais, como descreve a parábola do rico e Lázaro (Lc
16,19-31). O dinheiro pode se transformar num ídolo e por seu caráter
totalizante impede o serviço autêntico a Deus e ao próximo.
Reflitamos:
1.
Se você deprecia o dinheiro dos outros, pergunte-se
se não o adoraria caso ele fosse seu. Não admiro o seu desprendimento pelo
dinheiro que lhe falta por você não saber ganhá-lo com seu esforço; mas sim o
admira se você é generoso com o dinheiro que ganha com seu trabalho. E se você
tem dinheiro acumulado, pergunte-se como o ganhou e como o usa. Se você
continua acumulando mais dinheiro do que precisa para viver, sabe para que você
o faz? Os bens um dia nos escapam. Por isso, podemos ter os bens materiais, mas
eles não podem nos possuir.
2.
“O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e
avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do
coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da
consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa
de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz
de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo
de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os
crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem
vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que
Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo
ressuscitado”. (Papa Francisco: Evangelii Gaudium n.2). “Posso dizer que as alegrias mais
belas e espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas
muito pobres que têm pouco a que se agarrar. Recordo também a alegria genuína
daqueles que, mesmo no meio de grandes compromissos profissionais, souberam
conservar um coração crente, generoso e simples. De várias maneiras, estas
alegrias bebem na fonte do amor maior, que é o de Deus, a nós manifestado em
Jesus Cristo. Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam
ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou
uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à
vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’” (Idem n.7).
P. Vitus Gustama,svd
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