ESTAR
CONSCIENTE DE SER VERDADEIRO TEMPLO DE DEUS
Festa da Dedicação da Basílica do Latrão
Domingo,
09 de Novembro de 2014
Evangelho: Jo 2,13-22
13Estava
próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. 14No Templo, encontrou os vendedores
de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. 15Fez então um chicote de cordas e
expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e
derrubou as mesas dos cambistas. 16E
disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai
uma casa de comércio!” 17Seus
discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa
me consumirá”. 18Então
os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” 19Ele respondeu: “Destruí este
Templo, e em três dias o levantarei”. 20Os
judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste
santuário e tu o levantarás em três dias?” 21Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. 22Quando Jesus ressuscitou, os
discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na
palavra dele.
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I. Uma Pequena História Da Festa
Latrão era um palácio, propriedade
romana da família dos Laterani. Nos inícios do século IV pertencia a Fausta,
esposa do imperador Constantino, que fez a doação desse patrimônio à Igreja.
Constantino mandou construir no lugar do palácio (por volta de 324) uma
suntuosa basílica em honra a Cristo Redentor que se tornou a catedral de Roma e
a primeira basílica patriarcal. No início do século X, sob a gestão do papa
Sérgio III (904-911), ela foi consagrada adicionalmente a São João Batista e a
São João Evangelista, e desde então é conhecida pelo nome de basílica “São João
de Latrão”. Segundo a inscrição, o Papa Clemente XII (1730-1740), conhecido
como um papa promotor das artes e das ciências, mandou afixar que essa basílica
é a “mãe e cabeça de todas as igrejas da Urbe e do Orbe” (“Mater et Magistra
omnium Ecclesiarum”, e “cardo totius urbis et orbis”).
Nessa basílica foram realizados os
cinco concílios ecumênicos: Concílio de Latrão I, o nono concílio (1123);
Concílio de Latrão II, o décimo concílio (1139); Concílio de Latrão III, o
décimo primeiro concílio (1179); Concílio de Latrão IV, o décimo segundo
concílio (1215); e o Concílio de Latrão V, o décimo oitavo concílio
(1512-1517).
A basílica lateranense ocupa lugar
único e preponderante entre as basílicas romanas. Nessa basílica os papam
haviam residido durante quase mil anos (do tempo de Constantino até o exílio de
Avinhão). Depois da morte do papa Bento XI (1303-1304), o conclave se realizou
em Perúgia. O Colégio Cardinalício dividira-se em duas facções: a francesa e a
italiana. O conclave teve 11 meses de duração. Finalmente foi eleito o
candidato dos franceses, Clemente V (1305-1314). Com essa eleição iniciava-se o
exílio dos papas em Avinhão, a partir de 1309, que duraria 70 anos. A partir de
1309 o papa passou a residir em Avinhão. Somente a partir do Papa Gregório XI
(1370-1378: francês) começou o retorno para Roma. Gregório XI deixou Avinhão,
acompanhado de 13 cardeais, em 13 de setembro de 1376, ingressando solenemente
em Roma
· A partir de
Clemente V começou a dominação francesa. Foram eleitos os papas franceses
sucessivamente: João XXII (1316-1334), sucessor de Clemente V; Bento XII
(1334-1342); Clemente VI (1342-1352); Inocêncio VI (1352-1362); Urbano V
(1362-1370). Este papa decidiu o regresso a Roma, porque também Santa Brígida
da Suécia, inclusive Santa Catarina de Siena, solicitara que o fizesse. Mas por
causa da pressão dos cardeais franceses esse regresso não teve sucesso, embora
esse papa chegasse a entrar em Roma, mas voltou novamente para Avinhão;
Gregório XI ((1370-1378). Com Gregório XI morreu o último papa francês a ocupar
a cátedra de Pedro.
A festa da consagração da Basílica
do Latrão que celebramos hoje deve nos levar a revivermos e a pensarmos na
unidade de toda a Igreja como Cristo sempre quer: “Que eles sejam um”, assim
ele rezou antes de sua morte (cf. Jo 17). A palavra “igreja” em si significa
“assembléia”, “comunidade”. Se a comunidade não existe, os corações se fecham e
morrem. Mas a unidade não significa a uniformidade, pois negaria o dom de cada
um e empobreceria a convivência. Por isso, Santo Agostinho dizia: “No essencial unidade, na dúvida liberdade, mas em tudo a
caridade”. Certamente a autenticidade da comunhão e da comunidade se
manifesta no esforço constante de amar seus irmãos e irmãs, com enorme
fidelidade, sem julgar nem condenar.
II. Reflexão Sobre o Evangelho: Jo 2,13-22
O evangelho diz que Jesus vai ao
Templo por ocasião da festa da Páscoa (Jo 2,13). Jesus foi educado a respeitar
o Templo (Lc 2,22.41-42.46), subiu a Jerusalém para celebrar a Páscoa (Jo
2,13), pagou seu tributo ao Templo (Mt 17,23-26)etc.. E por ocasião da Páscoa
Jesus vai ao Templo. A Páscoa judaica é uma festa que celebra a libertação do
povo de Deus do Egito: o fim da escravidão e a origem de Israel como povo de
Deus, povo da Aliança. Por isso, é uma festa principal para os judeus. A Páscoa
também era uma festa familiar, celebrada na casa de família, na qual a parte
principal cabe ao pai (Ex 12,1-11).
Mas Jesus vê os comerciantes fazem
seus negócios no Templo. Ao ver os negociantes de bois, ovelhas e pombas e os
cambistas no Templo Jesus faz um chicote para expulsá-los e diz: “Tirai tudo
isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (v.16).
O que tem por trás do gesto de
Jesus?
Em primeiro lugar, a Páscoa que era uma
festa familiar e festa de libertação se transforma em uma festa da maior
exploração. Os peregrinos que vêm de longe não podem trazer consigo os animais
para serem sacrificados no Templo. Eles compram, por isso, os animais no
próprio Templo. E os donos dos animais são os latifundiários pertencentes à
elite religiosa. A Páscoa para eles é o momento de lucro, pois eles aumentam o
preço dos animais exageradamente. E os peregrinos não têm outra opção a não ser
comprar esses animais apesar do preço alto. A Páscoa não é mais um momento de
celebrar e de reviver a libertação, mas se torna uma festa de exploração. As
elites religiosas exploram o povo por meio do culto. O “deus” do Templo, para
estas elites religiosas, é o dinheiro. A religião se transforma num instrumento
que acoberta a injustiça e exploração. Por isso já não é mais “a casa de meu
Pai”, e sim um mercado. Eles se esquecem que a relação com Deus como Pai não se
estabelece por meio de dinheiro.
Em segundo lugar, quem pode comprar os
animais maiores (como boi, ovelhas) são os ricos. Surge aqui outra mentalidade.
O sacrifício se torna como que uma moeda pela qual compra-se de Deus a
salvação. A salvação não mais depende de dois lados simultaneamente (de Deus
que oferece e do homem que corresponde), mas somente do homem que a compra. Isto
quer dizer que quem não for capaz de “comprar” a salvação, ficará fora dela. E
os pobres e miseráveis?
A salvação não se compra nem com
dinheiro, nem com promessas, nem com devoções, pois Deus não é um comerciante,
mas é um Pai-Mãe. Pai ou mãe faz tudo pelos filhos não pelo merecimento, mas
porque quer o bem deles. O que se pede de cada crente é a convivência fraterna
como conseqüência da vivência da filiação divina.
No quarto Evangelho, o que nos chama
atenção é o fato de Jesus se dirigir somente aos vendedores de pombas. Para
eles é que Jesus diz: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma
casa de comércio” (v.16). Porque a pomba era o animal sacrificado nos
holocaustos (Lv 1,14-17) e nos sacrifícios (Lv 12,8;15,14.29) oferecidos
especialmente pelos pobres, por meio dos sacerdotes, para reconciliar-se com
Deus e para purificar-se (Lv 5,7;14,22.30-31; cf. Lc 2,44: os pais de Jesus
eram pobres). Os vendedores de pombas são os que, por dinheiro, oferecem aos
pobres a reconciliação com Deus, e representam os sacerdotes do Templo que
fazem comércio com a graça de Deus. Em outras palavras, a hierarquia sacerdotal
explora especificamente os pobres, oferecendo-lhes por dinheiro para ganhar
favores ou benefícios de Deus. Eles apresentam Deus como um comerciante, pois
convertem a casa de Deus num mercado.
O gesto de Jesus de expulsar os
comerciantes do Templo suscita duas reações. Os discípulos reagem pensando que
Jesus seja um grande reformador da instituição. Somente após a ressurreição
eles entenderão que Jesus não é um reformador do Templo, mas aquele que o
substitui (v.22).
E os que sentem o seu lucro
ameaçado, os dirigente, pedem de Jesus uma explicação da origem de sua
autoridade: “Que sinal nos mostras para agires assim?” (v.18). O homem gosta de
exibir poder. Deus não é assim. Se Jesus faz milagres, especialmente para os
simples e pobres, é para mostrar que Deus está sempre ao lado deles, e não para
exibir poder. O poder de Deus consiste em amar o ser humano sem medida (Jo
3,16).
Diante da estrutura civil e
religiosa dos judeus centrada no Estado do Templo, Jesus anuncia o fim dos
templos: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (v.19; cf. Jo
4,20-21) para começar o novo culto “ao Pai em espírito e verdade” (Jo 4,23-24).
Jesus mostra que a verdadeira habitação de Deus entre os seres humanos é Ele
mesmo. Ele deve ser adorado “em espírito e verdade” (Jo 4,23). A pessoa de
Jesus substitui o Templo, pois nele o Pai está presente (Cl 1,19).
E as pedras vivas deste edifício
espiritual são os que pertencem ao novo povo de Deus que também são templos de
Deus (cf. 1Cor 3,16-17). Deus habita no próprio ser humano, e não em edifícios
(2Cor 6,16). Cada cristão é ele próprio templo de Deus enquanto membro do Corpo
de Cristo (1Cor 3,16). Assim quem desrespeita o ser humano está desrespeitando
o próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser templo de Deus (1Cor
3,17). O homem vale aquilo que vale para Deus. Quem avalia o homem são o coração
e os olhos de Deus, Autor da humanidade. A vida de Deus é que sustenta a vida
do homem. Nenhum outro vivente possui o hálito divino nele soprado no início da
criação (cf. Gn 2,7; cf. Jo 20,22). Por este hálito divino a vida do homem é
divina e por isso, não pode ser sacrificada, maltratada, vendida ou comprada.
Conseqüentemente, os direitos humanos, a partir deste ângulo, se transformam em
direitos divinos. Escravizar o homem e maltratá-lo significa atingir a Deus em
seu ponto mais sensível.
Jesus não é indiferente frente ao
culto do templo. É necessário construir templos ou igrejas ou capelas para
neles podemos celebrar o Senhor e a vida que vivemos. Mas a nossa oferenda
cultual terá sua validade, se tudo isto for uma expressão do serviço fraternal,
se não há separação entre o culto e a vida, se não maltratar o ser humano cujo
autor é o próprio Deus. O culto não vale pela observância de preceitos nem pela
oferta de objetos. O culto verdadeiro consiste na mais profunda união do homem
ao divino, na mais pura e incondicional entrega à vontade de Deus e no respeito
pelo ser humano. O culto do cristão é um culto de Espírito (Jo 4,23). O templo
não santifica o nosso culto, e sim o nosso culto santifica o lugar e a
comunidade. O homem deve limpar sempre a morada de Deus que é ele mesmo de todo
tipo de “sujeira” através de uma conversão contínua todos os dias de sua vida.
P. Vitus Gustama,svd
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