CAMINHO DA VIDA E O
CAMINHO DA MORTE SE CRUZAM
Terça-Feira da XXIV
Semana Comum
16 de Setembro de 2014
Evangelho: Lc
7,11-17
Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-se
a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão.
12 Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e
sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava. 13 Ao vê-la, o
Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” 14
Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus
disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” 15 O que estava morto sentou-se e
começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. 16 Todos ficaram com muito medo
e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus
veio visitar o seu povo”. 17 E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia
inteira e por toda a redondeza.
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O relato da “ressurreição” do filho
da viúva de Naim se encontra apenas no evangelho de Lucas. E Lucas se inspirou
nas narrativas de milagres dos profetas Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24; 2Rs
4,17-22.32-37). Ao introduzir este relato Lucas quer justificar aquilo que
Jesus dirá mais adiante, no v.22, como resposta para a pergunta de João
Batista: “Os cegos vêem..., os surdos ouvem..., os mostos ressuscitam”
(Lc 7,22).
Lucas nos relatou que a viúva de
Naim perdeu seu filho único. Ao relatar desta maneira, Lucas quer enfatizar a
intensidade dramática da situação da viúva (viúva e sem filho), de um lado, e quer
mostrar o poder de Deus que torna possível o que é impossível para o ser humano
(cf. Lc 1,37; 18,27), do outro lado. Perder filho único, como aconteceu com a viúva
de Naim, significava perder todas as condições para continuar vivendo. O filho
era o que lhe restava, pois a vida da viúva dependia diretamente da vida do
filho, que era o herdeiro legítimo de tudo que o pai morto deixou. Uma grande número
de pessoas acompanha a pobre mulher para expressar sua piedade e compaixão. Na época,
a condição das mulheres era especialmente dura quando não tinha nem marido nem
filho para protegê-las juridicamente.
Tragédia, problemas e dificuldades
não têm hora para chegar à nossa vida. E quando chegam não pedem licença, mas
adentram nosso espaço e interrompem nossos sonhos, nossa tranqüilidade, nossas
alegrias e nossos ideais. E o mais interessante é que vivemos informados
diariamente sobre tantas tragédias que ocorrem pelo mundo e achamos que sejamos
invulneráveis ou isentos de tudo isto. Mas quando somos atingidos pela
tragédia, pelos problemas e dificuldades ou pelas provações, nos vem à mente
esta pergunta: “Onde está você, Deus? O Senhor não está vendo o que está
acontecendo na minha vida?”. E quantas vezes nos sentimos solitários, como quem
querendo uma explicação diante de nossos problemas, mesmo que seja apenas uma
pequena luz, mesmo sendo do tamanho e de uma força de um fósforo.
Diante da interrogação sobre a
existência de Deus por causa de nossos problemas, precisamos estar conscientes
de que Deus é bondoso de mais para ter ímpetos de crueldade; é sábio demais
para errar; é verdadeiro demais para enganar; é amoroso demais para se vingar e
é profundo demais para se explicar. Diante dos problemas, dificuldades,
angústias e provações, saibamos que não há Deus maior como o nosso Deus
revelado por Jesus Cristo, que é amor (1Jo 4,8.16), soberano, e Criador de
todas as coisas e que com toda certeza tem o melhor para nós, mesmo que sua
resposta seja um sonoro NÃO para nossa vida ou nosso modo de viver (cf. 2Cor
11,23-31;12,7-10), ou mesmo que tenhamos que esperar um pouco mais a sua
resposta, pois Deus pode tardar, mas jamais falha. Por causa deste Deus que
jamais falha é que nos tornamos fiéis, perseverantes e pacientes em tudo. “Senhor,
eu espero em ti o dia todo por causa da tua bondade”, recorda-nos o
salmista (Sl 25[24],5b). Confiamos no Senhor por causa da firmeza de Sua
Palavra, da peculiaridade de Sua Verdade, da permanência de sua eternidade e de
seu amor eterno por nós.
Jesus, Deus-Conosco, cheio de compaixão,
devolveu a alegria de viver da viúva ao restituir a vida de seu único filho: “Ao vê-la, o Senhor sentiu
compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!”. Quantas vezes se vê nos
evangelhos que Jesus se compadece dos que sofrem e os alivia com suas palavras,
seus gestos e seus milagres. Hoje Ele atende a essa pobre mulher que ficou viúva
e desamparada porque acabou de perder seu filho único.
No relato do evangelho deste dia
Jesus se aproxima da realidade da morte do filho da viúva de Naim pessoalmente.
Ninguém estava pedindo a Jesus que interviesse. A iniciativa dele é gratuita em
todos os sentidos. Ele é itinerante conosco. Ele vai ao encontro do povo onde
este está, embora este nem sempre perceba Sua presença. Ele tem um olhar
penetrante, capaz de perceber a realidade para poder oferecer uma solução
adequada. Ele olha com benevolência e ternura. Ele deixa que a realidade
dolorida entre dentro dele, que o contagie: “O Senhor sentiu a compaixão
para com a viúva e lhe disse: ‘Não chores! ’”.
“Não chores!”, diz Jesus à viúva.
Palavras consolam, mas desde que estejam dentro do processo da
compaixão-misericórdia. Palavras descompromissadas não causam efeito benévolo
algum. Exigem ser respaldadas pelo testemunho e pela prática da solidariedade.
Não devemos dizer uma palavra a mais além daquilo que fazemos. Por isso,
baseado na sua compaixão, o Senhor chama o jovem morto de volta para a vida
para a alegria da viúva enlutada: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”.
Por esta ordem o jovem voltou a viver: “Sentou-se e começou a falar”. A
palavra é autoridade para levantar “defuntos” quando é carregada por alguém que
vive realmente uma espiritualidade da compaixão-misericórdia. Ressuscitar
mortos é reunir pessoas que se amam. O filho vivo para a viúva significava não
apenas um pedaço de sua vida, mas também um amparo legal, o sustento e o
consolo de sua viuvez.
A reação da multidão diante do
milagre é justa: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o
seu povo”.
Pela primeira vez os presentes tiram conclusões “Um grande profeta apareceu entre
nós”. E
também: “Deus veio visitar o seu povo”. O gesto de Jesus de “levantar” o
jovem é interpretado no sentido de que finalmente Deus decidiu libertar Israel.
Eles reconhecem que Jesus é “um grande profeta”: seu gesto é profético.
O Ressuscitado continua hoje
aliviando os que sofrem e “ressuscitando” os mortos. Ele faz tudo isso através
de sua comunidade, a Igreja< de um modo especial por meio de Sua Palavra e
de seus sacramentos que são meios pelos quais Ele continua nos acompanhando
desde nosso nascimento até nossa partida deste mundo. O sacramento da Reconciliação
não é a aplicação das palavras de Jesus: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”.
A Unção dos Enfermos, não é Cristo que se aproxima de quem sofre, por meio de
sua comunidade e lhe dá o alívio e a força de Seu Espírito? A Eucaristia, o
Corpo e o Sangue do Senhor que comungamos, não é a garantia de ressurreição como
Ele nos prometeu: “Quem come minha Carne e bebe meu Sangue tem a vida eterna; e
Eu o ressuscitarei no último dia?” (Jo 6,54).
Deus nos destinou para a vida e
Cristo nos quer comunicar continuamente esta vida, pois Ele é a ressurreição e
a vida: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim ainda que esteja
morto viverá” (Jo 11,25).
Há dois caminhos que o evangelho nos
apresenta, mas que se cruzam. De um lado é o caminho da cidade que se dirige
para o cemitério, para enterrar o jovem, filho único de uma viúva. De outro
lado, é uma comunidade nova construída por Jesus onde se encontram os
discípulos. É o caminho da vida. Ao
cruzar-se com o caminho de Jesus, o caminho da cidade muda de direção e de
destino porque prontamente, ele ouve e obedece à Palavra de Jesus.
Conseqüentemente, em vez de ir para o cemitério que é o caminho dos mortos, a
cidade volta para o caminho da vida, pois Jesus é “o Caminho, a Verdade e a
Vida” (J 14,6).
Que caminho seguimos: o da cidade
que se dirige ao cemitério para enterrar os nossos jovens ou o da vida
apresentada por Jesus?
Precisamos nos deixar visitar pelo
Senhor, autor da vida, para que o nosso peregrinar seja um caminho de esperança
e não um cortejo de morte. Deus, em quem acreditamos, não é uma ameaça ou um
concorrente, mas uma potência de amor que nos constrói e nos chama à vida.
Encontrar-se com Jesus é encontrar-se com a verdadeira vida cheia de alegria e
esperança.
Além disso, a cena do evangelho de
hoje nos interpela no sentido de que devemos atuar com os demais como fez Jesus
Cristo. Quando nos encontramos com pessoas que sofrem porque estão solitárias,
enfermas ou mortas e não têm sorte na vida, qual é nossa reação?
P.Vitus Gustama,svd
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