quinta-feira, 11 de setembro de 2014

 
CAMINHO DA VIDA E O CAMINHO DA MORTE SE CRUZAM

Terça-Feira da XXIV Semana Comum
16 de Setembro de 2014
 

Evangelho: Lc 7,11-17

Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. 12 Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava. 13 Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” 14 Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” 15 O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. 16 Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”. 17 E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira e por toda a redondeza.
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O relato da “ressurreição” do filho da viúva de Naim se encontra apenas no evangelho de Lucas. E Lucas se inspirou nas narrativas de milagres dos profetas Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,17-22.32-37). Ao introduzir este relato Lucas quer justificar aquilo que Jesus dirá mais adiante, no v.22, como resposta para a pergunta de João Batista: “Os cegos vêem..., os surdos ouvem..., os mostos ressuscitam (Lc 7,22).
           

Lucas nos relatou que a viúva de Naim perdeu seu filho único. Ao relatar desta maneira, Lucas quer enfatizar a intensidade dramática da situação da viúva (viúva e sem filho), de um lado, e quer mostrar o poder de Deus que torna possível o que é impossível para o ser humano (cf. Lc 1,37; 18,27), do outro lado. Perder filho único, como aconteceu com a viúva de Naim, significava perder todas as condições para continuar vivendo. O filho era o que lhe restava, pois a vida da viúva dependia diretamente da vida do filho, que era o herdeiro legítimo de tudo que o pai morto deixou. Uma grande número de pessoas acompanha a pobre mulher para expressar sua piedade e compaixão. Na época, a condição das mulheres era especialmente dura quando não tinha nem marido nem filho para protegê-las juridicamente.


Tragédia, problemas e dificuldades não têm hora para chegar à nossa vida. E quando chegam não pedem licença, mas adentram nosso espaço e interrompem nossos sonhos, nossa tranqüilidade, nossas alegrias e nossos ideais. E o mais interessante é que vivemos informados diariamente sobre tantas tragédias que ocorrem pelo mundo e achamos que sejamos invulneráveis ou isentos de tudo isto. Mas quando somos atingidos pela tragédia, pelos problemas e dificuldades ou pelas provações, nos vem à mente esta pergunta: “Onde está você, Deus? O Senhor não está vendo o que está acontecendo na minha vida?”. E quantas vezes nos sentimos solitários, como quem querendo uma explicação diante de nossos problemas, mesmo que seja apenas uma pequena luz, mesmo sendo do tamanho e de uma força de um fósforo.
    

Diante da interrogação sobre a existência de Deus por causa de nossos problemas, precisamos estar conscientes de que Deus é bondoso de mais para ter ímpetos de crueldade; é sábio demais para errar; é verdadeiro demais para enganar; é amoroso demais para se vingar e é profundo demais para se explicar. Diante dos problemas, dificuldades, angústias e provações, saibamos que não há Deus maior como o nosso Deus revelado por Jesus Cristo, que é amor (1Jo 4,8.16), soberano, e Criador de todas as coisas e que com toda certeza tem o melhor para nós, mesmo que sua resposta seja um sonoro NÃO para nossa vida ou nosso modo de viver (cf. 2Cor 11,23-31;12,7-10), ou mesmo que tenhamos que esperar um pouco mais a sua resposta, pois Deus pode tardar, mas jamais falha. Por causa deste Deus que jamais falha é que nos tornamos fiéis, perseverantes e pacientes em tudo. “Senhor, eu espero em ti o dia todo por causa da tua bondade”, recorda-nos o salmista (Sl 25[24],5b). Confiamos no Senhor por causa da firmeza de Sua Palavra, da peculiaridade de Sua Verdade, da permanência de sua eternidade e de seu amor eterno por nós.


Jesus, Deus-Conosco, cheio de compaixão, devolveu a alegria de viver da viúva ao restituir a vida de seu único filho: “Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!”. Quantas vezes se vê nos evangelhos que Jesus se compadece dos que sofrem e os alivia com suas palavras, seus gestos e seus milagres. Hoje Ele atende a essa pobre mulher que ficou viúva e desamparada porque acabou de perder seu filho único.


No relato do evangelho deste dia Jesus se aproxima da realidade da morte do filho da viúva de Naim pessoalmente. Ninguém estava pedindo a Jesus que interviesse. A iniciativa dele é gratuita em todos os sentidos. Ele é itinerante conosco. Ele vai ao encontro do povo onde este está, embora este nem sempre perceba Sua presença. Ele tem um olhar penetrante, capaz de perceber a realidade para poder oferecer uma solução adequada. Ele olha com benevolência e ternura. Ele deixa que a realidade dolorida entre dentro dele, que o contagie: “O Senhor sentiu a compaixão para com a viúva e lhe disse: ‘Não chores! ’”.


“Não chores!”, diz Jesus à viúva. Palavras consolam, mas desde que estejam dentro do processo da compaixão-misericórdia. Palavras descompromissadas não causam efeito benévolo algum. Exigem ser respaldadas pelo testemunho e pela prática da solidariedade. Não devemos dizer uma palavra a mais além daquilo que fazemos. Por isso, baseado na sua compaixão, o Senhor chama o jovem morto de volta para a vida para a alegria da viúva enlutada: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”. Por esta ordem o jovem voltou a viver: “Sentou-se e começou a falar”. A palavra é autoridade para levantar “defuntos” quando é carregada por alguém que vive realmente uma espiritualidade da compaixão-misericórdia. Ressuscitar mortos é reunir pessoas que se amam. O filho vivo para a viúva significava não apenas um pedaço de sua vida, mas também um amparo legal, o sustento e o consolo de sua viuvez.


A reação da multidão diante do milagre é justa: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”. Pela primeira vez os presentes tiram conclusões Um grande profeta apareceu entre nós”. E também: “Deus veio visitar o seu povo”. O gesto de Jesus de “levantar” o jovem é interpretado no sentido de que finalmente Deus decidiu libertar Israel. Eles reconhecem que Jesus é “um grande profeta”: seu gesto é profético.


O Ressuscitado continua hoje aliviando os que sofrem e “ressuscitando” os mortos. Ele faz tudo isso através de sua comunidade, a Igreja< de um modo especial por meio de Sua Palavra e de seus sacramentos que são meios pelos quais Ele continua nos acompanhando desde nosso nascimento até nossa partida deste mundo. O sacramento da Reconciliação não é a aplicação das palavras de Jesus:Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”. A Unção dos Enfermos, não é Cristo que se aproxima de quem sofre, por meio de sua comunidade e lhe dá o alívio e a força de Seu Espírito? A Eucaristia, o Corpo e o Sangue do Senhor que comungamos, não é a garantia de ressurreição como Ele nos prometeu: “Quem come minha Carne e bebe meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia?” (Jo 6,54).


Deus nos destinou para a vida e Cristo nos quer comunicar continuamente esta vida, pois Ele é a ressurreição e a vida: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim ainda que esteja morto viverá” (Jo 11,25).


Há dois caminhos que o evangelho nos apresenta, mas que se cruzam. De um lado é o caminho da cidade que se dirige para o cemitério, para enterrar o jovem, filho único de uma viúva. De outro lado, é uma comunidade nova construída por Jesus onde se encontram os discípulos. É o caminho da vida.  Ao cruzar-se com o caminho de Jesus, o caminho da cidade muda de direção e de destino porque prontamente, ele ouve e obedece à Palavra de Jesus. Conseqüentemente, em vez de ir para o cemitério que é o caminho dos mortos, a cidade volta para o caminho da vida, pois Jesus é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (J 14,6).


Que caminho seguimos: o da cidade que se dirige ao cemitério para enterrar os nossos jovens ou o da vida apresentada por Jesus?


Precisamos nos deixar visitar pelo Senhor, autor da vida, para que o nosso peregrinar seja um caminho de esperança e não um cortejo de morte. Deus, em quem acreditamos, não é uma ameaça ou um concorrente, mas uma potência de amor que nos constrói e nos chama à vida. Encontrar-se com Jesus é encontrar-se com a verdadeira vida cheia de alegria e esperança.


Além disso, a cena do evangelho de hoje nos interpela no sentido de que devemos atuar com os demais como fez Jesus Cristo. Quando nos encontramos com pessoas que sofrem porque estão solitárias, enfermas ou mortas e não têm sorte na vida, qual é nossa reação?
 
P.Vitus Gustama,svd

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