MISERICÓRDIA:
AMOR SEM FRONTEIRAS
Quinta-Feira
da XXIII Semana Comum
11 de Setembro de 2014
Evangelho: Lc
6,27-38
Naquele tempo, falou
Jesus aos seus discípulos: 27“A vós que me escutais, eu digo: Amai os vossos
inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, 28 bendizei os que vos amaldiçoam, e
rezai por aqueles que vos caluniam. 29 Se alguém te der uma bofetada numa face,
oferece também a outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a
túnica. 30 Dá a quem te pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o
devolva. 31 O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a
eles. 32 Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os
pecadores amam aqueles que os amam. 33 E se fazeis o bem somente aos que vos
fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. 34 E se
emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até
os pecadores emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia. 35
Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar
coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos
do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus. 36 Sede
misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso. 37 Não julgueis e
não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai, e sereis
perdoados. 38 Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida,
transbordante será posta no vosso colo; porque com a mesma medida com que
medirdes os outros, vós também sereis medidos”.
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Estamos acompanhando o Sermão da
Planície (Lc 6,20-49). Na passagem do evangelho de hoje o evangelista Lucas
resumiu vários conselhos dados por Jesus, e que Mateus agrupou no Sermão da
Montanha (Mt 5-7). Esses conselhos são umas atitudes evangélicas essenciais
para qualquer cristão ou qualquer pessoa de boa vontade.
“Sede misericordiosos, como
também o vosso Pai é misericordioso. Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos
que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos
caluniam”.
O evangelho não inventou novos
valores. O próprio perdão, expressão máxima do amor, faz parte de toda vida
numa sociedade que queira ser duradoura. Mas o exemplo de Cristo é um estímulo
poderoso que pode nos dar fortaleza de chegar ao extremo no amor que perdoa. Sem
amor os mais formosos valores podem degenerar em orgulho, em auto-suficiência,
em farisaísmo, em exibicionismo, em intolerância, em fanatismo, em legalismo e
assim por diante (cf. 1Cor 13,1-13). O amor nos impede de cairmos em moralismo
e rigorismo sem flexibilidade.
“Amai os vossos inimigos e fazei
o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles
que vos caluniam”, disse Jesus.
“Inimigo” é uma palavra muito forte.
Geralmente se refere àqueles que estão em estado de guerra. Pode também ser
usada para descrever grupos ou indivíduos que oprimem outros, que algemam sua
liberdade e impedem seu crescimento. Inimigo também é alguém que se coloca no
caminho da nossa liberdade e dignidade. É alguém a quem evitamos e com quem nos
recusamos comunicar. São os que nos odeiam, nos amaldiçoam, nos
injuriam, os que nos roubam a alegria de viver, os que nos comentam com maldade
e assim por diante. Todas essas pessoas não são idéias nem fantasmas irreais, e
sim são pessoas de carne e osso. Nem sempre temos coragem de dizer que
temos inimigos, pois esta palavra é muito forte.
Porém, consciente ou conscientemente
a atitude de alguém de não querer se comunicar com seu rival/inimigo vai virar
a antipatia e a antipatia pode se transformar em mágoa; a mágoa se torna raiva
e a raiva vai virar ódio. O ódio é como uma gangrena: devora a pessoa. O ódio é
igual alguém a tomar o veneno e espera que o outro morra. Todas as nossas
recusas em nos comunicarmos com os outros e nos abrirmos a eles encerram-nos na
prisão. Em vez de nos ajudar a crescermos no amor, no perdão e na abertura,
esse processo pode nos fechar em formas sutis de depressão e inércia. Nesse
caso somos prisioneiros de nós mesmos ou do nosso grupo.
“Amai... Fazei o bem...
Desejai-lhes o bem... Rogai por eles... Daí... etc.”. Tudo isso não são
idéias nem sentimentos e sim atos reais e atitudes concretas. Nisso percebemos
que não é fácil viver o evangelho. É preciso fazer e ter a experiência pessoal
com Cristo para podermos viver tudo isso.
O ensinamento essencial de Jesus é
que nosso amor há de ser universal libertando-nos das comunidades naturais: a
família, a nação, a etnia nas quais se exerce ou se vive o amor quase
espontaneamente. É preciso nós irmos além das fronteiras, pois o amor sempre
vai além das fronteiras: “Se amais somente aqueles que vos amam, que
recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem
somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem
assim”, disse Jesus. A solidariedade, o amor, a compaixão, não é um bem em
si, há que praticá-los também para os pecadores, os malvados, os egoístas, pois
o amor é o valor que convence até os ateus, os desesperados e desesperançosos.
O amor sem fronteiras é muito mais exigente do que todas as leis psicológicas e
sociais. O amor deve alcançar as dimensões de toda a humanidade: inimigos,
adversários, maldosos, maliciosos e assim por diante. É um amor desinteressado
e gratuito: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar
coisa alguma em troca”. É amar como Deus ama, imitando o amor infinito de
Deus, pois “Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus”, e ser
um sinal de amor do Pai que ama todos os homens que “faz nascer seu sol
igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45).
Portanto, o texto do evangelho de
hoje é uma chamada a construirmos uma nova relação com Deus a partir de um novo
comportamento com os demais. O primeiro mandamento que Jesus deu aos seus
seguidores é superar o ódio, a vingança e o rancor: “Amai os vossos inimigos
e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por
aqueles que vos caluniam”. Nenhum cálculo humano deve orientar a pratica do
amor autêntico e eficaz. Os seguidores de Jesus, ao amar os inimigos, imitam a
bondade de Deus de Quem recebe o perdão de seus pecados e este amor é a
resposta agradecida ao Deus da misericórdia. O amor dos seguidores de Jesus
deve ser uma ação e uma tarefa, o amor deve ser eficaz e alcançar, inclusivo,
aqueles que não o merecem: os inimigos. As palavras de Jesus supõem uma nova
atitude, supõe a conversão e a aceitação plena do conteúdo dos ensinamentos de
Jesus, supõem construir um novo modelo de sociedade porque não pode haver uma
comunidade autêntica sem a justiça e o perdão necessário para restabelecer a
comunidade. No entanto, o perdão nunca pode servir de pretexto para ocultar a
ausência de justiça. Nosso amor não pode encobrir injustiças e desigualdades. Amar,
verdadeiramente, é andar na verdade.
É bom nos relembrarmos novamente que
o estilo de atuação que Jesus pede a todos os cristãos é:
·
Amem seus inimigos.
·
Façam o bem aos que os odiaram.
·
Abençoem aqueles que os
amaldiçoaram.
·
Rezem pelos que os
injuriaram.
O que nos custa é cumpri-los,
adequar nosso estilo de vida a estes ensinamentos de Jesus. Somos chamados a
ter bom coração com todos: não julgar, não condenar, não injuriar, não agredir,
mas rezar, perdoar e ser compassivo. A misericórdia é um especial poder
do amor, que prevalece sobre o ódio, a infidelidade, a deslealdade, a
ingratidão. Como diz João Paulo II: “Esse amor misericordioso é capaz de curvar-se
ante o filho pródigo, ante a miséria humana e, sobretudo, ante a miséria moral,
ante o pecado. A misericórdia se manifesta em seu aspecto verdadeiro e próprio
quando valoriza, promove e explicita o bem em todas as formas de mal existente
no mundo e no homem” (Dives in misericórdia, no.6).
P. Vitus Gustama,svd
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