JEJUM QUE MUDA NOSSA
MENTALIDADE
Sexta-Feira da XXII Semana
Comum
05 de Setembro de 2014
Evangelho: Lc 5,33-39
Naquele tempo, 33 os fariseus e os
mestres da Lei disseram a Jesus: “Os discípulos de João, e também os discípulos
dos fariseus, jejuam com frequência e fazem orações. Mas os teus discípulos
comem e bebem”. 34 Jesus, porém, lhes disse: “Os convidados de um casamento
podem fazer jejum enquanto o noivo está com eles? 35 Dias virão em que o noivo
será tirado do meio deles. Então, naqueles dias, eles jejuarão”. 36 Jesus
contou-lhes ainda uma parábola: “Ninguém tira retalho de roupa nova para fazer
remendo em roupa velha; senão vai rasgar a roupa nova, e o retalho novo não
combinará com a roupa velha. 37 Ninguém põe vinho novo em odres velhos; porque,
senão, o vinho novo arrebenta os odres velhos e se derrama; e os odres se
perdem. 38 Vinho novo deve ser posto em odres novos. 39 E ninguém, depois de
beber vinho velho, deseja vinho novo; porque diz: o velho é melhor”.
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Pela terceira vez em Lc 5 Jesus
entra em controvérsias com os fariseus (cf. Lc 5,12-16; 5,27-32; 5,33-39). O
tema da controvérsia desta vez é o do jejum.
O jejum é algo antigo escrito na Lei
de Moisés (Lv 23,26-32; Nm 29,7-11). O jejum era praticado dentro do contexto
de expectativa ou de preparação. Os fariseus e os discípulos de João Batista
necessitavam fazer jejuns, pois estavam no tempo de espera. Os discípulos de
Jesus não precisam fazer o jejum, nesta perspectiva, pois o Messias esperado
está com eles: Jesus Cristo. Nesse sentido perdeu a razão de fazer o jejum.
Em qualquer controvérsia, Jesus
sempre se apresenta como um independente diante das regras e das observâncias
legais conforme as tradições. A independência de Jesus choca os que estão
apegados ao pé da letra todas as leis. Jesus entra no espírito da lei, naquilo
que possa edificar o ser humano, pois a pessoa humana é o foco de todo trabalho
de Jesus (cf. Jo 3,16; 10,10). Por isso, em outra ocasião ele diz: “O sábado
existe para o homem e não o contrário”.
O jejum sempre tem sentido de
“privação” ou de “renúncia”. Jejuar consiste essencialmente em nos privar de
alimento pelo sentido da palavra, mas em geral é referido a qualquer tipo de
privação. Ao se controlar diante de um alimento ou da bebida, o homem é
disciplinado para se controlar diante de outras provações ou desafios da vida. através
do jejum o homem faz uma passagem significativa do autocontrole físico para o
autocontrole psicológico, mental e espiritual. Pode-se também fazer uma
passagem contrária: a força espiritual faz com que o homem seja capaz de se
controlar diante do alimento ou bebida ou as demais coisas. O verdadeiro jejum
sempre beneficia ao homem para seu bem (físico e espiritual simultaneamente: Mens
sana in corpore sano- Mente sã em corpo são).
A prática do jejum está ligada, no
AT, à espera da vinda do Messias. A prática do jejum aceleraria a chegada do
Messias. Os fariseus e os discípulos de João Batista praticam o jejum. Por
isso, questionam o comportamento dos discípulos de Jesus que não o praticam. A
resposta de Jesus aqui é bem clara: se seus discípulos não praticam o jejum é
porque não tem nada que esperar porque o Messias já chegou e está com eles.
Eles estão vivendo esta intimidade. Esta intimidade será rompida no momento da
paixão e da morte de seu Mestre.
Estamos em outro contexto. Por isso,
o jejum ganha seu novo significado. Quando soubermos dar ou preparar o espaço
para Deus na nossa vida, este espaço não será ocupado por outra coisa. Ao
darmos esse espaço para Deus o resto ganha seu justo valor e sua justa
perspectiva. Por isso, ao praticarmos o jejum estamos manifestando nossa
vontade de não deixar nenhuma coisa material dominar nossa vida ou mandar na
nossa vida. Podemos possuir as coisas, mas as coisas jamais podem nos possuir
para não perdermos nossa liberdade. Mesmo não querendo, um dia largaremos tudo.
É preciso que aprendamos a ser livres todos os dias, desde já. Sou livre quando
a graça pesa mais do que as regras e não o contrario. Sou livre quando o amor e
a humanidade pesam mais do que a religião. Sou livre quando eu estou no coração
de Deus de Amor (1Jo 4,8.16) para eu ser capaz de amar com total liberdade e
amar para libertar o outro da escravidão de uma vida sem sentido apesar de
tratar-se de uma crença.
Tanto cristã como humanamente o
jejum faz bem a todos. Fazer jejum significa saber renunciar a algo e dá-lo aos
demais; é saber controlar nossas apetências; é saber nos defender com liberdade
interior das contínuas urgências do mundo de consumismo. Jejuar é purificador.
Jejuar não seria privar-se de tudo e sim usar moderação em tudo, isto é, ser
sóbrios. Jejum supõe um grande domínio de si, de disciplina de olhos, de mente
e da imaginação. A falta de sobriedade é uma das causas pelas quais se
obscurecem e se debilitam as melhores iniciativas e decisões de um cristão. A
sobriedade é certamente uma garantia da capacidade de orar e de apreciar o
Espírito Santo. Com a renúncia às coisas Cristo nos chama à alegria, a uma
alegria profunda, nascida da paz da alma. Fazer jejum é renunciar a algo para
dá-lo aos necessitados. O jejum com uma dimensão de solidariedade nos tira do
egoísmo, nos tira de uma vida vazia. Paradoxalmente a vida vazia é pesada para
quem a tem. Sou livre quando a graça pesa mais do que as regras e não o
contrario.
Por isso, o jejum cristão não
consiste apenas em abster-se de alimentos. Consiste, sobretudo, em desejar o
encontro com Jesus salvador e o encontro com irmão, especialmente com irmão
carente do básico para viver e sobreviver como um ser humano. Jejuamos para nos
tornarmos sensíveis à fome e à sede de tantos irmãos e para assumirmos a nossa
responsabilidade na resolução dos problemas dos pobres, dos necessitados e dos carentes
do essencial e básico.
O profeta Isaias descreve qual é o
verdadeiro jejum que agrada a Deus (Is 58,6-9).
Deus não quer o jejum formalista que não tem em conta a vida do outro, e
muito menos a justiça. Nada valem as ações que excluem o amor do próximo. O
verdadeiro jejum, no pensamento do profeta, remete ao comportamento capaz de
renunciar à ganância, à avareza para começar a ser generoso; capaz de renunciar
ao tempo pessoal para ir ao encontro do necessitado (doente, prisioneiro, idoso
etc.) para estar com ele a fim de aliviar uma parte de sua dor. O jejum
verdadeiro consiste em quebrar todas as cadeias injustas, em repartir o pão com
o faminto. Segundo o profeta Isaias, o culto deve estar unido à solidariedade
com os necessitados. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As
manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na
misericórdia para com os necessitados, com os pobres, com os carentes do
essencial como um ser humano para viver. O verdadeiro jejum é um verdadeiro
compromisso com os irmãos necessitados e empobrecidos ou injustamente são
presos.
Por isso, pode-se dizer que o que
importa no jejum não é somente a privação de alimento e sim a seriedade da fé
nas tarefas da vida para que sejam a expressão mais viva do serviço de Deus e
dos homens ao mesmo tempo. O jejum não se concebe sem caridade e sem uma
mudança de vida para uma vida mais fraterna. O jejum que Deus quer é o
cumprimento dos deveres morais e humanos com o próximo.
Além disso, no evangelho de hoje
Jesus faz uma declaração que tem o mesmo conteúdo: “Ninguém põe o vinho novo em
odres velhos”. Aceitar Jesus em nossa
vida comporta mudanças importantes. Não se trata somente de “saber” de quantas
verdades a respeito de Jesus, mas trata-se de mudar nosso estilo de vida
segundo o estilo de vida de Jesus. Significa viver com alegria interior.
Significa também novidade radical. Jesus rompe moldes. É aquilo que São Paulo
chama de “revestir-se de Cristo Jesus”. Quais são nossos “odres velhos” que não
servem mais para “guardar” os tesouros de Deus? Quais são nossos “odres velhos”
que precisamos abandonar?
Uma mentalidade
velha, caduca nunca nos aproximará do novo e do avançado. A mentalidade velha é
sinônimo de mediocridade, de
estancamento e de pobreza. “A maior descoberta de uma geração é que os seres
humanos podem mudar sua vida modificando suas atitudes mentais” (Albert
Schweitzer). Precisamos abandonar uma mente de escravo porque ela é nostálgica,
isto é, acredita que o passado foi melhor. Um homem com mentalidade de escravo é
briguento, gozador, fanfarrão e vive criticando a tudo e a todos. Uma pessoa
com uma mente de escravo se conforma com a mediocridade e não se permite
aprender. A mente de escravo utiliza mecanismos de defesa que não nos permitem
visualizar onde está a falha para saber em que devemos melhorar. Quem for capaz
de fazer uma observação inteligente dos fatos, ele alcançará os melhores
resultados. Quem tem mente de escravo usa a gentileza e a cortesia com os que estão
acima (superiores), mas agride, maltrata e abusa emocionalmente dos que estão abaixo
(inferiores).
Todos
temos forças para mudar. Basta praticar a vontade de mudar. Dizia Victor Hugo: “A
ninguém faltam forças; o que falta a muitos é vontade”. A vida é uma questão de
decisão, e você se faz a cada decisão que toma. Decidir supõe sempre escolher,
preferir e abandonar. “Quando um homem não sabe para onde navega, nenhum vento
lhe é favorável” (Sêneca).
“Ninguém põe vinho novo em
odres velhos; porque, senão, o vinho novo arrebenta os odres velhos e se
derrama; e os odres se perdem “, disse-nos o Senhor hoje.
P.Vitus Gustama,svd
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