MISERICÓRDIA DIVINA SOBRE
A MISÉRIA HUMANA
Quinta-Feira
da XXIV Semana Comum
18 de Setembro de 2014
Evangelho: Lc
7,36-50
Naquele tempo: 36 Um
fariseu convidou Jesus para uma refeição em sua casa. Jesus entrou na casa do
fariseu e pôs-se à mesa. 37 Certa mulher, conhecida na cidade como pecadora,
soube que Jesus estava à mesa, na casa do fariseu. Ela trouxe um frasco de
alabastro com perfume, 38 e, ficando por detrás, chorava aos pés de Jesus; com as
lágrimas começou a banhar-lhe os pés, enxugava-os com os cabelos, cobria-os de
beijos e os ungia com o perfume. 39 Vendo isso, o fariseu que o havia convidado
ficou pensando: "Se este homem fosse um profeta, saberia que tipo de
mulher está tocando nele, pois é uma pecadora". 40 Jesus disse então ao
fariseu: "Simão, tenho uma coisa para te dizer". Simão respondeu:
"Fala, mestre!" 41 "Certo credor tinha dois devedores; um lhe
devia quinhentas moedas de prata, o outro cinqüenta. 42 Como não tivessem com
que pagar, o homem perdoou os dois. Qual deles o amará mais?" 43 Simão
respondeu: "Acho que é aquele ao qual perdoou mais". Jesus lhe disse:
"Tu julgaste corretamente". 44 Então Jesus virou-se para a mulher e
disse a Simão: "Estás vendo esta mulher? Quando entrei em tua casa, tu não
me ofereceste água para lavar os pés; ela, porém, banhou meus pés com lágrimas
e enxugou-os com os cabelos. 45 Tu não me deste o beijo de saudação; ela,
porém, desde que entrei, não parou de beijar meus pés. 46 Tu não derramaste óleo
na minha cabeça; ela, porém, ungiu meus pés com perfume. 47 Por esta razão, eu
te declaro: os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados porque ela
mostrou muito amor. Aquele a quem se perdoa pouco mostra pouco amor". 48 E
Jesus disse à mulher: "Teus pecados
estão perdoados". 49 Então, os convidados começaram a pensar: "Quem é este que até perdoa
pecados?" 50 Mas Jesus disse à mulher: "Tua fé te salvou. Vai em
paz!"
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O evangelho fala da misericórdia.
Misericórdia é um dos temas preferidos do evangelista Lucas. No AT lemos:
“Sejam santos porque Deus é santo” (cf. Lv 20,7). O evangelista Mateus diz:
“Sejam perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). E o evangelista
Lucas diz: “Sejam misericordiosos como o Pai de vocês é misericordioso” (Lc
6,36). Para o evangelista Lucas para ser santo, para ser perfeito só há um
caminho: ser misericordioso. Misericórdia é dar o coração ao miserável. É amar
até aquele que não merece ser amado. Mas por ser útero da humanidade, Deus é
sempre misericordioso para todos os que não se cansam de pedir o perdão a Deus.
Para eles também Deus não se cansa de perdoar. Por causa de sua misericórdia
Deus tem estar contra a si próprio, pois ele poderia usar de justiça contra os
pecadores. ”A misericórdia de Deus será sempre maior que a tua
ingratidão”, dizia São Padre Pio de Pietrelcina.
O Deus que Lucas nos apresenta
através do evangelho de hoje é um Deus de bondade e de misericórdia, que
detesta o pecado, mas ama o pecador. Ele não pactua com o pecado, mas está ao
lado do pecador e manifesta uma misericórdia infinita para com o pecador
arrependido. O amor de Deus pelo homem é um amor essencialmente misericordioso,
pois é dado a alguém que se tornou indigno, pela soberba, pela desobediência,
pela ingratidão, pelos pecados, pela maldade, pela rebelião e assim por diante.
E Deus ama o homem a ponto de fazer-se homem em Jesus Cristo: ele veio para o
nosso meio, viveu como nós e ofereceu sua vida por nós. Ele nasceu nosso
nascimento, viveu nossa vida, experimentou nosso medo, morreu nossa morte e
ressuscitou nossa ressurreição.
A misericórdia não é simplesmente
amor: é um amor que não conhece limites, barreiras, obstáculos, fronteiras: é
um amor que sabe amar também quem se tornou
indigno do amor. Enquanto o amor diz somente doação, a misericórdia diz
super doação. A misericórdia é um especial poder do amor, que prevalece sobre o
ódio, a infidelidade, a deslealdade, a ingratidão. Como diz João Paulo II:
“Esse amor misericordioso é capaz de curvar-se ante o filho pródigo, ante a
miséria humana e, sobretudo, ante a miséria moral, ante o pecado. A
misericórdia se manifesta em seu aspecto verdadeiro e próprio quando valoriza,
promove e explicita o bem em todas as formas de mal existente no mundo e no
homem” (Dives in misericordia, no.6).
Nesse gesto extremo do seu amor
evidenciam-se duas verdades: a grande consideração de Deus pelo homem, Deus
sempre está do lado do homem e contra o mal; e mostra o amor infinito que ele
derrama sobre o homem. Este amor misericordioso de Deus sempre persegue o homem
na sua aventura espiritual, nas suas fugas de Deus, nas suas rebeldias, na sua
perversa ingratidão e na sua profunda miséria.
O evangelista Lucas relata a cena
do evangelho de hoje com elegância e detalhes muito significativos. Há
contraste entre o fariseu, Simão que convida Jesus para uma refeição, e aquela
mulher pecadora que ninguém sabe como chegou a entrar na festa e fez gestos de
afeto para Jesus. Mais ainda! Perdoar uma mulher pecadora (prostituta)
precisamente na casa de um fariseu que convidou Jesus é um pouco provocativo. Não
é raro que se escandalizaram os presentes: ou porque Jesus não conhecia que
tipo de mulher era aquela ou que Jesus não reagia diante de seus gestos de
afetos.
Mas Jesus quer transmitir uma
mensagem básica e fundamental em sua pregação e missão: a importância do amor e
do perdão. Para amar de verdade o cristão precisa aprender a perdoar. O argumento
de Jesus vai para duas direções. A mulher é perdoada porque ama muito: “... os
muitos pecados que ela cometeu estão perdoados porque ela mostrou muito amor. Aquele
a quem se perdoa pouco mostra pouco amor”.
A cena nos faz repensar nossa
conduta com os que consideramos “pecadores”. Como os tratamos? Podemos atuar
com coração mesquinho, como os fariseus que julgam e condenam todos, ou como o
filho mais velho da parábola do filho pródigo (cf. Lc 15,11-32) que recrimina
de modo transigente o seu irmão que voltou para a casa arrependido, ou como Simão,
o fariseu e os outros convidados, que não devem ser pessoas más (porque
convidaram Jesus para uma refeição), mas que não sabem ser benévolos e amar. Ou
podemos nos comportar como o pai do filho pródigo, e sobretudo como o próprio
Jesus que perdoa a mulher pecadora que se arrependeu, e Zaqueu, o publicano, e
tem palavras de ânimo para essa mulher que entrou em sala de banquete e unge os
pés de Jesus. Deus é rico em misericórdia. Jesus é a encarnação da misericórdia
divina. e nós todos somos chamados de cristãos, isto é, aqueles que querem
viver como Cristo. “Quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13; Os 6,6).
Portanto, “Sede misericordiosos como, como também vosso Pai é misericordioso”
(Lc 6,36).
Vamos fazer um pouco de exame de
consciência através da comparação de dois personagens no evangelho de hoje.
1. A mulher não tem nome por ser
prostituta. Mas reconhece Jesus como Salvador. Simão, o fariseu tem nome até o
sobrenome. No entanto não reconhece Jesus como Salvador.
2. A mulher demonstra toda a
humildade e é elevada por Jesus por sua humildade. Simão, o fariseu, só busca a
arrogância. Um arrogante possui todos os vícios: egoísta, injusto, ingrato,
imoral e fanfarrão. A arrogância é o pai de todos os vícios. Por buscar somente
a arrogância, não há na vida de Simão o lugar para o amor e Deus se torna
distante.
3. A mulher reconhece a situação
como prostituta e se esforça para mudar. Simão, o fariseu, nega sua situação de
pecador e não aceita mudar. Cada santo se reconhece como pecador, mas cada
pecador se acha santo.
4. A mulher não julga e pede a
compaixão e a misericórdia ao Senhor. Simão, o fariseu, julga e dispensa a
misericórdia. “O julgamento será sem misericórdia para aquele que não pratica a
misericórdia. A misericórdia, porém, desdenha o julgamento” (Tg 2,13).
5. A mulher se liberta do pecado e
alcança a graça de Deus. Simão aumenta seu pecado e fica distante da graça de
deus.
A mulher pecadora é um exemplo de
conversão. Sua conversão implica claramente o propósito. Sua conversão é
experimentalmente conversão a Alguém, e não somente uma nova forma de pensar ou
uma resposta para as próprias obrigações. A conversão é, para essa mulher,
comunhão com Jesus. Por isso, a conversão é o caminho para a felicidade e para
uma vida plena. Não é algo penoso e sim sumamente gozoso, pois é o caminho da
libertação.
Para Jesus as verdadeiras pessoas
de Deus são aquelas pessoas capazes de se converter em fonte de vida para os
demais. Jesus mostra ao fariseu, Simão, que o mais importante não é a rígida
disciplina religiosa e sim o amor e a gratidão. Por isso, ele anuncia o perdão
de Deus para a mulher.
Deus não nos envia para destruir os
demais, por muito malvados que pareçam ser; nossa luta não é uma luta
fratricida e sim uma luta contra o pecado e o mal. E o pecado não se expulsa
acabando com os pecadores e sim amando-lhes de tal forma que possam recuperar
sua dignidade de filhos de Deus.
Saber amar, saber perdoar como Deus
nos amou e perdoou é a luz que fortalecerá para aqueles que se afastaram do
caminho do bem para que voltem a encontrar-se com o Senhor e vivam
comprometidos com Ele.
Somos chamados a adotar a
misericórdia como um modo de viver: que cada um seja misericordioso nos
comentários, nos julgamentos, nas conversas e no agir cotidiano. Se corrigir,
corrija com amor e por amor. Se chamar atenção, faça-o com e por amor. Fora do
amor não há salvação, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).
P.Vitus Gustama, SVD
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