SER
SALVO PARA SERVIR O PRÓXIMO
Quarta-Feira
da XXII Semana Comum
03 de Setembro de 2014
Evangelho:
Lc 4,38-44
Naquele tempo, 38 Jesus saiu da
sinagoga e entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava sofrendo com febre
alta, e pediram a Jesus em favor dela. 39 Inclinando-se sobre ela, Jesus
ameaçou a febre, e a febre a deixou. Imediatamente, ela se levantou e começou a
servi-los. 40 Ao pôr do sol, todos os que tinham doentes atingidos por diversos
males, os levaram a Jesus. Jesus punha as mãos em cada um deles e os curava. 41
De muitas pessoas também saíam demônios, gritando: “Tu és o Filho de Deus”.
Jesus os ameaçava, e não os deixava falar, porque sabiam que ele era o Messias.
42 Ao raiar do dia, Jesus saiu e foi para um lugar deserto. As multidões o
procuravam e, indo até ele, tentavam impedi-lo de as deixar. 43 Mas Jesus
disse: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades,
porque para isso é que eu fui enviado”. 44 E pregava nas sinagogas da Judéia.
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O que Jesus anunciou na sinagoga de
Nazaré, no seu discurso programático (Lc 4,14-30), ele vai o cumprindo.
Aplicando para si a profecia de Isaias, Jesus diz que vem anunciar a salvação
aos pobres e curar os cegos e dar a liberdade aos oprimidos.
Hoje lemos o programa de uma
jornada de Jesus “ao sair da sinagoga”: curar a febre da sogra de Pedro, impor
as mãos e curar os enfermos que as pessoas trouxeram para Jesus, libertar os
possuídos pelo demônio e não se cansar de ir ao encontro do povo para anunciar
o Reino de Deus. Mas, no meio de suas atividades missionárias, Jesus nunca
deixa de buscar momentos de paz para rezar pessoalmente num lugar solitário.
Depois de sair da Sinagoga, em
Nazaré, Jesus e alguns discípulos foram para a casa de Simão Pedro. Jesus saiu
de um lugar oficial (sinagoga é lugar de oração, de ensino e de catequese para
os judeus) para um ambiente familiar: casa. Em casa todos tem seu espaço e cada
um é chamado pelo nome e não pelo título (se é um doutor, deputado, presidente
e assim por diante). cada um é gente em casa. Em casa um se preocupa com o
outro. Basta um membro sofrer, todos sofrerão. Basta um membro ter sucesso,
todos experimentarão a felicidade. Ninguém fica feliz sozinho como também
ninguém sofre sozinho, pois não somente vivemos, mas convivemos. Nossa vida é
cercada por outras vidas. Oxalá possamos viver a espiritualidade familiar
também fora de nossa família, como Jesus nos diz hoje: “Eu devo anunciar a
Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu
fui enviado” (Lc 4,43). O cristão existe para os outros. Nisto consiste o
sentido de sua vida de cristão.
Pedro encontra sua sogra com febre em
sua casa. No pensamento daquela época, a febre era causada pelo demônio. Com um
gesto familiar, Jesus se aproximou da mulher, tocou-a e a ajudou a se levantar
e a febre desapareceu. A sogra de Pedro começou a servir a todos imediatamente.
A febre representa tudo que nos
impede de servirmos aos outros. Cada um pode descobrir que tipo de “febre” que
o impede de servir aos outros, “febre” que faz a vida perder seu sentido (ficar
deitado todo tempo). O que é que me faz viver uma “vida deitada”, isto é, sem
ação, sem ânimo, sem perspectivas. Eu preciso convidar Jesus para entrar na
minha casa onde estou “deitado” para que ele se aproxime de mim, me toque e me
ajude a me levantar. A palavra “levantar-se” no Novo Testamento, em outros
contextos, também significa ressuscitar. Eu preciso me levantar de uma vida
estéril (deitar) para uma vida fecunda (servir). Para isso, eu preciso segurar
a mão de Jesus, mão que me potencia, mão que me levanta, mão que me cura e
liberta, mão que me torna uma mão que ajuda os outros.
Um outro detalhe que chama nossa
atenção no evangelho deste dia é que Jesus não deixava os demônios falarem, e
os expulsou (Lc 4,41). Nesta marca comum nos antigos exorcismos se descobre que
é preciso lutar contra o mal sem deter-se em discutir suas pretensões.
Todos nós sabemos que o mal pode
vestir-se de uma aparência boa, enganando os que procuram escutar suas
“orações” ou “pedidos”. Jesus não ficou parado nisto. Jesus sabe que tudo que
destrói o homem é perverso e Jesus se esforça para vencê-lo, devolvendo assim a
dignidade para as pessoas sofridas.
Outro
detalhe que chama bastante nossa atenção é que diante da obra de Jesus surge
uma reação bastante egoísta entre as pessoas: querem monopolizar o aspecto mais
extenso da atividade de Jesus e utilizá-lo como um simples curandeiro: “As multidões o procuravam
e, indo até ele, tentavam impedi-lo de as deixar”.
Podemos
ter a tentação ou a tendência para este tipo de relacionamento com Jesus no
sentido de que nós aceitamos Jesus simplesmente na medida em que ele nos ajuda
a resolver nossos problemas para garantir tranqüilidade psicológica ou uma
ordem na família, ou uma garantia na vida financeira. Santo Agostinho nos
relembra que a razão de nossa existência neste mundo é a vida eterna. Temos que
viver e conviver dentro desta dimensão. Conseqüentemente eu sou uma ocasião de
salvação para o próximo e o próximo é uma ocasião de salvação para mim. Jesus
nos salva na medida em que cada um se torna uma ocasião de salvação para o
outro (cf. Mt 25,40.45; veja também Lc 22,31-32). Estando conscientes disso
entenderemos que Jesus é muito maior do que um fazedor de milagres. Ele é a
nossa Salvação (cf. Jo 6,68-69). Que Jesus Cristo é nosso Salvador é uma das
afirmações mais sólidas e repetidas do Novo Testamento. É a primeira noticia do
céu à terra através do anjo falando a uns pastores: “Hoje, na cidade de Davi,
nasceu para vós um Salvador que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). A salvação
alcança o que foi criado, pessoas humanas em umas condições concretas. Anunciar
a salvação é anunciar a vida em todas as suas dimensões, inclusive em algo tão
relativo como a saúde (a palavra “salus” [salvar/salvação] exige previamente
uma cura. Para um cego, depois da recuperação de vista, Jesus disse: “Tua fé te
salvou” [Mc 10,52]). Cada cristão existe para ajudar, proteger e salvar o
outro. Se um cristão é egoísta é porque ele deixa de ser cristão. Se um cristão
é desonesto, injusto, incoerente, etc., não ele não pode ser chamado mais de cristão,
como dizia Santo Agostinho: “O nome de cristão
traz em si a conotação de justiça, bondade, integridade, paciência, castidade, prudência,
amabilidade, inocência e piedade. Como podes explicar a apropriação de tal nome
se tua conduta mostra tão poucas dessas muitas virtudes?” (De vit. christ. 6).
A
resposta de Jesus, para a tentação de monopólio, é clara: “Eu devo anunciar
a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu
fui enviado” (Lc 4,43). Sua exigência se traduz em um dom que fica aberto
para todos os que O esperam. Certamente o Evangelho é um presente que enriquece
a existência, porém um presente que não se pode encerrar e sim um presente que
nos abre sem cessar para os outros.
Podemos revisar alguns traços
significativos do texto do evangelho lido neste dia. Em primeiro lugar,
o texto diz que Jesus foi para casa de Pedro ao sair da sinagoga. Trata-se de
um bom programa para qualquer cristão. “Ao sair da sinagoga...”. Ou seja, na
nossa linguagem “ao sair de nossa missa ou de nossa oração”, nos espera uma
jornada de trabalho,de pregação e evangelização, de serviço curativo para os
demais traduzindo nossas orações em ações. É colocar a oração na vida e a vida
na oração. Em segundo lugar, Jesus, em meio de uma jornada com um
horário intensivo de trabalho e dedicação missionária, encontra momentos para
rezar sozinho. Em terceiro lugar, Jesus não quer “se instalar” num lugar
onde ele é bem acolhido: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus
também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado”. É preciso
que nós evitemos dois perigos: o ativismo exagerado, descuidando da oração
(espiritualidade) e a tentação de ficarmos no ambiente em que somos bem
recebidos, descuidando da universalidade de nossa missão. É preciso que olhemos
para Cristo para saber o que precisamos fazer: Jesus é evangelizador,
libertador, orante.
Para Refletir Mais...
Uma das atitudes fundamentais de
Jesus, que Lucas nos descreveu no seu evangelho, é a sua grande misericórdia. A
misericórdia leva Jesus a ser disponível para os demais. Por causa da misericórdia,
para Jesus não há momento determinado para ajudar, para curar e para atender
aos que O procuram e necessitam dele. Todo tempo de Jesus é para os
necessitados, para os quais ele foi enviado (cf. Lc 4,18-19). E todos encontram
nele alívio, consolo e força para continuar a seguir adiante na vida. Servir é
amar. E amar é viver para sempre, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).
Que “motor” que nos move a
trabalharmos como cristãos tanto na Igreja como na sociedade em geral? Como está
nossa disponibilidade como cristãos? Existe algum momento dedicado para os
outros no nosso dia-a-dia para ajudar, consolar, aconselhar ou simplesmente
para escutar o outro?
P. Vitus Gustama,svd
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